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Foto tirada em 3 de maio de 2011, em Bruxelas, mostra várias capas de jornais belgas informando a morte do líder da Al Qaeda, Osama Bin Laden. Osama bin Laden foi morto a tiros no Paquistão por soldados americanos no dia 1 de maio de 2011, encerrando uma caçada de dez anos pelo autor intelectual dos ataques de 11 de setembro | BRUNO FAHY/AFP
Foto tirada em 3 de maio de 2011, em Bruxelas, mostra várias capas de jornais belgas informando a morte do líder da Al Qaeda, Osama Bin Laden. Osama bin Laden foi morto a tiros no Paquistão por soldados americanos no dia 1 de maio de 2011, encerrando uma caçada de dez anos pelo autor intelectual dos ataques de 11 de setembro| Foto: BRUNO FAHY/AFP

O atentado terrorista ocorrido em Barcelona, na Espanha, no último dia 17 agosto, no qual 13 pessoas morreram e mais de 100 ficaram feridas, foi, somente este ano, o quinto atentado em que os autores utilizaram o atropelamento como forma de ataque às vítimas. Com a intensificação dos países europeus nos procedimentos de vigilância e de segurança, bem como no controle de armas, os terroristas vêm diversificando suas táticas de operação. 

Para dificultar a previsão das autoridades, buscam utilizar instrumentos de uso comum, como veículos por exemplo, como forma de dificultar as medidas de antecipação por parte das forças policiais e de segurança. Por conta disso, a tarefa de conter eventuais ataques terroristas se torna um desafio ainda mais difícil de ser enfrentado.

Ação contra o terror deve ir além ofensiva militar 

Um atendado que já dura três anos

Mapa do terrorismo mundial

O terrorismo é hoje a principal preocupação dos cidadãos europeus e americanos. Uma pesquisa realizada em janeiro pelo Centro de Pesquisas Pew mostrou que 76% dos americanos consideram o enfrentamento ao terrorismo como prioritário no país em termos de políticas públicas, à frente de temas como economia, educação, emprego ou o preço da assistência à saúde. 

Na Europa, uma pesquisa semelhante conduzida pelo Parlamento Europeu também colocou o terrorismo como principal questão a ser enfrentada, com índice de preocupação superior a questões como desemprego, fraude fiscal e migração. 

Em termos estatísticos, a chance de uma pessoa morrer nos Estados Unidos vítima de uma ação terrorista, segundo a Base de Dados Global sobre Terrorismo da Universidade de Maryland, é baixíssima: 1 a cada 3,7 milhões. Mais americanos morrem de calor, em acidentes esportivos ou por conta de consumo de produtos estragados do que de eventos relacionados ao terrorismo. A causa de morte mais comum nos EUA é o câncer, que tem dez mil vezes mais chances de vitimar um cidadão americano do que um ataque terrorista. 

Mas a realidade objetiva das estatísticas não desfaz o medo construído pelo imaginário das pessoas. Para o pesquisador canadense Graeme Wood, autor do livro “A Guerra do Fim dos Tempos” (The Way of the Strangers, na edição original em inglês), que traz um relato das estratégias de ação, de convencimento e de interpretação religiosa feitas pelo grupo terrorista Estado Islâmico, o medo desproporcional ao custo humano real representa uma vitória da propaganda do terror

Para Wood, em que pese o fato de que seu maior objetivo seja construir um estado soberano, um califado jihadista no Oriente Médio, o Estado Islâmico, também conhecido pelos acrônimos em inglês ISIS ou em árabe Daesh, realiza ataques em países estrangeiros com o intuito específico de chamar a atenção da mídia global e, assim, fazer propaganda de suas posições ideológicas. Com os atentados, consegue manter uma atenção permanente no mundo todo, o que contribui, inclusive, para atrair adeptos para suas fileiras, especialmente entre os jovens. 

