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O silêncio dos movimentos LGBT e negro quanto às violências sofridas pelo vereador Fernando Holiday é revelador do monopólio da indignação.
O silêncio dos movimentos LGBT e negro quanto às violências sofridas pelo vereador Fernando Holiday é revelador do monopólio da indignação.| Foto: Divulgação

Na quinta-feira passada (5), antes mesmo de o prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, tomar a decisão de enviar fiscais à Bienal do Livro a fim de ter certeza de que nenhuma criança estava sendo exposta ao que ele, Crivella, considerava inapropriado, uma cena muito mais revoltante do que um beijo gay numa história em quadrinhos da Marvel ocorria na Câmara de Vereadores de São Paulo.

Mas não se preocupe. Você não vai ver pessoas indignadas com o que ocorreu. Não haverá longas matérias nos telejornais sobre o assunto. Militantes virtuais não farão subir hashtags revoltadas. Não haverá petições online. Ninguém falará em Idade das Trevas nem se tecerá loas à liberdade, à democracia, à diversidade ou a qualquer outro conceito abstrato que caiba bem na frase.

Me refiro às palavras proferidas contra o vereador Fernando Holiday (DEM) na Câmara de São Paulo. Na quinta-feira (5), o vereador Camilo Cristófaro (PSB) subiu na tribuna da casa legislativa para atacar o colega que, durante uma entrevista, havia dito que os vereadores de São Paulo não eram muito chegados ao trabalho.

"Gostaria de falar que lamentavelmente o senhor Fernando Holiday usa das redes sociais, que ele é o grande macaco de auditório das redes sociais, que ele usa dando risada dessa casa, explodindo as redes sociais, porque a população adora ver sangue, maldade, mentira, fake, onde ele acusa os seus colegas de vagabundos", disse o vereador.

Não é a primeira vez que Holiday – negro, homossexual e de direita – é ofendido por ser negro, homossexual e de direita. O “moderado” Ciro Gomes, por exemplo, já o chamou de Capitão do Mato – e mais de uma vez. Para piorar, se é que é possível, em dezembro de 2018 o gabinete do vereador foi atingido por um tiro. Sim, um tiro!

Em nenhuma dessas ocasiões você ouviu ou viu o movimento negro ou o movimento LGBTQ se manifestar com a mesma veemência vista no último fim de semana, por conta da decisão de Crivella de fiscalizar os livros da Bienal do Rio de Janeiro.

Nem vai ver.

Pelo contrário. No caso mais recente, este que envolve Fernando Holiday e que o bom senso me obriga a não chamar de racismo, ao menos não sem o insuportável “suposto” para servir como rede de segurança, Cristófaro está recebendo o raríssimo benefício da dúvida. Afinal, ele disse “macaco de auditório”, e não “macaco”. O fato de, em entrevista à Folha de S. Paulo, o vereador ter insistido no termo e variado o gênero (“macaca de auditório”) também passou incólume pelo crivo sempre muito sensível dos militantes à esquerda.

Autoritarismo “do bem”

Há lógica neste silêncio seletivo: se o político, seja ele evangélico ou corrupto, está ao lado das causas da esquerda, ele não é tão mau assim. Agora, se ele é de direita, como no caso de Holiday, ele fez por merecer. Incrível como a esquerda conseguiu roubar para si até mesmo a lógica imoral daqueles que acreditam que uma mulher só é estuprada porque está usando roupas provocantes demais. Ou qualquer outra bobagem do gênero.

Em julho de 2018, por exemplo, Marcelo Crivella não era considerado tão malvado assim pela esquerda. Afinal, ele sancionou a chamada “Lei dos Canudinhos”, proibindo a distribuição do objeto plástico no município. A justificativa da medida era proteger o meio ambiente, em especial os oceanos, dos efeitos nocivos do pobre canudinho que estaria matando tartarugas e até baleias – a despeito da falta de provas científicas de que os canudos causem esse estrago todo e a despeito dos prejuízos que isso causou aos comerciantes cariocas.

Ele tampouco foi considerado malvado quando sancionou uma lei proibindo a dupla função de motoristas de ônibus – o que encarece o transporte público e, consequentemente, prejudica os mais pobres.

Os militantes distraídos do chamado autoritarismo “do bem” não evocaram nenhuma defesa da liberdade de expressão quando, em 2018, o ex-governador e atual detento Luiz Fernando Pezão sancionou uma lei capaz de chocar até o pudico Jânio Quadros, proibindo propagandas de cerveja que usassem mulheres trajando biquínis.

Donde se conclui que a censura, o racismo, a homofobia e o autoritarismo de todos os tipos só são reprováveis, dignos de hashtags, pontos de exclamação, avatar de luto, beijaço e decisão-relâmpago do Supremo Tribunal Federal quando estão em consonância com o pensamento único daqueles que têm uma interpretação muito própria e muito socialista da liberdade.

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