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Restaurante fechado
O setor de bares e restaurantes, que vinha em uma série histórica de crescimento, sofreu uma queda de cerca de 25% no último ano| Foto: Bigstock

Não é mais possível tomar um chope gelado no local do histórico primeiro encontro entre Tom Jobim e Vinícius de Moraes. A Casa Villarino, bar carioca celebrado por ser um dos berços da Bossa Nova, fechou as portas no fim de 2020. Com 67 anos de tradição, enfrentou crises como a hiperinflação dos anos 80 e o confisco da poupança do governo Collor. Mas nada tão arrasador como ficar fechado durante a pandemia.

“Há um ano, em março, após o primeiro fechamento de 3 meses, pensamos que as coisas iriam voltar ao normal. Em julho voltamos a funcionar, algumas pessoas vieram de longe para prestigiar, mas percebemos que foi piorando em vez de melhorar. Em outubro vinham apenas duas ou três pessoas para almoçar”, afirma a proprietária, Rita Navas, de 79 anos.

Mesmo com a redução das restrições de funcionamento de bares e restaurantes, o movimento não melhorou. Grande parte da clientela do Villarino é composta de pessoas que trabalham nos escritórios do Centro Histórico do Rio de Janeiro e que agora estão em regime domiciliar.

Isso fez com que Navas não visse outra alternativa e nenhuma perspectiva de melhora. Assim, teve que tomar a difícil e dolorosa decisão de fechar as portas do Villarino, onde trabalhou por tantos anos, e demitir funcionários de longa data.

“No último dia apenas um cliente foi almoçar. Foi horrível. Não tinha falado ainda para os funcionários, pois não queria trazer um clima ruim. Mas eles já estavam sabendo o que ia acontecer. Disse a eles que a melhor maneira que eu achei de resolver foi pagar tudo direitinho enquanto ainda tinha dinheiro. Na hora que eu comuniquei, eles entenderam tudo, me abraçaram e eu chorei junto com eles. Foi muito emocionante e triste, um momento muito difícil”, diz Navas.

Ela ainda espera poder reabrir o Villarino em algum momento no futuro.

Prejuízo e desemprego

O setor de bares e restaurantes foi um dos que mais sentiram o baque da crise gerada pelo Covid-19. Além das restrições de funcionamento, os estabelecimentos sofrem também com o aumento do aluguel e o preço elevado dos insumos.

Os números não são animadores. Embora a mortalidade do setor seja normalmente alta, a crise atual não tem precedentes e tem fechado diversos estabelecimentos tradicionais, alguns com mais de um século de história.

De acordo com a Associação Nacional de Restaurantes (ANR), o setor fechou 2020 com a perda de 180 mil empregos formais. No período mais agudo da crise, entre março e agosto, o segmento chegou a fechar 253.436 postos de trabalho.

O número pode ser maior. Fernando Blower, diretor executivo da ANR, diz que existe uma grande dificuldade em saber a quantidade real de estabelecimentos que fecharam, já vários não dão baixa no CNPJ.

A Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) traz dados ainda mais impactantes. De acordo com a associação, se forem considerados os trabalhadores informais, cerca de um milhão de pessoas que trabalham no setor perderam os seus empregos em 2020. O setor, que vinha em uma série histórica de crescimento, sofreu uma queda de cerca de 25% no último ano.

A Abrasel realizou uma pesquisa entre 11 e 18 de fevereiro em estabelecimentos de todo o país que revelou: 60% dos estabelecimentos fecharam janeiro no vermelho. Em setembro eram 53% operando no negativo. Também aponta que as restrições de funcionamento atingiram 80% das casas e 60% contam possuir pagamentos em atraso, sendo que 70% dessas dívidas se referem ao Simples Nacional. Um total de 78% dizem que o negócio corre risco de fechar se não receberem algum tipo de auxílio.

Um relatório da ABIA (Associação Brasileira de Indústria de Alimentos), em parceria com a Galunion Consultoria, aponta que em 2020 as vendas da indústria de alimentos aos operadores de restaurante caíram mais de 24% em relação a 2019, fazendo com que a queda do setor fosse a maior da história.