Estado Islâmico e Al Qaeda 

Na avaliação de Audrey Kurth Cronin, professora de Relações Internacionais da Universidade Americana de Washington, em termos de estratégia de propaganda, o Estado Islâmico é muito mais eficaz do que a Al Qaeda, a organização de Osama bin Laden, mentor do maior atentado terrorista da História, o ataque de 11 de Setembro em 2001, que matou 3 mil pessoas e feriu outras 6 mil. Segundo Cronin, os líderes da Al Qaeda tentam se mostrar como guerreiros ascetas, sentados em cavernas, estudando em bibliotecas ou se refugiando em acampamentos remotos. 

Sua visão de mundo é de longo prazo, quase utópica: o estabelecimento de um califado que englobe toda a ummah, como é chamada a comunidade muçulmana global, de estrita retidão religiosa, na qual não há espaço para desvios mundanos por parte de seus integrantes, como o consumo de álcool ou o sexo antes ou fora do casamento. 

Em contraste, a estratégia de cooptação do Estado Islâmico é diferente. Ela não se baseia somente nos preceitos de correção religiosa, mas inclui também a oferta de oportunidades de aventura, de poder pessoal e um senso de orgulho e de pertencimento de grupo. O Estado Islâmico tem uma atuação principalmente urbana e oferece a oportunidade para novos membros entrarem em combate quase imediatamente após aderir ao grupo. 

Também se oferecem aos homens parceiras sexuais – via de regra por meio da coerção ou mesmo por meio de situações de escravidão. “Em resumo, o Estado Islâmico oferece recompensas primitivas e imediatas”, diz Cronin. “Mesmo aqueles que se juntam ao grupo pelo simples desejo de matar são aceitos: a violência do Estado Islâmico atrai a atenção, demonstra uma aura de força e de dominação e coloca as pessoas em ação”, completa. 

De alguma maneira, essas recompensas imediatas de força, de micro poderes e de senso de pertencimento são estratégias de cooptação semelhantes às utilizadas pelo crime organizado, como ocorre também no Brasil. 

Na análise da professora Cronin, autora do livro How Terrorism Ends (ainda sem edição em português), os países do Ocidente, principalmente os Estados Unidos, obtiveram razoável sucesso em enfrentar Al Qaeda (inclusive com a operação que resultou na morte de Osama bin Laden), mas tem tido dificuldades em enfrentar o terrorismo praticado pelo Estado Islâmico, na visão dela, justamente por causa diferenças entre os dois grupos. 

De acordo com Cronin, a Al Qaeda tem seus membros dispersos, não controla um território, não tem fonte fixa de financiamento e não tem poder para um enfretamento direto contra um exército. Essas características foram referência para o estabelecimento de um sofisticado sistema de resposta ao terrorismo. De acordo com um levantamento feito em 2010 pelo jornal The Washington Post, depois do 11 de Setembro, nos Estados Unidos, pelo menos 263 órgãos ou entidades governamentais foram criados ou reformulados para agir no combate ao terrorismo. Juntas, essas unidades produzem pelo menos 50 mil relatórios anuais relacionados ao tema. 

Essa estrutura, cara e complexa, permitiu, em grande medida, conter a ameaça da Al Qaeda. Com ações de inteligência, operações militares pontuais e o uso de aeronaves não tripuladas (drones), os Estados Unidos conseguiram identificar e eliminar 75% dos principais líderes Al Qaeda, diminuindo consideravelmente a ameaça que essa organização representa. 

Entretanto, o Estado Islâmico possui caraterísticas distintas. Reúne um exército de pelo menos 30 mil combatentes, controla um território de mais de 65 mil quilômetros quadrados entre o Iraque e a Síria, possui estrutura militar, linhas de comunicação e infraestrutura, além de ser capaz de se autofinanciar por meio da venda de petróleo a partir de postos controlados pela organização. 

“Trata-se de um pseudoestado baseado em um exército convencional. Essa é a razão porque as estratégias de contraterrorismo e de contrainsurgência que foram capazes de diminuir consideravelmente a ameaça da Al Qaeda não funcionarão para a ação contra o ISIS”, analisa Cronin. 

Trump fica na retórica 

Durante sua campanha eleitoral para a presidência dos Estados Unidos, Donald Trump buscou atrair o eleitorado conservador prometendo uma ação mais dura contra o terrorismo. Porém, desde que assumiu a presidência, a política americana contra o terror se manteve praticamente inalterada em relação à de seu antecessor, Barack Obama. 

