• Carregando...
Charisma Jamison e seu namorado, Cole | Charisma JamisonArquivo pessoal
Charisma Jamison e seu namorado, Cole| Foto: Charisma JamisonArquivo pessoal

Em 2 de janeiro de 2016, Elena Pauly viajou para Cuba com seu namorado, Dan, em suas primeiras férias no exterior depois de três anos juntos. Um dia antes de voltarem para casa, Dan mergulhou de cabeça na parte rasa da piscina do resort e ficou imediatamente paralisado. Quando o casal voltou para sua casa em Vancouver, no Canadá, Dan, um pedreiro, enfrentou uma nova vida. Pauly descobriu uma nova normalidade. 

“Eu cozinhava para ele, dava banho, desligava as luzes para ele, depois fechava a porta e eu simplesmente sentava no carro e chorava”, disse Pauly, 31 anos, ao The Washington Post. “Eu me senti tão sozinha”. 

A partir dessa experiência, surgiu um novo grupo chamado “WAGS of SCI: Esposas e namoradas de lesão medular” [SCI é a sigla em inglês para lesão medular]. 

O nome é uma variação dos reality shows de TV populares. WAGS é um acrônimo que geralmente se refere às esposas e namoradas de atletas profissionais. Por anos, redes como E! e a VH1 criaram franquias inteiras a partir das vidas extraordinárias e chamativas das WAGS, que se encontram em férias de luxo, moram em mansões e defendem seus parceiros milionários. 

Mas Pauly e sua amiga Brooke Pagé começaram a mudar o significado de WAGS, destacando um tipo diferente de irmandade que é tudo menos chamativa, dedicada a garantir que outras mulheres nessa situação se sintam apoiadas.

Leia também:  Coletivo de mulheres presta assistência jurídica a vítimas de violência doméstica

Tudo começou quando Pauly usou as hashtags #quadwife (esposa de tetraplégico) e #spinalcord (medula espinhal) ao publicar fotos dela e de Dan no Instagram. 

Em março de 2017, Pagé, 32 anos, descobriu Pauly enquanto olhava o feed de pesquisa. A história de Pauly era muito familiar. 

Em 28 de maio de 2014, o marido de Pagé, Evan, então superintendente de canteiro de obras, estava trabalhando na construção de uma nova escola em West Vancouver. Foi quando uma carga de pisos de madeira de mais de 1,5 mil quilos caiu sobre sua cabeça, esmagando seu capacete e deixando-o paralisado. 

“Foi um acidente completamente bizarro”, disse Pagé sobre seu marido de 30 anos. 

Compartilhando experiências

Depois de se descobrirem no Instagram e de saberem que moravam a apenas dois quarteirões de distância uma da outra em Vancouver, Pauly e Pagé começaram a se encontrar para fazer ioga e tomar café. Mas os encontros delas eram muito diferentes do que os de outras amigas. 

Elas falavam sobre acidentes intestinais ou de bexiga, serviços para pessoas com deficiência na região, o que fazer se o parceiro caísse da cadeira de rodas e de medicamentos. 

“É muito difícil de encontrar alguém que esteja na mesma situação que a sua e com quem você seja capaz de se identificar”, disse Pagé. “Nós não queríamos nunca mais que uma mulher cujo parceiro sofreu uma lesão na medula espinhal se sinta sozinha novamente”. 

Pauly disse que, embora haja muitas atividades diferentes em centros de reabilitação para pessoas lesionadas, ela percebeu que não havia um grupo para seus parceiros. 

Então, as mulheres começaram um perfil no Instagram em novembro de 2017, onde compartilhavam cenas de suas vidas ao lado de seus parceiros paralisados. Pagé compartilhou o que era passar a lua de mel em Roma, Barcelona e Amsterdã com seis malas e uma cadeira de rodas motorizada de 130 quilos. Pauly postou como ela foi para os jogos de rúgbi de cadeira de rodas de seu namorado, e para o happy hour em seguida. 

Nossas convicções: Os responsáveis pelo bem comum

A página delas no Instagram destaca uma nova história a cada dia da experiência de uma mulher diferente em um relacionamento entre pessoas com habilidades diferentes. 

“Começamos com o objetivo de apenas nos conectar com outras mulheres em Vancouver”, disse Pagé. “Nós somos as únicas que entendemos a nossa situação. Nossos amigos não entendem. Nossas famílias não entendem”. 

Os parceiros que vivem com uma pessoa que teve uma súbita lesão na medula espinhal muitas vezes lutam para recuperar uma vida cotidiana que funcione bem, de acordo com um estudo de 2011 publicado no “International Journal of Qualitative Studies in Health and Well-being”. Pesquisas mostraram que os parceiros sentiam muita angústia e apreciavam o apoio que recebiam, no entanto, sentiam que eram deixados a administrar as difíceis tarefas emocionais e físicas por conta própria. 

