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Roma Antiga: Elefantes mortos no anfiteatro - Gravura colorida de Heinrich Leutemann
Roma Antiga: Elefantes mortos no anfiteatro – Gravura colorida de Heinrich Leutemann (1824-1905)| Foto: Reprodução

Eduardo Bolsonaro indicado para ocupar a Embaixada do Brasil nos Estados Unidos. Helicóptero presidencial sendo usado para transportar os convidados do casamento do filho (coincidentemente, o mesmo Eduardo Bolsonaro). E agora mesmo, enquanto escrevo estas linhas, fico sabendo que Bolsonaro, ao se referir à morte do pai do presidente da OAB, desaparecido durante a ditadura militar, foi no mínimo indelicado.

Essas e outras tantas gafes pontuaram o noticiário nos últimos sete meses da administração Bolsonaro. Mesmo se descontarmos as muitas manchetes distorcidas e toda a má vontade daqueles escalados para noticiar, repercutir e analisar as falas do Presidente, me parece mais do que razoável pensar que as gafes, menos pela quantidade e mais pela gravidade, incomodam aqueles que esperam bom-senso do Chefe de Estado.

O que nos traz, ou melhor, leva à Roma Antiga retratada magistralmente por Mary Beard em 'The Roman Triumph' [O triunfo romano]. Reza a lenda, que Beard questiona com propriedade, que os militares romanos, ao voltarem vitoriosos dos campos de batalha, desfilavam por Roma tendo ao seu lado um homem, talvez um escravo, cuja única função era lhe sussurrar: “Lembre-se de que você também é mortal”.

Beard diz que esses rituais eram fundamentais para a vida dos romanos, porque justificavam positivamente todos os sacrifícios pelos quais os cidadãos tinham de passar a fim de financiar os conflitos.

Os conflitos cotidianos de Jair Bolsonaro contra, sei lá, o cinema brasileiro, os radares nas estradas e até mesmo contra a própria história recente do Brasil, assim como sua defesa enfática do comportamento dos filhos em situações controversas nos permitem fazer um paralelo bem claro e simples com o ritual do Triunfo romano. Jair Bolsonaro foi esfaqueado durante a campanha eleitoral de 2018 e, contra todas as apostas, gastando apenas um milhão de reais, foi eleito presidente por quase 60 milhões de eleitores – e isso talvez lhe dê a impressão de ser triunfante para além de qualquer limite terreno. Não é.

No rol dos muitos servidores públicos que atendem ao excelentíssimo Presidente da República, pois, talvez devesse existir um Conselheiro Especial para Questões de Mortalidade, com salário de ministro de Estado, só para lhe sussurrar no ouvido que ele também é mortal, que cabe a ele, Jair Bolsonaro, do alto de seus 64 anos, decidir se quer ser lembrado como pai superprotetor e proponente de medidas banais ou se pretende deixar um legado digno de um arco ou obelisco.

Outro episódio, este relatado por Michael Parenti em 'Bread and Circuses' [Pão e circos], bem que poderia servir de aviso a Jair Bolsonaro e sua incansável necessidade de agradar aqueles que o têm por mito. O cônsul Pompeu também tinha essa preocupação, ou melhor, essa verdadeira obsessão por agradar seus súditos. Eis que um dia ele teve uma ideia genial e, sem nenhum assessor corajoso o suficiente para contrariá-lo, decidiu sacrificar uma dúzia de elefantes num teatro dedicado às batalhas de gladiadores.

Pompeu acreditava que saciaria os cidadãos romanos com o sangue dos animais. Mas o que aconteceu foi justamente o contrário. Ao entrarem no “estádio” a fim de assistirem à carnificina, os romanos ficaram absolutamente aterrorizados com a brutalidade daquilo. E começaram a chorar e a exigir o fim do espetáculo. E se viraram para Pompeu, todo pomposo em seu lugar de honra, xingando-o. Pompeu, que por sinal era general, foi herói por um tempo. Plutarco o retratou como homem puro, destruído pelo entorno corrompido. Nada disso impediu que ele tivesse de se refugiar no Egito e acabasse traído e assassinado.

Há muitas outras boas lições que a Antiguidade poderia dar não só a Jair Bolsonaro, mas a todos os que almejam um dia ocupar cargos de poder. Mas, se ele estivesse interessando em ouvir algo além do “Lembre-se de que você também é mortal” sussurrado por um escravo, poderia, quem sabe, se sensibilizar com o drama do rei Lear na peça homônima de William Shakespeare. Em sua arrogância soberana, Lear cede à vaidade e, na hora de dividir seu reino entre as três filhas, prefere as duas que o bajulam àquela que se recusa a ser puxa-saco. O que se segue a isso é uma das mais belas tragédias da história da literatura — mas ainda assim uma tragédia.

O triunfo eleitoral de Jair Bolsonaro, por mais recente e deslumbrante que tenha sido e por mais que tenha canalizado os desejos de quase 60 milhões de pessoas, é inerentemente transitório. Um dos erros de seus antecessores, Lula e Dilma, foi justamente o fato de se acharem imortais, de se considerarem acima dessa coisa difícil de se definir, o tal do “decoro do cargo”, de não se importarem com o peso histórico das instituições que chefiavam e personificavam. Mais do que nunca, repetir esses erros é uma escolha.

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