“A única e fundamental exceção foi a pura retórica antimuçulmana, que não ajuda e atrapalha enormemente a relação dos EUA com seus aliados na região”, diz Cronin. 

Na análise da professora especialista em terrorismo, um ataque de guerra convencional contra o Estado Islâmico não seria uma opção viável para os Estados Unidos no momento. Para ela, após mais de quinze anos de guerra contínua com a presença de tropas americanas no Afeganistão e no Iraque, a opinião pública não apoiaria uma nova intervenção militar direta, tampouco os Estados Unidos teriam recursos para custeá-la. 

Um estudo feito em 2014 por pesquisadores do Instituto para os Estudos da Guerra, com sede em Washington, calculou que uma intervenção militar direta para derrotar o Estado Islâmico necessitaria um efetivo de 25 mil soldados em terra, além de 3.300 aviadores e de 7 mil soldados de forças especiais de reação rápida (quick reaction forces). O estudo também sublinha a necessidade de uma aliança que inclua também sunitas moderados do Iraque e da Síria, uma condição extremamente complicada hoje, especialmente por conta das disputas internas em curso na Guerra da Síria, entre o governo xiita de Bashar al-Assad e os rebeldes sírios sunitas.  

Ação contra o terror deve ir além ofensiva militar

Com as novas formas de atuação do terrorismo mundial, muitos estudiosos se debruçam em busca de uma solução para esse que é considerado o grande mal do novo milênio. Para a professora de Relações Internacionais da Universidade Americana de Washington Cronin Audrey Kurth Cronin, uma estratégia eficiente seria o que chama de “contenção ofensiva”, uma combinação de táticas militares episódicas com uma ampla estratégia diplomática, incluindo aspectos econômicos e políticos. 

A mesma opinião tem a ex-primeira-dama francesa Cécilia Sarkozy, atualmente Cécilia Attias, após o casamento com o judeu marroquino Richard Attias, com quem mantém uma fundação para a defesa dos direitos das mulheres. O casal escreveu um artigo apontando uma estratégia de cinco ações de cunho político, econômico e diplomático para o Ocidente tentar vencer a ameaça terrorista. 

O primeiro aspecto proposto por Attias seria constituir uma coalizão internacional que incluísse uma liderança ativa e consistente dos países árabes, condenando o terrorismo de forma firme e inequívoca, a fim de separar os extremistas da maioria muçulmana. 

O segundo seria um grande esforço por parte das empresas e dos governos de reforçar fortemente a segurança de espaços de grande concentração de pessoas, tais como estádios, aeroportos, estações de transporte público ou centros de convenções. O terceiro seria uma postura positiva por parte dos contribuintes de financiar investimentos em segurança, encarando esse tema de forma semelhante aos serviços essenciais como saúde e educação. 

O quarto ponto seria um esforço por parte das grandes empresas de tecnologia de ajudar, com sua expertise, as autoridades a melhorar os sistemas de comunicação e de inteligência. Por fim, a quinta ação proposta pelo casal Attias seria o estabelecimento de um grande pacto público-privado unindo esforços de todos os países democráticos, em uma espécie de novo Plano Marshall – uma extensa combinação de investimentos públicos e privados que ocorreu após a Segunda Guerra Mundial para recuperar a infraestrutura e a economia dos países envolvidos no conflito. 

Fator coesão social 

O professor de Ciências Políticas Lucas Mafaldo chama a atenção para a importância do grau de coesão social como elemento que exerce influência na escolha pelo caminho de radicalização por parte dos integrantes de grupos terroristas. Para ele, coesão social significa a capacidade de uma sociedade convencer seus membros de que fazem parte de um grande projeto comum e que, apesar de eventuais divergências e perdas individuais, eles ainda se identificam com o mesmo grande grupo. 

De acordo com o professor Mafaldo, são vários os fatores que alimentam a coesão social, desde a existência de um sistema jurídico que proteja igualmente todos os cidadãos até uma economia dinâmica e aberta que multiplique as oportunidades. “Mas há também uma dimensão cultural: cada história nacional foi construída com uma combinação de grandes feitos e de grandes crimes. 

