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Cena do vídeo misógino feito pelo grupo Porta dos Fundos
Cena do vídeo misógino feito pelo grupo Porta dos Fundos| Foto: Reprodução

Feminismo é um termo ambíguo, pois designa duas coisas opostas: o movimento por igualdade de direitos entre homens e mulheres, e o movimento de reação, em defesa da infantilização das mulheres. Um feminismo é representado pelo direito ao voto das mulheres; o outro, por cotas para mulheres, tidas como café com leite no jogo da democracia. Se fôssemos usar o primeiro sentido de “feminismo” para dividir o mundo em países machistas e feministas, poderíamos dizer que todo o Ocidente é feminista, e que países como o Irã, a Arábia Saudita e o Paquistão são países machistas. O Brasil certamente não é um país machista.

Disso não se segue, porém, que em nosso país inexistam indivíduos machistas, prontos para infantilizar as mulheres e querer mandar nelas. Um exemplo retumbante disso acaba de ser dado pelo Porta dos Fundos: inconformado com o fato de Curitiba ter dado mais votos a uma mulher de direita do que a qualquer outro candidato a vereador, um autodeclarado humorista fez um vídeo chamando-a de prostituta. Nessa peça de humor duvidoso, a candidata é apresentada como tendo participado de uma casa de swing, seduzido o dono do partido, tirado nudes e mandado para todo mundo. Isso explicaria a sua votação em primeiro lugar, e ela estava feliz por existir uma bolsa prostituta na Câmara.

Primeiro achei que fosse alusão a algum escândalo real. Mas não era. Depois fui olhar se ela tinha o estilo da “Milena Tudo Pelo Esporte”, uma candidata lendária de Salvador, que tirava umas fotos parecendo dançarina do Tchan. Não tinha: os curitibanos elegeram uma mulher de aspecto comum, um tipo que poderíamos encontrar na padaria. (E ainda por cima, parda. Se fosse do PSOL, gritava com todo mundo e dava carteirada, dizendo que era negra.) Não havia absolutamente nada na figura dela que remetesse a uma erotização deliberada.

Eu não imagino um vídeo assim sendo feito há dez anos, ou há cinco anos. Dilma e Marina foram alvos de um sem número de piadas, mas nunca foram simplesmente chamadas de prostitutas pelo mero fato de serem mulheres sob os holofotes da política. Acho que nem Zélia Cardoso de Mello recebeu tratamento tão misógino.

Por que eles fizeram isso?

Ela só recebeu esse tratamento porque é de direita. Eu tenho a teoria de que a esquerda faz tanto sucesso porque funciona como uma espécie de fiadora moral inesgotável, uma fonte de virtude grátis. Para um indivíduo se considerar bondoso, basta se dizer de esquerda. Não precisa fazer nada. Um cristão normal se batiza, mas não vai direto pro céu; tem que se esforçar para ser bom. O esquerdista, não: basta sinalizar o pertencimento “lado certo da História”, e é bom.

Uma vez introduzida nessa moral, a pessoa fica viciada. Com a internet, agora se dedica a editar a própria vida nas redes sociais, e se exibir como virtuoso. É uma virtude tão barata, tão débil, que se ganha com a hashtag do momento, ou com o textão emitindo opinião previsível. Na verdade, essa virtude não é mais que ostentação de conformismo.

Uma pessoa dessa, uma conformista que queria se achar boa enquanto era roubada pela Odebrecht e pelo PT, vê Curitiba como a abominável capital da Lava Jato. Em Curitiba todo mundo é direitista; logo, mau como um pica-pau. Todo direitista é mau porque é racista, machista e homofóbico. Aí Curitiba vai e faz de uma mulher a vereadora mais votada. Não só uma mulher, como uma mulher de direita. Que tal?

Se ele não tiver como destruir essa mulher, vai ter que aceitar que é só um idiota que passa os dias falando abobrinha. Então chama de prostituta, e ataca-a com essa virulência toda. Precisa atacá-la para salvar o seu castelinho de ilusão.

Ao cabo, a esquerda se sente dona das mulheres, dos negros e dos gays, mas ninguém é dono de ninguém, no Brasil, desde 13 de maio de 1888. Daí resulta que a esquerda, sim, é machista, racista e homofóbica. “Vai, mulher, sê de esquerda!”, diz ela, com chicotinho na mão. Eu, não!

O povo não é santarrão

Caso houvesse nudes vazados, como isso faria de uma mulher uma prostituta? Prostituição é receber por sexo. Existem mil situações diferentes de prostituição que podem resultar em nudes vazados: um tarado fotografando escondido, um computador roubado, um ex-namorado vingativo…

Também é engraçado que só os progressistas ataquem os candidatos em função de sua moral privada. A direita já elegeu até ator pornô aposentado! Bolsonaro se apega à bandeira da família sem que tenha, por isso, de esconder divórcios pretéritos nem filho fora de casamento. Se há alguém que faz campanha alardeando casamento de décadas e família de comercial de margarina, esse alguém é Fernando Haddad!

Valorizar a família não significa ser um santarrão que policia a vida sexual pretérita e presente de todos. Primeiro, “família” no Brasil tem um significado mais lato do que a família nuclear. “Família” são aqueles parentes que se reúnem nos finais de semana para uma feijoada ou um churrasco. É, antes de tudo, uma teia social. Comporta agregados, transmite valores e é solidária. Uma mãe solteira valoriza a família, e o conservador brasileiro entende muito bem isso: a criança vai ter mãe, avós, tios e primos velando por ela.

Quando o povo fala de destruição da família, costuma ter em mente as drogas. O drogado quebra essa teia, pois pode até matar a mãe por dinheiro. Nosso povo não é hostil com mães solteiras, nem com mulherengos. As crianças são acomodadas por essa grande teia social que é a família, e a bastardia não é tabu entre nós. Se bastardo é xingamento grave na Itália, no Brasil temos um bastardo como ilustre fundador da primeira cidade: Tomé de Souza.

O linchamento que não veremos

Pela mesma razão que a mulher bem sucedida de direita tem que ser aniquilada, os esquerdistas nunca lincharão o mau humorista: eles precisam acreditar que o inferno são os outros. Todo esquerdista é bom, porque esquerdismo é sinônimo de bondade. Se há um esquerdista mau, todo o castelo se erode.

Não deixa de ser uma tática miliciana, também. Já que a adesão ao progressismo implica um seguro contra o Sleeping Giants, recusá-la torna-se um ato de coragem. De minha parte, acho que a frase mais misógina que ouvi saiu da boca de Zé de Abreu: “Vagina não transforma uma mulher em um ser humano”.

Parece coisa de nazista. Como alguém pode pensar que uma mulher (ou um homem!) não é um ser humano? Não obstante, não tive notícias de contratos cancelados, nem de pedido de desculpas. Já Rodrigo Constantino, que se expressou mal e pediu desculpas, tem que perder todos os empregos, nem que seja necessário fechar esta Gazeta para isso.

Que fique tudo às claras, portanto: é achaque, não é humanismo. E é preciso resistir ao achaque, sob pena de sermos engolidos por ele.

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