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Segundo a pesquisa, diante da proporção de verdade e ficção, a influência das notícias falsas não é nada em comparação com a cobertura dos grandes veículos | CARLO GIAMBARRESI/NYT
Segundo a pesquisa, diante da proporção de verdade e ficção, a influência das notícias falsas não é nada em comparação com a cobertura dos grandes veículos| Foto: CARLO GIAMBARRESI/NYT

As notícias falsas passaram de espetáculo de segunda categoria da internet a grave ameaça eleitoral com tanta rapidez que cientistas comportamentais tiveram pouco tempo para responder perguntas básicas sobre elas, por exemplo, quem lia o que, quantas notícias verdadeiras eram igualmente consumidas por esse público e se as tentativas de comprovar os fatos surtiram efeito.  

Sem dúvida, não faltam pesquisas perguntando o que as pessoas leem. Porém, elas são tão precisas quanto as lembranças enganosas dos entrevistados e estão sujeitas à definição maleável de "falso". O termo "notícias falsas" em si passou a servir a tudo, empregado pelo presidente e outros políticos americanos para ridicularizar o jornalismo do qual não gostam.  

Agora, no entanto, chegaram os primeiros dados objetivos sobre o consumo de notícias falsas. Há poucos dias, pesquisadores publicaram uma análise sobre as histórias navegadas por milhares de adultos durante os preparativos da eleição de 2016 nos Estados Unidos – um panorama em tempo real de quem viu quais notícias falsas e quais fatos verdadeiros eram acessados ao mesmo tempo pelas mesmas pessoas. 

O estudo constatou que o alcance das notícias falsas foi realmente amplo, ainda que raso. Vinte e cinco por cento dos norte-americanos viram pelo menos um boato, mas mesmo os mais ávidos leitores desse tipo de matéria – os eleitores conservadores do presidente Donald Trump – consumiram muito mais as verdadeiras, em sites de jornais, redes noticiosas e de outras fontes digitais.  

Embora a pesquisa não consiga resolver a questão de se a desinformação foi um fator central na eleição de 2016, a descoberta pode dar ao público e aos pesquisadores o primeiro guia sólido a perguntar como sua influência foi exercida. Essa questão vai se tornar cada vez mais importante à medida que gigantes on-line como Facebook e Google passem a defender seus usuários da influência de agentes russos e de outros malfeitores da web.

Análise

"Existiu muita especulação sobre o efeito das notícias falsas e diversos números foram citados fora do contexto, o que atormentou as pessoas", afirma Duncan Watts, cientista pesquisador da Microsoft para quem a desinformação teve efeito desprezível no resultado das eleições. "O bom nesse estudo é ele se concentrar nos leitores desse tipo de notícias."  

No novo estudo, um trio de cientistas políticos – Brendan Nyhan, da Faculdade Dartmouth e colaborador regular da seção Upshot do New York Times, Andrew Guess, da Universidade Princeton, e Jason Reifler, da Universidade de Exeter, Inglaterra – analisaram o tráfego da internet coletado a partir de uma amostra representativa de 2.525 americanos que concordaram em ter sua atividade on-line monitorada anonimamente pela empresa de pesquisa e análise YouGov.  

Os dados incluíram visitas a sites feitas nas semanas anteriores e posteriores à eleição de 2016, e uma avaliação da tendência partidária baseada nos hábitos de navegação; a grande maioria dos participantes preferia Trump ou Hillary Clinton.  

A equipe definiu um site como falso caso publicasse pelo menos duas matérias que pudessem ser comprovadamente falsas, de acordo com os critérios dos economistas Hunt Allcott e Matthew Gentzkow, estabelecidos em pesquisa publicada no ano passado. Em 289 desses sites, cerca de 80 por cento dos boatos apoiavam Trump.  

O comportamento on-line dos participantes era o esperado em alguns sentidos, mas, foi uma surpresa em outros. O consumo se dividiu entre as linhas partidárias: os dez por cento mais conservadores da amostra responderam por quase 65 por cento das visitas aos sites de notícias falsas.  

Os usuários favoráveis a Trump apresentavam probabilidade quase três vezes maior de visitar sites de notícias falsas que apoiassem sua candidatura do que os eleitores de Clinton em visitar endereços boateiros que a promovessem.  

Mesmo assim, histórias mentirosas somaram apenas uma pequena fração da visitação geral de notícias, independentemente da preferência política: somente um por cento entre os eleitores de Clinton e seis por cento entre os que preferiam Trump. Militantes conservadores viam apenas cinco notícias falsas, em média, ao longo de mais de cinco semanas.  

Não havia forma de determinar, a partir dos dados, o quanto – ou se – as pessoas acreditavam no que viam nesses sites. Entretanto, muitos deles eram claramente absurdos, como um acusando Clinton de "transferência repentina de US$ 1,8 bilhão ao Banco Central do Catar", ou a matéria intitulada "Vídeo mostrando Bill Clinton com garota de 13 anos mergulha disputa em caos".  

"Com todo esse alarde em torno das notícias falsas, é importante reconhecer que isso só atingiu um subconjunto de norte-americanos, e a maioria de seus leitores já era de militantes intensos", diz Nyhan.  

"Eles já eram consumidores vorazes da cobertura dos acontecimentos. São pessoas intensamente engajadas em política e que acompanhavam os fatos de perto", acrescentou.  

Influência

Segundo Watts, diante da proporção de verdade e ficção, a influência das notícias falsas não é nada em comparação com a cobertura dos grandes veículos, principalmente as reportagens sobre Clinton e o fato de ela ter usado um servidor particular de e-mail enquanto secretária de Estado. A cobertura desse assunto apareceu repetidas vezes e com destaque em jornais como The New York Times e The Washington Post.  

De acordo com David Rand, professor adjunto de Psicologia, Economia e Administração da Universidade de Yale, o novo estudo não exclui a possibilidade de as notícias falsas afetarem as eleições.  

Norte-americanos com mais de 60 anos apresentavam probabilidade muito maior de visitar um site de boatos do que pessoas mais jovens, constatou o novo estudo. De forma talvez desconcertante, eleitores com tendência levemente à esquerda viam mais boatos a favor de Trump do que os a favor de Clinton.  

Para Rand, uma interpretação dessa descoberta pode ser que os eleitores mais velhos e com menor instrução, que mudaram do presidente Barack Obama, em 2012, para Trump, em 2016, fossem particularmente suscetíveis aos boatos.  

"Pode-se ver onde isso teria um impacto em alguns dos estados indecisos, como Wisconsin. Todavia, isso é conjectura, uma hipótese reversa a partir das conclusões", afirma Rand.  

O estudo constatou que o Facebook era de longe a plataforma por meio da qual mais pessoas chegaram a um site boateiro. No ano passado, em resposta às críticas, a empresa começou a marcar reportagens em seu site que investigadores independentes concluíram ser falsas com o rótulo vermelho "questionável".  

Muitas pessoas do estudo encontraram pelo menos algumas dessas advertências, mas "não vimos exemplos de pessoas lendo um boato e uma investigação daquela reportagem em si. Os sites que investigam a veracidade têm um problema de direcionamento", diz Nyhan.  

Em dezembro, o Facebook anunciou uma mudança na abordagem de monitoramento. Em vez de rotular as histórias falsas, ele as apresentará ao lado de uma averiguação dos fatos no feed de notícias do usuário.  

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