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Imagens de galáxias diferentes adornam uma parede no Instituto Max Planck de Física Extraterrestre em Garching, perto de Munique. Algo muito grande e escuro ocupa o centro de nossa galáxia, e novos dados sugerem que é de fato um buraco negro | KSENIA KULESHOVA/NYT
Imagens de galáxias diferentes adornam uma parede no Instituto Max Planck de Física Extraterrestre em Garching, perto de Munique. Algo muito grande e escuro ocupa o centro de nossa galáxia, e novos dados sugerem que é de fato um buraco negro| Foto: KSENIA KULESHOVA/NYT

Na região da constelação de Sagitário, uma pequena estrela, conhecida como S2 ou, às vezes, S0-2, navega na beira da eternidade. A cada 16 anos, ela passa dentro de um misterioso objeto cósmico, escuro, que pesa cerca de quatro milhões de sóis, e que ocupa o centro exato da Via Láctea.  

Nas últimas duas décadas, duas equipes de astrônomos, testando algumas das mais estranhas previsões de Albert Einstein sobre o universo, apontaram seus telescópios para a estrela, que fica a 26 mil anos-luz de distância. Com o estudo, esperavam confirmar a existência do que os cientistas acreditam existir um pouco além dela: um buraco negro imenso, um comedor de estrelas que molda galáxias. 

Durante vários meses deste ano, a estrela atingiu a posição mais próxima do centro galáctico, trazendo novas informações sobre o comportamento da gravidade em ambientes extremos, e oferecendo pistas para a natureza do monstro invisível nos confins da Via Láctea.

Uma dessas equipes, em colaboração internacional baseada na Alemanha e no Chile e liderada por Reinhard Genzel, do Instituto Max Planck de Física Extraterrestre, diz ter encontrado a evidência mais forte de que a entidade escura é um buraco negro supermassivo, a sepultura infinita de 4,14 milhões de sóis. 

Essa evidência vem na forma de nuvens de gás que parecem orbitar o centro galáctico. A equipe de Genzel descobriu que elas circulam a cada 45 minutos, completando um circuito de 241.401.600 quilômetros a cerca de 30 por cento da velocidade da luz. Elas estão tão perto do possível buraco negro que, mais um pouco, poderiam cair nele, de acordo com a física clássica de Einstein. 

Os astrofísicos não conseguem imaginar nada além de um buraco negro que pudesse ser tão massivo, e mesmo assim caber dentro de uma órbita tão minúscula. 

Os resultados são um "forte indício" de que a coisa escura em Sagitário é realmente um buraco negro massivo, escreveu o grupo de Genzel em um trabalho publicado com o título Gravity Collaboration, no periódico europeu Astronomy & Astrophysics

"Isso é o mais perto que chegamos de ver a zona imediata em torno de um buraco negro supermassivo com as técnicas diretas e espacialmente resolvidas", disse Genzel em um e-mail. 

O trabalho demonstra algo em que os astrônomos já acreditavam há muito tempo, mas que ainda têm dificuldade para provar rigorosamente: que um buraco negro supermassivo espreita no coração não só da Via Láctea, mas de muitas galáxias observáveis. O centro do carrossel estelar é um lugar onde o espaço e o tempo terminam, e no qual as estrelas podem desaparecer para sempre. 

Os novos dados também ajudam a explicar como esses buracos negros podem causar estragos que são visíveis em todo o universo. Os astrônomos há muito observam quasares (objetos quase estelares) espetaculares e jatos violentos de energia, com milhares de anos-luz de comprimento, irrompendo do centro das galáxias. 

O estudo é um grande triunfo para o Observatório Europeu do Sul, um consórcio multinacional com sede em Munique, e para observatórios no Chile, que fizeram do estudo do S2 e do buraco negro galáctico sua grande prioridade. As instalações da organização incluem o Telescópio Muito Grande, uma série de quatro telescópios gigantes no deserto do Atacama, no Chile (cenário futurista que aparece no filme de James Bond "007 – Quantum of Solace"), e o maior telescópio do mundo, o Telescópio Extremamente Grande, agora em construção em uma montanha próxima. 

A existência de pequenos buracos negros foi confirmada há dois anos, quando o Laser Interferometer Gravitational-Wave Observatory, ou LIGO, detectou ondulações no espaço-tempo causadas pela colisão de um par de buracos negros a um bilhão de anos-luz de distância. Mas esses buracos negros tinham apenas 20 e 30 vezes a massa do sol; o assunto que mais atrai os astrônomos é como as versões supermassivas se comportam.

"Já sabemos que a teoria da gravidade de Einstein está se desgastando", disse Andrea Ghez, professora da Universidade da Califórnia, em Los Angeles. "Qual melhor lugar para procurar suas discrepâncias do que um buraco negro supermassivo?" Ghez é a líder de outra equipe que, como a de Genzel, está sondando o centro galáctico. "O que me atrai no centro galáctico é que você vê a astrofísica extrema", disse ela. 