Em certa medida, todo país tem um passado ambíguo atrás de si”, explica. 

“Embora seja importante criticar esse passado com realismo, creio que as instituições de ensino passaram para o extremo antipatriota: toda a alta cultura se tornou autoacusatória, concentrando-se somente nos episódios negativos da própria história. Essa cultura faz com que os jovens não se sintam parte da narrativa nacional e que comecem a procurar outras fontes de integração”, analisa. 

Para Mafaldo, somado à falta de oportunidades econômicas, os jovens se tornam uma plateia cativa para toda sorte de discursos extremistas que proponham uma comunidade política alternativa. Quando eles embarcam nesses discursos, eles deixam de se ver como partes da sociedade política original. “Para conter esse processo, parece ser necessário atuar nessas causas originárias: redinamizar a economia, criar políticas de integração social, mas também oferecer uma resposta cultural: criar uma narrativa comum que aproxime os diversos grupos sociais de uma mesma comunidade política”. 

Ataque à democracia 

De acordo com os especialistas, são muitas as causas que tornam extremamente difícil e delicada a tarefa de combater o terrorismo. São aspectos políticos, econômicos, sociais e culturais que colocam o enfrentamento ao terror no centro das prioridades enfrentadas pelas democracias liberais do Ocidente. A estratégia terrorista, além do terrível dano imediato às vítimas e às pessoas próximas a elas, tem como efeito de “cauda longa” um ataque indireto aos pilares da democracia, principalmente à liberdade. 

Uma das maiores conquistas das sociedades contemporâneas desenvolvidas, de viver em paz e tranquilidade em seus territórios, pode ser destruída pela ameaça permanente que o terrorismo causa à sociedade, transformando o viver cotidiano das pessoas. A questão do terrorismo deve ser enfrentada com inteligência e firmeza, mas não com base no medo, pois isso representaria uma derrota dos princípios de liberdade que são estruturais para as democracias ocidentais. 

Um atendado que já dura três anos

Ataques terroristas agudos, realizados em cidades europeias e que atingem a muitas pessoas ao mesmo tempo, ganham sempre imediata atenção, mobilizando – acertadamente – apoio internacional no mundo todo. Mas há casos de terror igualmente impactantes, mas silenciosos, que acabam, sem razão, sendo deixados em segundo plano pela comunidade internacional. 

Um dos exemplos é o sequestro de 276 adolescentes nigerianas, entre 12 e 17 anos, capturadas no dia 13 de abril de 2014 pelo Boko Haram, grupo terrorista que há oito anos declarou a guerra à educação ocidental e ao governo nigeriano. As meninas foram capturadas em conjunto quando estavam fazendo provas em uma escola de Chibok, localidade no nordeste do país. Em um primeiro momento, 57 delas conseguiram escapar, mas as demais foram levadas pelos sequestradores. 

Uma campanha global com o lema #BringBackOurGirls tentou mobilizar a comunidade internacional, envolvendo inclusive a então primeira-dama dos Estados Unidos Michelle Obama. Mesmo assim, o caso não ganhou prioridade na agenda político-militar do Ocidente. Somente dois anos e meio depois do sequestro, as primeiras 21 meninas foram libertadas, em outubro de 2016, após uma negociação entre o governo nigeriano e os terroristas. Outras três meninas foram localizadas e devolvidas a suas famílias depois de uma operação militar em dezembro passado. 

Durante o longo cativeiro, muitas adolescentes foram casadas à força com seus captores e violadas ou abusadas sexualmente – várias ficaram grávidas e tiveram bebês. Há suspeitas que algumas delas tenham sido vendidas em redes de tráfico de pessoas em países vizinhos, como Chade e Camarões. 

Em maio deste ano, 82 meninas foram libertadas em uma troca feita pelo governo da Nigéria por prisioneiros do Boko Haram. Mas ainda são 113 meninas presas há mais de três anos – um longo atentado à humanidade, que deveria ser tratado como prioridade pela comunidade internacional.

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