A Galunion Consultoria também fez um relatório em parceria com a ANR, que entrevistou 506 estabelecimentos entre entre 7 e 27 de novembro de 2020. De todos os entrevistados, apenas 18% disseram ter aumento nas vendas. E dos os 77% que disseram ter redução nas vendas, 29% disseram que ela foi de 26% a 50% do faturamento. E 64% disseram já terem demitido durante a Crise.

E o ano de 2021 não trouxe novo fôlego ao setor. Segundo dados do Índice Cielo do Varejo Ampliado (ICVA) da operadora de cartões Cielo, houve queda de 34,9% das vendas em bares e restaurantes no mês de janeiro, já deflacionado, na comparação com o mesmo mês de 2020. Como efeito direto da crise, casas tradicionais tiveram que tomar a decisão de encerrar as atividades. Segundo a Abrasel, mais de 300 mil empresas do ramo fecharam em 2020.

Fim da alegria

Em São Paulo, mais um dos que sentiram o peso dessa crise foi o restaurante Ramona, que serve no centro da capital desde 2012. Quem antes era conhecido pela sua boa comida e boa música, agora amarga em tristeza e silêncio. De acordo com o chef e sócio do restaurante Bruno Fischetti, de 42 anos, a situação foi tornando-se cada vez mais problemática, forçando-os a tomar medidas para redução de custos.

Ele conta que em um primeiro momento conseguiram se manter sem demissões, mas depois de seis meses de pandemia, elas foram inevitáveis. Ele aponta que a sua maior dificuldade foi a incerteza do que aconteceria a seguir, o que dificultou o planejamento. Além disso, ele conta que os incentivos do poder público foram poucos e auxílios nos pagamentos de salários dos funcionários não foram suficientes para frear as demissões e falências no setor.

“Após 12 meses de pandemia, o descrédito tomou conta dos funcionários, causando um efeito devastador no negócio. Neste ramo de serviço, a energia positiva e a alegria no atendimento são fundamentais. Nós vendemos mais que comida e bebida, vendemos momentos especiais para as pessoas. O que ficou cada vez mais difícil neste cenário escabroso que vemos diariamente”, diz Fischetti.

Outro a seguir esse rumo é o Mangiare, conceituado restaurante paulistano que está fechando as portas no ano em que completaria uma década de operação. O proprietário é o experiente Benny Goldenberg, empresário de 36 anos, e que possui mais outros dois empreendimentos — é sócio da Chef Paola Carosella no restaurante Arturito e proprietário da rede de empanados La Guapa.

Benny conta que conseguiu se manter bem nos primeiros meses de 2020, e mesmo com as dificuldades da pandemia chegou a ter uma grande expectativa de melhora no final do ano passado. Mas com o novo agravamento da pandemia, em fevereiro deste ano, percebeu que não poderia continuar e teria que fechar.

Segundo ele, além da redução de frequentadores da casa, a alta do preço dos insumos causados pela inflação e o aumento do preço do aluguel foram fundamentais nesse processo de crise. Ele afirma que já vinha travando uma disputa litigiosa com o proprietário do imóvel onde o Mangiare está instalado, pois ele, além de não querer reduzir o valor da dívida, ainda queria reajustar o valor do aluguel a partir do IGPM, cujo índice está em 2,98%. Mas não houve acordo.

“Eu sou empresário de carreira, já tive outros sonhos que ruíram. Eu sou muito pragmático em relação a isso, mas até posso sofrer por antecedência pela decisão tomada. O que me dói muito é que eu prefiro errar por mim. Ter que fechar por consequência de atos e desgovernos que não tangem à minha responsabilidade é muito triste. Porque no final do dia a gente fez tudo o que podia fazer”, afirma.

Como solução para essa difícil situação, Benny faz um apelo para que as pessoas ajudem os bares e restaurantes nesse momento.

“Se vocês tem um restaurante do coração, esse é o momento de ajudá-los e ajudá-los, nada mais é do que comprar a comida deles. Se a gente não olhar agora com carinho, o seu estabelecimento do coração não vai existir depois da pandemia.”

Vaquinha

Foi o que os clientes do bar Ó do Borogodó fizeram. Por meio de uma vaquinha online, em apenas 15 dias arrecadaram cerca de 300 mil reais, o suficiente para salvar o bar que já estava fechado desde março do ano passado.

