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Brasil precisa dobrar o investimento em saneamento para garantir a universalização dos serviços. (Foto: Jonathan Campos / Arquivo / Gazeta do Povo)
Saneamento básico não é apenas investimento social, mas também econômico.| Foto: Jonathan Campos / Arquivo / Gazeta do Povo

Um em cada dois brasileiros não tem saneamento. E isso deveria ser o básico, como diz o nome.  Mas os níveis de cobertura de água e esgoto no Brasil são piores do que em países muito mais pobres, como Iraque, Jordânia e Marrocos. Enquanto cerca de 100 milhões de brasileiros não têm acesso à coleta de esgoto, outros 35 milhões não têm abastecimento de água potável.

Os dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) apontam que 10% das doenças registradas ao redor do mundo poderiam ser evitadas se os países investissem mais em acesso à água, medidas de higiene e saneamento básico.

Vale ressaltar que infecções diarreicas propagadas pelas águas sujas motivam quase 18% das mortes de crianças no mundo, segundo a OMS. No Brasil, ela é responsável pela morte de 2195 crianças por dia.

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Saneamento básico, contudo, não é apenas um investimento social, mas também econômico. De acordo com um cálculo realizado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), para cada real investido em saneamento, o retorno no setor produtivo é de R$2,50. O investimento em saneamento ajuda a prevenir doenças que afastam pessoas do trabalho e que também podem comprometer a formação cognitiva de crianças capazes de, no futuro, integrar capital humano mais qualificado. Segundo a OMS, quem mora em áreas sem acesso a saneamento básico registrou, em média, atraso escolar 1,4% superior em relação àqueles que moram em locais com melhor estrutura de saneamento.

Não à toa, a universalização do saneamento básico é considerada pelas Nações Unidas um dos Objetivos do Milênio.

Falta de investimentos

A dimensão continental do Brasil é um empecilho para a universalização do saneamento básico. A rede de água e esgotos declarada pelo Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento em 2014 era de inacreditáveis 850 mil quilômetros de canos, o suficiente para dar 21 voltas completas ao redor do globo terrestre. Mesmo assim, enquanto há cidades brasileiras com indicadores sanitários de países desenvolvidos, há outras com condições semelhantes a países que estão nas últimas posições no ranking global de IDH da ONU.

Diante dessa situação, criou-se em 2008 o Plano Nacional de Saneamento (Plansab). Ele foi atualizado em 2013, mas não tem sido cumprido. Estimou-se que, se fossem investidos cerca de R$20 bilhões por ano até 2033, 99% da população brasileira teria acesso a água potável e 92% dos brasileiros teriam rede de esgoto. A previsão do Ministério das Cidades do governo de Dilma Roussef (PT) era de que, em 2018, 93% dos domicílios brasileiros teriam água tratada em suas torneiras, com 76% de rede coletora de esgoto, sendo que 69% desse esgoto seria tratado antes de voltar à natureza. Todavia, hoje há menos de 52% de rede coletora de esgoto, com apenas 49% de todo o esgoto coletado recebendo algum tipo de tratamento.

O cenário de desequilíbrio fiscal dificultou o cumprimento do planejado. Entre 2014 e 2016, apenas R$13 bilhões foram alocados para o setor. Para efeito de comparação, apenas o rombo atual da aposentadoria rural é de R$ 110 bilhões, quase nove vezes mais. Já os subsídios da Zona Franca de Manaus, segundo o Tribunal de Contas da União (TCU), custam cerca de R$ 25 bilhões ao governo federal, o dobro de todo aporte feito em saneamento básico.

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Segundo a Confederação Nacional da Indústria, com o ritmo de investimento atual a universalização do serviço ocorrerá apenas em 2060. 94% dos municípios brasileiros são atendidos por empresas estatais, mas boa parte delas não tem condições financeiras para realizar grandes investimentos e dependem dos estados para operar. Para piorar, a crise fiscal que assola os entes federativos restringe ainda mais investimentos no setor. E, como a tendência é a previdência ocupar fatias orçamentárias cada vez maiores, dificilmente o setor público terá capacidade de realocar suas despesas para investimentos em saneamento básico.

