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O investidor húngaro George Soros
O investidor húngaro George Soros, criador da Open Society| Foto: Divulgação

Em dezembro de 1991, a União Soviética chegou ao fim. Apenas 17 meses depois, em abril de 1993, o investidor George Soros criou sua fundação, a Open Society. O objetivo era claro: levar os costumes ocidentais aos países do Leste Europeu. Nascido na Hungria em 1930, em uma família judia, Soros viveu sob o nazismo e o comunismo até se mudar para a Inglaterra, em 1947. Depois, se instalou nos Estados Unidos, onde vive até hoje. Nunca mais morou na terra natal, mas, com o fim do controle de Moscou sobre os países europeus, decidiu que era hora de participar ativamente da política local – algumas iniciativas tímidas iniciadas nos anos anteriores indicavam que havia espaço para influenciar os jovens da região.

Entre o início da década de 1990 e meados da década atual, deu certo: Soros bancou os estudos de dezenas de jovens, de feministas e ambientalistas a militantes de grupos pró-democracia, que seguiram para países ocidentais, em especial a Inglaterra, a fim de cursar faculdade. Muitas dessas lideranças conduziram as chamadas revoluções coloridas, que levaram líderes pró-Ocidente ao poder na Ucrânia, na Eslováquia, na Iugoslávia e na Geórgia (onde Alexander Lomaia, diretor executivo da fundação no país, se tornou funcionário do gabinete do governo). Por volta de 2010, a fundação chegou a reduzir o financiamento no Leste Europeu. Considerava que sua missão, a de orientar essas nações no caminho da democracia, estava cumprida.

Reações em série

Tudo mudou rapidamente no momento em que governantes à direita assumiram o poder em diferentes nações da região. Na Hungria, em especial, George Soros se tornou persona non grata. Em 2018, sua fundação, que apoia 46 diferentes grupos na Hungria, transferiu seu escritório local para Berlim.

O investidor se tornou o maior alvo declarado do primeiro-ministro Viktor Orbán, que critica a interferência da Open Society nos assuntos locais, em especial a política local anti-imigração — a entidade americana desenvolve um forte trabalho em defesa de imigrantes que chegam à Europa principalmente a partir da África e do Oriente Médio. Curiosamente, na juventude, Orbán cursou a Universidade Oxford com uma bolsa de Soros.

“As fundações têm um grande poder, exercido de várias formas, como financiando organizações e movimentos progressistas e influenciando a cultura política local através da mídia, de bolsas para pesquisadores acadêmicos e para programas universitários, além de cooptando ativistas”, afirma Joan Roelofs, professora de ciência política do Keene State College, em New Hampshire, a autora de Foundations and Public Policy: The Mask of Pluralism (“Fundações e Políticas Públicas: A Máscara do Pluralismo”).

No caso específico da entidade criada por Soros, diz a professora, “é especialmente notável por seu objetivo de provocar mudanças diretas em todo o mundo”, em grande parte, “criando grupos dedicados a praticar jornalismo supostamente independente”.

A Open Society tem esse nome por influência do filósofo Karl Popper, de quem Soros foi aluno na Inglaterra. O livro de Popper Open Society and Its Enemies (“Sociedade Aberta e Seus Inimigos”), publicado em 1945, argumenta que as sociedades só se desenvolvem em contexto de governança democrática, liberdade de expressão e respeito aos direitos individuais.

A instituição leva adiante o conceito de “sociedades abertas” e atua de forma a estimular a participação política de minorias. Em 2017, o investidor transferiu para a instituição US$ 18 bilhões dos US$ 25,2 bilhões que compõem sua fortuna, um sinal claro de que, aos 89 anos, ele deixará a Open Society como seu maior legado. Com essa doação, Soros já alcançou um total de US$ 32 bilhões doados para a entidade. Parte de todo esse dinheiro, aliás, veio de um forte movimento de especulação financeira movido por Soros contra o Banco da Inglaterra, em 1992 — o investidor lucrou US$ 1 bilhão e o banco quebrou.

Legado polêmico

Na verdade, desde 1979 Soros atua fornecendo bolsas de estudo para estudantes do Leste Europeu, e também para estudantes negros da África do Sul, que não tinham acesso à educação superior em tempos de apartheid. Na Hungria, suas primeiras ações, ainda que tímidas, começaram em 1984, quando ele firmou uma parceria com a Academia Húngara de Ciências.

Soros chegou a incentivar grupos pró-democracia na China, em 1986, mas suas ações foram limitadas depois do Massacre da Praça da Paz Celestial, em 1989. Em 1991, Soros financiou a criação da Universidade da Europa Central, com campi em Viena e Budapeste e dotação orçamentária de US$ 800 milhões.

Mas foi com a formalização da instituição, em 1993, que ele organizou e ampliou suas ações, hoje organizadas em escritórios instalados em 37 países, de onde partem ações que alcançam cidadãos de mais de 120 nações. Suas ações são alvo de críticas duras, não só na Hungria. Na Romênia, por exemplo, assim como na Rússia, na Tailândia e na Indonésia, o investidor também é duramente criticado, tanto pela especulação financeira agressiva que realiza quanto pelas ações de sua fundação.

O governo russo baniu a fundação do país em 2015, alegando que ela representa um “risco para a segurança e a ordem constitucional”. Em novembro passado, o grupo fechou seus escritórios em Istambul e Ancara, na Turquia. Soros é também conhecido por defender grupos separatistas, como Kosovo, na República Turca do Chipre do Norte e Somalilândia.

Nos Estados Unidos, onde Soros é um dos principais financiadores do Partido Democrata, o nome do investidor é constantemente relacionado a quaisquer grupos de minorias e de ambientalistas — o boato mais recente envolve o nome da ativista adolescente Greta Thunberg, cuja entidade não recebe doações formais da Open Society. Recentemente, o grupo vem dando atenção especial a iniciativas de regulamentação dos imigrantes que vivem em terras americanas, e também a grupos de apoio à regulamentação do uso de maconha medicinal.

Bolsa para Jean Wyllys

A Open Society é a segunda maior organização privada de filantropia do mundo, atrás apenas da Fundação Bill and Melinda Gates. A instituição tem por norma não doar mais do que o equivalente a um terço do orçamento das organizações não-governamentais que recebem ajuda — o objetivo declarado é evitar que os grupos se tornem independentes do dinheiro de Soros.

O orçamento total de 2019 é da ordem de US$ 1,08 bilhão, sendo 27% do valor dedicado a grupos que defendem a prática democrática e os direitos humanos, 20% para governança, 16% para a educação e 13% para movimentos contra a discriminação. Práticas de jornalismo e informações ficaram com 5%. Os Estados Unidos recebem 17% das doações, que são focadas, em especial, em grupos que defendem a reforma do sistema de justiça criminal. Lembrando que, segundo a legislação americana, a dedução de imposto de renda para fundações é da ordem de 30%.

O nome no plural, Open Society Foundations, faz referências aos subgrupos da fundação, direcionados para diferentes regiões do globo. Uma divisão, por exemplo, atende América Latina e Caribe. No Brasil, já receberam doações da instituição americana a ONG Anis Bioética e o site Quebrando o Tabu, entre outras mais de 50 instituições, incluindo a Mídia Ninja, a Agência Pública, o Movimento Viva Rio, o Instituto Fernando Henrique Cardoso e o Instituto Igarapé, além da Fundação Marielle Franco. Recentemente, o ex-deputado Jean Wyllys, que vive na Europa, afirmou que sua residência no Instituto de Pesquisa Afro-Latino-Americanos, da Universidade de Harvard, será sustentada pela Open Society.

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