Estabelecimento localizado desde 2001 na Vila Madalena, em São Paulo, famoso pela roda de samba e de choro, o Ó (como é carinhosamente chamado pelos frequentadores) vinha sobrevivendo por meio de lives transmitidas pelo Youtube e de feijoadas vendidas por meio do delivery.

Stefania Gola, de 48 anos, uma das responsáveis pelo bar, diz que a equipe não esperava tamanha comoção após o anúncio da campanha de arrecadação de fundos.

"Sentimos o tamanho do valor do Ó e o reconhecimento desse trabalho de 20 anos. Sentimos também uma baita responsabilidade em corresponder toda essa confiança depositada. Com todo esse cenário de tristeza, a gente encontrou um espacinho de felicidade", afirma.

Mesmo sentindo os efeitos econômicos da pandemia, Gola acredita que as medidas restritivas são necessárias. Mas ela aponta uma série de medidas que podem ser aplicadas pelo poder público para auxiliar o setor.

“É preciso ampliar a suspensão e redução de jornada dos trabalhadores, liberar crédito para os negativados, suspender ordem de despejo, anistia ou super refis, intervir nas negociações de aluguel e nas porcentagens das taxas das empresas de entrega. Enfim, muita coisa pode ser feita”.

Menos impostos

Para Célio Salles, conselheiro de administração da Abrasel, além das restrições impostas pelos governos estaduais e municipais, os estabelecimentos enfrentam dificuldades com o ajuste dos aluguéis e o preço elevado dos alimentos.

“Os recursos disponíveis já foram utilizados. As linhas de crédito e os enxugamentos todos já foram feitos. Quanto mais se estende essa situação, a taxa de mortalidade do setor crescerá cada vez mais”, afirma.

Salles reclama que a grande demanda do setor é poder realizar atendimentos presenciais, mesmo que com restrições. Pois muitos restaurantes não conseguem sobreviver apenas de delivery.

Para ele, o governo deveria oferecer medidas compensatórias aos estabelecimentos ao decretar lockdown, como abatimento de impostos ou linhas de crédito. Além disso, ele propõe medidas que podem ser tomadas em nível federal, como a retomada de linhas de financiamento, como Pronampe, e o aumento de prazos de carência aos que já utilizaram o recurso. Também aponta o adiamento programas especiais de refinanciamento de dívidas tributárias e a retomada das medidas de suspensão, compensação de salário e antecipação de férias.

“Outro fator que tem prejudicado muito é a distância entre o IGPM e o IPC. O IGPM é o principal índice para reajuste de aluguéis. O índice está em 2,98%. Os proprietários de imóveis querem aplicar o índice contratual embora descolado totalmente da realidade”, conclui Salles.

Para Fernando Blower, da ANR, a saída passa por uma série de medidas e apenas uma não resolveria, dada a profundidade desta crise. Para ele, a mais importante medida no momento para ele seria o estabelecimento de um patamar mínimo de funcionamento dos restaurantes, que abririam sob protocolos de segurança.

“Se a gente tiver respeito às regras e protocolos, eu posso garantir que a imensa maioria dos estabelecimentos faz até mais do que a lei exige para que os clientes se sintam confortáveis e seguros”.

Além disso, ele aponta a criação de novas medidas de apoio e o restabelecimento de medidas que foram encerradas ano passado. Ele fala sobre o Refis do ICMS no âmbito estadual, mas cada estado deveria aprovar isso individualmente.

O Ministério da Economia afirmou à Gazeta do Povo que tomou um conjunto de medidas para combater os efeitos da pandemia da Covid-19 na economia.

“Para socorrer os pequenos e médios empreendedores, o governo criou o Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe) por meio da Lei 13.999, em maio de 2020. O programa foi destinado ao desenvolvimento e fortalecimento dos pequenos negócios, com concessão de crédito para o financiamento da atividade empresarial. O crédito, que não discriminava que tipo de categoria atender, pôde ser utilizado para investimentos e capital de giro. O empréstimo teve 100% de garantia do governo”.

A pasta também informa que o prazo para o pagamento do empréstimo trabalhado foi de 36 meses, com taxa de juros anual máxima aplicada sobre o valor total do crédito da Selic mais 1,25% ao ano, e carência de oito meses. E que pelo Pronampe foram realizadas 517 mil operações de crédito, somando cerca de R$ 37.5 bi em liberação.

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