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Ciclista passa por acampamento de pessoas sem-teto em uma calçada de São Francisco, Califórnia.
Acampamento de pessoas sem-teto em São Francisco, Califórnia. O governo municipal dá moradia a viciados e pessoas com problemas mentais com métodos de seleção pouco rigorosos, segundo moradores.| Foto: EFE/EPA/JOHN G. MABANGLO

Para os moradores do Sexto Distrito da cidade de São Francisco (Califórnia), as condições deploráveis de hotéis de ocupação de quarto único (SRO, na sigla em inglês) não são mais chocantes. Nos bairros de Tenderloin, Civic Center e South of Market, onde a maior parte dos cerca de 70 SROs estão localizados, esses prédios de administração municipal sempre foram horrendos segundo a memória da maioria. E estão piorando.

Os horrores dos SROs foram postos em exibição para o público em reportagem especial do San Francisco Chronicle. A matéria mostra pessoas morando em prédios em que os tetos estão desabando, há mofo tóxico, ratos, odores putrefatos, barulho constante, eletrodomésticos pifados e violência sem controle. Também nota que no mínimo 166 pessoas foram vítimas de overdose fatal nesses hotéis entre 2020 e 2021. Esse número oficial, contudo, levanta suspeitas por ser baixo demais. O médico legista de São Francisco relatou um mínimo de 1300 mortes por overdose por toda a cidade nos últimos dois anos, principalmente com fentanil ilegal em combinação com outras drogas.

Como podem ser tão ruins os lugares que a cidade julgou apropriados para os economicamente desfavorecidos? Não é por falta de verba. São Francisco tem um orçamento embasbacante de 1,1 bilhões de dólares para os sem-teto, boa parte deles gastos em moradia assistencial.

Pelas más condições podemos culpar em parte os inquilinos que dificultam a vida dos outros – que invadem apartamentos vizinhos, ameaçam pessoas inocentes ou consomem drogas nas áreas de uso comum. Mas se inquilinos se demonstram incapazes de serem bons vizinhos, então os funcionários públicos que os colocaram ali também têm culpa.

“Precisamos de um processo de seleção melhor”, diz Darren Mark Stallcup, 25, que morou até recentemente em um SRO. “A cidade estava acomodando todo mundo; pessoas estranhas, violentas. Eram viciados em fentanil, ex-presidiários ou membros de gangue. Arrombavam a minha porta. Eu tinha que acordar para distribuir socos”.

Segundo Stallcup, inquilinos de longa data, muitos deles velhos, eram os mais afetados pelo caos. “A maioria é de imigrantes asiáticos e o barulho assusta os idosos”, diz ele. “Eles se escondiam por trás de barricadas. Eu nunca comprei uma pistola, mas estava pensando no caso”.

Na verdade, muitas das pessoas acomodadas nas moradias municipais são consideradas “inquilinos de grande necessidade”. Nem os SROs nem as unidades de moradia assistencial são os locais apropriados para recebê-los (ou para os outros inquilinos, que sofrem por tê-los por perto). Eles precisam de assistência profissional, mas não recebem porque a cidade não investiu nisso.

Tudo isso resulta da política Housing First [algo como Moradia em Primeiro Lugar]. A ideia por trás dela é tão simples quanto insensata: acomodar entre quatro paredes pessoas em situação de rua ou que estão em risco de se tornarem sem-teto. Então, voilà, o problema dos moradores de rua estaria resolvido. Claro, isso não é verdade. Mais pessoas chegam a São Francisco todo dia, a maioria em busca dos narcóticos baratos da cidade e sua atitude licenciosa quanto ao uso. Elas ficam nas ruas até que consigam a moradia subsidiada.

Enfiar em apartamentos grátis ou de baixo custo milhares de pessoas que deveriam estar fazendo reabilitação em hospitais ou clínicas de saúde mental e vício em drogas foi um desastre. Os prédios em que foram acomodadas estão em ruínas; elas se machucam e algumas morrem. Os bairros caem no caos.