Vendo no escuro 

Reinhard Genzel, que dirige o Instituto Max Planck de Física Extraterrestre, no Supernova Planetarium do ESO em Garching, perto de Munique, em 10 de setembro de 2018.KSENIA KULESHOVA/NYT

Reinhard Genzel cresceu em Freiburg, na Alemanha, uma pequena cidade na Floresta Negra. Quando jovem, era um dos melhores arremessadores de dardo na Alemanha, chegando até a treinar com a equipe nacional para os Jogos Olímpicos de Munique em 1972. Agora ele está indo mais fundo. 

Genzel se interessou pelas ações do centro galáctico na década de 1980, em seu pós-doutorado na Universidade da Califórnia, em Berkeley, com o físico Charles Townes, laureado com o Nobel e inventor de lasers. "Eu me vejo como um filho mais novo dele", disse em uma recente conversa telefônica. 

Em uma série de observações pioneiras no início de 1980, usando detectores que podem ver radiação infravermelha, ou calor, através da poeira galáctica, Townes, Genzel e seus colegas descobriram que nuvens de gás transitavam pelo centro da Via Láctea tão rapidamente que uma força gravitacional de cerca de quatro milhões de sóis seria necessária para mantê-las em órbita. Mas, o que quer que estivesse lá, não emitia luz. Mesmo os melhores telescópios, a 26 mil anos-luz de distância, só conseguiam mostrar um borrão. 

Dois avanços desde então ajudaram a explicar um pouco o que acontece no núcleo da nossa galáxia. Um deles foi a crescente disponibilidade de detectores de infravermelho na década de 1990, originalmente elaborados para o uso militar. Outro foi o desenvolvimento de técnicas ópticas que poderiam aumentar drasticamente a capacidade de telescópios de ver pequenos detalhes através da compensação da turbulência atmosférica. (Essa turbulência tira o foco das estrelas e as faz brilhar.) 

No centro de energia da galáxia 

Para conduzir essa experiência, os astrônomos precisavam conhecer a órbita da estrela com muita precisão, o que por sua vez exigiu duas décadas de observações com os mais poderosos telescópios da Terra. "Você precisa de 20 anos de dados apenas para chegar a uma conclusão", disse Ghez, que se juntou à batalha em 1995. 

E assim, a corrida rumo à escuridão contava com equipes em dois continentes. Ghez trabalhou com os telescópios Keck, de 10 metros, em Mauna Kea, no Havaí. O grupo de Genzel se beneficiou da conclusão do novíssimo Telescópio Muito Grande do Observatório Europeu do Sul, no Chile. 

A equipe europeia foi auxiliada por um novo dispositivo, um interferômetro chamado Gravity, que combinou a luz do conjunto de quatro telescópios. Projetado por um grande consórcio liderado por Frank Eisenhauer, do Instituto Max Planck, o instrumento permitiu que os telescópios alcançassem a resolução de um único espelho de 130 metros de diâmetro. (O nome originalmente era um acrônimo para uma longa frase que incluía palavras como "geral", "relatividade" e "interferometria", explicou Eisenhauer em um e-mail.) 

"De repente, podíamos ver mil vezes mais do que antes", disse Genzel em 2016, quando o instrumento entrou em operação. Além disso, eles poderiam rastrear os movimentos da estrela S2 dia a dia. 

Enquanto isso, Ghez analisava os espectros de luz da estrela para determinar as mudanças de sua velocidade. As duas equipes competiam, usando telescópios maiores e mais sofisticados, e determinando as características da S2. Em 2012, Genzel e Ghez compartilharam o Prêmio Crafoord de astronomia, quase tão importante quanto o Nobel. Os acontecimentos atingiram um ápice neste ano, durante um período de seis meses em que a S2 fez sua maior aproximação do buraco negro. 

"Houve muita emoção em meados de abril, quando recebemos um sinal e começamos a obter informações", disse Ghez. 

Em 26 de julho, Genzel e Eisenhauer realizaram uma coletiva de imprensa em Munique para anunciar que haviam medido o elusivo desvio para o vermelho gravitacional. Quando Eisenhauer exibiu suas medidas, que combinavam com uma curva de resultados esperados, houve aplausos na plateia. 

"O caminho está aberto para a física do buraco negro", afirmou Eisenhauer. 

Em um email um mês mais tarde, Genzel explicou que detectar o desvio para o vermelho gravitacional era somente a primeira etapa: "Em geral, sou uma pessoa razoavelmente sóbria, às vezes pessimista. Mas você pode perceber minha emoção ao escrever essas frases, graças a esses resultados maravilhosos. Como sou cientista (e tenho 66 anos), posso dizer que raramente se ouve fases tão produtivas. Carpe Diem!". 

No início de outubro, Ghez, que esperava observar mais uma fase da trajetória da estrela, disse que sua equipe logo iria publicar seus resultados. 

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