Sem dinheiro do erário, a opção restante é a abertura deste mercado para a iniciativa privada. A despeito dela atualmente atender apenas 322 municípios, seus investimentos anuais correspondem a 20% do setor. Estima-se que todos os aportes comprometidos pelas concessões privadas no setor somem R$ 34,8 bilhões, sendo um terço deste valor aplicado até 2020.

Segundo a Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental, sete dos 14 municípios que estão em melhores condições para alcançar a universalização do serviço estão sob gestão da iniciativa privada. Esses municípios cederam plena ou parcialmente os serviços de água e esgoto à iniciativa privada.

A CNI apresentou em 2018 estudo com propostas no setor, mostrando como a iniciativa privada poderia auxiliar nesse sentido. Entre os modelos apontados, utilizou os cases dos Estados Unidos, Chile, Alemanha e Japão. Em todos esses países houve investimento predominantemente privado, com parcerias público-privadas e privatizações de toda a rede. O papel do Estado ficou restrito a subsidiar descontos na tarifa para a população.

Mudança propostas na legislação em trâmite no Congresso

Nos últimos anos, tornou-se mais comum no Brasil a concessão de rodovias, aeroportos, linhas férreas, metrô e até parques e estádios de futebol. O mesmo não ocorreu com o saneamento.

Historicamente, a legislação no setor nunca permitiu concorrência entre o setor público e a iniciativa privada. As estatais de saneamento ficavam responsáveis pela prestação do serviço, sem abertura de licitações que poderiam ser vencidas por empresas privadas que se demonstrassem mais eficientes. Dessa forma, nem sequer havia possibilidade de manifestação de interesse de investidores da iniciativa privada.

Na avaliação do sócio da Miles Capital, Fabiano Custodio, se os estados vendessem suas estatais de saneamento a eficiência do setor aumentaria substancialmente: "Se o setor tivesse uma regulação que estimulasse a eficiência como em energia elétrica, saneamento poderia negociar seus ativos por múltiplos (indicadores de valoração das empresas) bem maiores do que os verificados em aquisições como as da Eletropaulo e CPFL”, afirma.

Nesse sentido, tramita no Congresso Nacional a Medida Provisória nº 868/2018, que busca mudar o marco regulatório do saneamento básico no país. Ela foi aprovada na última terça-feira (07) na comissão mista do Congresso Nacional e seguirá agora para o Plenário da Câmara. Se aprovada, irá para o Plenário do Senado.

Com a MP, todos os contratos de saneamento precisarão de concorrência pública, baseada em investimentos e critérios técnicos. O setor será privatizado somente se as estatais se mostrarem menos eficientes e, portanto, incapazes de competir com o setor privado. Vale ressaltar ainda os critérios de proteção ambiental e a autorização para que a União participe de fundos que financiem serviços técnicos especializados para o setor. A fiscalização passará a ser de responsabilidade da Agência Nacional de Águas (ANA), que ficará responsável por regular as tarifas cobradas e estabelecer mecanismos de subsídio para populações de baixa renda.

Por que saneamento não é uma prioridade?

Há quem diga que investimentos em saneamento não são prioridades por parte das autoridades porque não visam o curto prazo, além de as obras demandarem muitas cifras. Isto é, esse tipo  de investimento não contribui eleitoralmente para quem os promove. O cientista político e doutorando em políticas públicas pela Universidade de Erfurt, Magno Karl, discorda da avaliação: “A diminuição das valas abertas nas comunidades, das ‘línguas negras’, a recuperação de rios, lagoas e praias dariam muito voto. O atraso brasileiro tem explicações políticas, econômicas e regulatórias. Os políticos tendem a favorecer as empresas públicas de saneamento que, para além de suas preferências ideológicas sobre iniciativa estatal ou privada, permanecem instrumentos para a ação direta dos mandatários e satisfação de demandas de seus aliados”, afirma.

Para ele, a situação regulatória reflete a preferência da classe política por soluções estatais. “A participação privada ainda é vista como um bicho papão, a esquerda tentou emplacar a MP 868 como a ‘MP da Sede’, mas pouco se fala que operadores privados administram redes de água e esgoto em algumas cidades brasileiras há décadas e com resultados mais satisfatórios”, complementa.

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