O estado de decrepitude dos SROs é apenas um sintoma da doença. A moradia não é uma cura. Ao menos que as cidades lidem com o problema subjacente de transtornos mentais e vícios sem tratamento, cada prédio reservado para os sem-teto sob a abordagem Housing First vai se deteriorar e quem está desesperado ficará sem ajuda.

Uma moradora de longa data de um SRO que prefere permanecer anônima relata uma falta de fiscalização e responsabilidade. “Os departamentos de apoio a sem-teto, de moradia assistencial e de saúde pública estão violando direitos de moradia e direitos humanos”, diz ela. “Moradia assistencial? Não existe assistência nenhuma. O departamento não dá um tostão furado pela saúde. Se você é mulher, a sua vida será um inferno. Ninguém se importa. Pessoas muito funcionais caem em regressão. Alguns querem ficar sóbrios, mas não conseguem. No fim eles pegam mais um cachimbo porque quase todo mundo em volta está usando”.

A solução da cidade? Mais do mesmo, com mais desperdício de dinheiro. Em vez de dar atenção ao apodrecimento dos prédios dos SROs, o governo está esbanjando com a compra de propriedades. Com a entrada dos fundos da Proposta C – uma medida de tributação sobre as empresas mais lucrativas da cidade com a intenção de resolver o problema dos sem-teto –, estão comprando prédios novos intactos para acomodar os necessitados.

Os apartamentos que a prefeita London Breed mostrou com orgulho, com cozinhas lustrosas, banheiros brilhosos e quartos limpos, estão todos fadados à ruína. Logo essas unidades estarão no mesmo estado inabitável que as outras. Isso foi exatamente o que aconteceu quando a cidade deu quartos para abrigo em hotéis de luxo como o Mark Hopkins durante o auge da pandemia. A destruição foi quase imediata. Acessórios foram arrancados dos banheiros, sangue e fezes mancharam os carpetes, colchões foram queimados e pessoas morreram de overdose, muitas vezes sozinhas.

A pressão para acrescentar unidades de moradia assistencial permanentes em distritos com poucas dessas estruturas ou nenhuma vai apenas piorar a situação. As garantias de que essas unidades são para famílias sem-teto e que incluirão serviços de saúde mental não têm base. Quanto às comunidades, sofrerão o mesmo destino daquelas que estão no Sexto Distrito. Traficantes de drogas vão chegar para servir aos novos moradores. O crime vai aumentar. Os moradores com problemas de vício vão comprar o que querem, levar as substâncias para seus quartos e usá-las. Alguns vão ter overdose e morrer. Enquanto isso, os que não usam drogas ou tentam ficar sóbrios estarão em um ambiente perigoso. A abstinência não é valorizada. Os ativistas da redução de danos certificam-se que os moradores sempre tenham acesso a agulhas, cachimbos e papel alumínio grátis, mas nunca promovem assistência grátis para reabilitação como fazem os Narcóticos Anônimos.

Dar residências permanentes para pessoas que não demostraram que podem lidar com tal responsabilidade é um erro, diz Stallcup, para quem dói lembrar do tempo em que morou em um SRO. “Eles estavam trocando tiros no banheiro compartilhado”, diz ele. “Basicamente destruíram tudo. Nunca esquecerei o cheiro. Eles precisam de tratamento, reabilitação, apoio e instalações projetadas para essas coisas. Não deveríamos entregar propriedades desse jeito. É loucura. Tem que haver uma ponte”.

O programa Housing First feriu as pessoas em circunstâncias desesperadoras, em vez de ajudá-las. Redobrar os esforços por essa política garante que os doentes ficarão mais doentes e que as luzes da cidade continuarão a se apagar. Ao invés de mandar pessoas profundamente perturbadas para apartamentos mal administrados ou SROs dilapidados, São Francisco deve usar o seu orçamento gigantesco para financiar o tratamento integrado ao vício e os cuidados psiquiátricos dos quais tanto precisa.

Erica Sandberg é repórter de finanças e consumo e atua em São Francisco, onde trabalha pela comunidade com ênfase em pessoas em situação e rua e ordem pública.

©2022 City Journal. Publicado com permissão. Original em inglês.

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