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“Parasita” não se restringe ao discurso superficialmente anticapitalista e à luta de classes. O filme é sobretudo uma reflexão sobre a natureza humana.
“Parasita” não se restringe ao discurso superficialmente anticapitalista e à luta de classes. O filme é sobretudo uma reflexão sobre a natureza humana.| Foto: Divulgação

O filme Parasita, do diretor Bong Joon Ho, foi o nome da noite do Oscar. Ele venceu quatro Oscars, incluindo o de Melhor Filme e Melhor Direção, e está sendo apontado como um filme que denuncia mazelas sociais do capitalismo e sua consequente desigualdade social.

Uma das personalidades a apontar isso foi a diretora de Democracia em Vertigem, Petra Costa, que perdeu o Oscar de melhor documentário para Indústria Americana. Ela comentou o sucesso de Parasita comemorou a vitória em seu perfil no Twitter: “Dia histórico para o cinema internacional. Viva Parasita, sua crítica social e seu humor genial”.

Parte da crítica também analisa Parasita como uma crítica anticapitalista. No New York Times, por exemplo, o filme foi descrito como um conflito entre “os que têm e os que não têm”, além de pormenorizar o golpe da família menos abastada como uma vingança contra uma sociedade injusta.

Os ricos do filme foram avaliados pela Forbes como pessoas que dependem do trabalho de uma classe marginalizada, além de serem alienados que não fazem questão de se misturarem.

Quando jovem, o Diretor Bong Joon-ho militou em um partido socialista. Em obras anteriores, como Expresso do Amanhã (2013) e Okja (2017), já estavam presentes metáforas e críticas ao capitalismo. Mas Parasita vai muito além.

Afirmar que o filme é uma “crítica à desigualdade de riqueza” e ao capitalismo, neoliberalismo e outros “ismos” é negligenciar diversos contextos do filme e manter o nível de análise da película apenas até a página 2.

Uma reflexão sobre a natureza humana

Em Parasita, a família Kim mora com dificuldades em um semiporão na periferia de Seul e vê uma oportunidade de ascender socialmente ao aplicar diversos golpes na abastada família Park.

A vulnerabilidade social deles é contrastada com a segurança, conforto e luxo da família Park.

Mas o filme não sugere que os ricos são culpados pelas mazelas da Humanidade, como Karl Marx afirma ao defender a teoria do valor do trabalho, cuja consequência lógica seria a de que a economia é um jogo de soma zero no qual, para que alguém enriqueceça, outro precisa ser explorado. A própria melhoria de vida e condições da família Kim já mostra como as relações de trabalho não são de exploração, e sim de cooperação.

O filme está sujeito a diversas interpretações, mas há muito mais camadas além da ideia dicotômica da luta de classes, na qual a pobreza da família Kim seria resultado da riqueza da família Park.

No filme sul-coreano, não há vilões ou heróis. Em maior ou menor grau, todos os personagens têm ações, posturas e falas moralmente contestáveis. O filme não é uma crítica a uma sociedade de classes, mas à própria natureza humana.

Os integrantes da família Kim não são bonzinhos. Eles conspiram para que outras pessoas percam seus empregos a fim de que possam abrir vagas para seus familiares, não se importam em arruinar a vida de diversas famílias e  praticam até homicídios. Quando se veem em uma situação um pouco melhor do que a no início do filme, eles se mostram soberbos ao negarem ajuda à família da ex-governanta, cujas dificuldades aumentaram justamente por causa das ações deles.

A ex-governanta também parasitava a família Park. Quando descoberta, ela pede ajuda e até oferece dinheiro em busca de um acordo e de ajuda, mas é esnobada e ameaçada pela matriarca da família Kim. Logo em seguida, porém, ela obtém registros comprometedores da família Kim e passa a chantageá-los, humilhá-los e torturá-los.

Já os ricos da família Park se mostram alheios às condições dos pobres, demonstrando negligência e falta de preocupação. Não apenas isso; eles fazem questão de se afastar. O patriarca mantém distanciamento, elogiando os funcionários por não “cruzarem a linha”. O preconceito demonstrado é tamanho que até o filho mais novo da família, com a ingenuidade típica de uma criança de 5 anos, repara no “cheiro” deles, algo que o patriarca dos Park posteriormente confessa não suportar.

Ele também parece viver um jogo de aparências. Ao ser perguntado se ama sua esposa, titubeia e não convence. Quando há a confusão na festa de aniversário do filho, o pai não se importa com outros feridos além de sua própria família.

Já sua esposa alienada elogia a chuva da noite anterior para o motorista, que perdeu diversos bem na inundação e teve de dormir com a família em um abrigo.

Mas calma. Eles não são ricos malvadões estereotipados e que tratam os funcionários com chicotes nas mãos. Eles não os exploram. Os Park fazem questão de pagar bons salários aos funcionários, remuneram hora-extra e se preocupam até mesmo em reajustar os salários pela inflação que na Coreia do Sul, bem diferente do Brasil, foi de 0,38% em 2019.

Muito mais do que a frívola ideia de família pobre e virtuosa de um lado contra a família rica e malvadona do outro, Bong Joon-ho mostra que ninguém ali é superior. Ao mostrar atitudes moralmente contestáveis de ambos os lados, o filme sugere que, se os personagens trocassem de classe social, teriam o mesmo comportamento.

"Entre as metáforas presentes há associações dos pobres com os insetos, desde as cenas de dedetização até a maneira como os Kim se movimentam quando estão prestes a serem pegos pelos Park. Ao espectador cabe definir se eles são adaptáveis, batalhadores e resilientes ou asquerosos, inconsequentes e indesejáveis. A obra de Bong não é um panfleto ideológico, mas sim um fórum", analisou o crítico Pedro Sant'Anna.

A politização do Oscar

Primeiro filme em língua não inglesa a vencer o Oscar, Parasita se destacou por uma campanha intensa após ganhar notoriedade em vários festivais e ser bem avaliado pela crítica. A distribuidora do filme foi responsável pelo maior número de seções fechadas em 2019. O próprio diretor Bong Joon Ho se mudou para Los Angeles a fim de fazer campanha, esteve em todas as premiações em busca de visibilidade e incentivou as pessoas a assistir ao filme.

Não é de hoje que o Oscar passou a ser visto não mais como um evento para reconhecer o mérito artístico dos envolvidos, e sim como ferramenta de promoção de diversas pautas políticas, sobretudo entre os filiados ao Partido Democrata.

Em vez do entretenimento a serviço da arte, a arte passou a ser vista como agente transformadora. As produções e os atores passaram a querer endossar uma pauta e os integrantes da Academia passaram a ser vistos como intelectuais e representantes de causas minoritárias.

O discurso de Joaquim Phoenix ao receber a estatueta de melhor ator por Coringa é um sinal do que vem se tornando a cerimônia. Ele não fez questão de falar de seu filme e se ateve a militar pelo direito de minorias como mulheres, negros, LGBTs, indígenas e animais.

A arte não é indissociável da política - e nem precisa ser. Mas definir Parasita como uma mera crítica ao capitalismo diz muito mais sobre quem ignora diversos outros aspectos e contextos apontados pela obra sul-coreana.

Conteúdo editado por:Paulo Polzonoff Jr.
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