No começo, eram poucas as seguidoras do “WAGS of SCI”, apenas algumas dúzias quando começaram a página. Então, no Dia dos Namorados deste ano, Garrett Greer, um jogador da World Series of Poker e tetraplégico, postou em sua conta no Instagram sobre como o grupo o inspirou. 

Depois do post de Greer, milhares de mulheres em todo o mundo com parceiros em cadeiras de rodas começaram a segui-las. 

As mulheres fazem perguntas umas às outras, como se é seguro fazer sexo desprotegido com um parceiro que usa um cateter, como elas separam os papéis de cuidadora e namorada e como lidam com surtos de depressão. Seus posts também mostram o lado mais bem-humorado de namorar alguém que usa cadeira de rodas, como poder andar no colo do parceiro quando seus pés começam a doer por causa de saltos altos. 

Em vários posts, as mulheres falam em encontrar uma “nova normalidade”. Por exemplo, elas discutem as horas passadas em fisioterapia e consultas médicas, mas também fazendo atividades que elas faziam antes da lesão do parceiro, como ir à praia e assistir jogos de futebol americano. Uma mulher disse: “A única deficiência na vida é uma atitude ruim”. 

Em comentários nos posts, as mulheres são muitas vezes elogiadas por compartilhar suas histórias de amor únicas. 

Preocupações

Charisma Jamison disse que a comunidade WAGS of SCI tem sido inestimável. A jovem de 24 anos começou a sair com seu namorado, Cole, em dezembro, depois de conhece-lo em um centro de reabilitação em Richmond, Virginia, onde ela estava trabalhando. “Nós passamos a trocar mensagens”, disse Jamison ao Washington Post. 

Cole ficou paralisado após um acidente de mergulho quando tinha 16 anos. O relacionamento deles levantou novas questões para a família de Jamison. 

“Minha família ama Cole e dá muito apoio, embora houvesse algumas preocupações quando nós começamos a namorar”, disse Jamison. “O grupo me ajudou a me preparar para certas coisas e situações”. 

Jamison lembrou de uma vez em fevereiro quando o casal tentou se encontrar com seus amigos em um bar, mas teve que sair porque a área lotada impediu que Cole se movesse em sua cadeira de rodas. No canal do casal no YouTube, “Roll with Cole”, eles contaram que às vezes as pessoas os encaram em público ou deixam comentários negativos. 

“Haverá pessoas por aí que terão uma opinião forte sobre o nosso relacionamento, mas isso é problema deles, não nosso”, Jamison disse. Ela brincou que quer estar em uma praia no Taiti grávida de trigêmeos com Cole ao seu lado. 

“Há momentos em que fico realmente frustrada, mas as mulheres estão sempre lá para me dar conselhos”, disse Jamison. 

Nossas convicções: A finalidade da sociedade e o bem comum

Cerca de 5,4 milhões de pessoas vivem atualmente com alguma forma de paralisia, de acordo com a Fundação Christopher & Dana Reeve. Embora lesões na medula espinhal possam acontecer a qualquer pessoa, cerca de 78% dos novos casos de lesão medular ocorrem em homens. Os homens são mais propensos a assumir riscos e praticar esportes que causam esse tipo de lesão. A taxa de incidência de lesão na medula é maior entre os jovens que têm entre 16 e 30 anos de idade, segundo a National Spinal Cord Injury Association. 

A conexão pela internet das WAGS of SCI gerou encontros nos EUA, no Canadá e no exterior. Em agosto, um grupo de membros da WAGS se reuniu em Sydney, Austrália, no Campeonato Mundial de Rúgbi em Cadeira de Rodas. 

A maioria das seguidoras são mulheres entre 25 e 35 anos, mas recentemente uma menina de 16 anos entrou em contato depois que o seu namorado ficou paralisado. 

Pagé e Pauly disseram que também recebem mensagens de homens paralisados que dizem que o grupo lhes dá esperança de que encontrarão o amor um dia. 

A coach de relacionamento Laurie Davis Edwards disse ao Washington Post que ela acredita que as WAGS of SCI são “empoderadoras”. 

“Para algo como uma lesão na medula espinhal, a forma como você se conecta fisicamente pode não parecer exatamente a maneira como você se conectava com as pessoas antes”, disse Davis Edwards. “Há uma oportunidade de ser criativo e criar uma conexão mais profunda do que antes com alguém”. 

É o começo do que tem sido uma expansão inesperada do que significa ser um WAG. E as mulheres que lideram a iniciativa esperam que as outras possam ver o que elas veem e lutar por seus parceiros. 

“Amor é amor e só porque você está em cadeira de rodas não significa que você não é digno de amor”, disse Pagé.

Leia também: Violinista que toca na “cracolândia” de Los Angeles ganha “bolsa dos gênios”

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]