Movimento recente dentro do feminismo, o ecofeminismo une feminismo e ecologia sob a premissa de que as mulheres e a natureza são objetos explorados pelos homens.
O termo foi cunhado pela feminista francesa Françoise d'Eaubonne (1920-2005) em 1974. Segundo a ideologia do movimento, a ecologia é um assunto feminista, mas as semelhanças entre o feminismo e a ecologia foram esquecidas pela ciência ecológica. O objetivo, então, seria relacionar ciência, mulher e natureza.
O ecofeminismo se popularizou nos últimos anos entre acadêmicos e ativistas da esquerda. A lista de discussão online ECOFEM tem cerca de 500 participantes, enquanto a rede ecofeminista hospeda 40 sites.
“O ecofeminismo está em ascensão, principalmente entre mulheres jovens, e está gradualmente deixando para trás um longo período em que era pouco conhecido”, afirma Alicia H. Puleo, professora de Estudos de Gênero da Universidade de Valladolid. [2]
Origens
O movimento nasceu depois de uma série de conferências e oficinas realizadas nos Estados Unidos por uma coalizão de mulheres acadêmicas e profissionais autônomas durante o final dos anos 70 e início dos anos 80. Elas se encontraram para discutir como o feminismo e o ambientalismo poderiam ser combinados para promover o respeito às mulheres e ao mundo natural.
A motivação para os encontros foi a ideias de que haveria um precedente histórico para associar mulheres à natureza: ambas eram frequentemente descritas como caóticas, irracionais e precisavam ser controladas. Tal controle, claro, seria exercido pelos homens, que eram caracterizados como racionais e organizados e, portanto, capazes de gerenciar tanto as mulheres como a natureza.
Ecofeministas afirmam que este arranjo resulta em uma hierarquia que concede poder aos homens e permite a opressão das mulheres e da natureza. Essa opressão seria motivada pelo medo, de acordo com Vandana Shiva, uma das precursoras do movimento e diretora da Fundação para a Pesquisa em Ciência, Tecnologia e Ecologia em Nova Déli, Índia.
“O patriarcado capitalista dominante é uma ideologia baseada no medo e na insegurança. Medo de tudo o que está vivo, já que qualquer liberdade e autonomia são ameaçadoras para eles”, avalia Shiva.
Nesta perspectiva, as primeiras ecofeministas determinaram que a solução para a opressão tanto da mulher quanto da natureza exigiria desconstruir o status social de ambas, não sendo possível esse processo ocorrer de forma separada.
“Vemos a devastação da Terra e de seus seres pelos guerreiros corporativos e a ameaça de aniquilação nuclear pelos guerreiros militares como preocupações feministas”, diz a ativista Ynestra King, que acredita em uma “mentalidade masculinista” que reduz a liberdade das mulheres e utiliza o poder estatal para conseguir o que quer.
Conflitos
Uma das fundadoras do ecofeminismo, a teóloga Rosemary Ruether, insiste que, se quiserem liberdade, todas as mulheres devem reconhecer e trabalhar para acabar com a dominação da natureza. Ela afirma também que as mulheres e os ambientalistas deveriam trabalhar em conjunto para acabar com o sistema capitalista e patriarcal.
Com base nas ideias de Ruether, ativistas feministas começaram a criticar não apenas teorias ecológicas que desconsiderassem a teoria do patriarcado, mas também teorias feministas que não questionassem a relação entre mulheres e natureza.
Por outro lado, a lógica de que o homem domina a natureza e todas as espécies é combatida pela pesquisadora feminista Susan Feldman, professora de filosofia na Dickinson College. Feldman afirma que o homem não domina a natureza de forma “opressora” porque a dominação só pode ser considerada injusta quando o objeto dominado tem vontade própria.
“A afirmação ecofeminista de que a exploração da natureza e a opressão das mulheres representam a mesma lógica de dominação está errada”, defende.
Já um estudo de Lois Ann Lorentzen, da Universidade de San Francisco, e Heather Eaton, da Universidade Saint Paul, afirma que o ecofeminismo surge devido a conexões entre as mulheres e a natureza. Como elas são as maiores vítimas dos problemas ambientais, também são especialistas nas questões pertinentes à ecologia.
“O fato de as mulheres serem mais afetadas por problemas ambientais as torna mais qualificadas como especialistas em tais condições”, afirmam as pesquisadoras. “As mulheres têm mais conhecimento sobre os sistemas da terra do que os homens. Isso significa que elas estão em uma posição privilegiada para auxiliar na criação de novos paradigmas ecológicos práticos e intelectuais”, completam.
Por outro lado, Maria Mies e Vandana Shiva afirmam no livro Ecofeminism [Ecofeminismo] que a ciência e tecnologia não são neutras quanto ao gênero e que há uma relação de “domínio exploratório” entre o homem e a natureza, além de uma relação “exploradora e opressiva” entre homens e mulheres.
“Vemos a devastação da terra e de seus seres pelos guerreiros corporativos e a ameaça de aniquilação nuclear pelos guerreiros militares como preocupações feministas”, dizem.
Radicalismos
Para o ecofeminismo, as mulheres e a natureza são igualmente “vítimas” de dominação pelas elites capitalistas. As ecofeministas enxergam uma exploração de gênero, classe, raça e espécies animais e vegetais como parte do sistema capitalista e patriarcal. Nesta visão, o “patriarcado” é parte do capitalismo e contribui para seu crescimento – e esse crescimento destruiria a natureza e oprimiria as mulheres.
A base da ideologia é a mesma do feminismo tradicional: as mulheres como oprimidas pelo patriarcado. Mas se diferencia pela abordagem, que tem foco em colaboração, processos orgânicos e conexões holísticas. Seus praticantes defendem uma visão de mundo que considera a terra como sagrada, uma dependência da humanidade em relação à natureza e toda forma de vida como valiosa.
A maternidade é outro ponto que o ecofeminismo usa como argumento para justificar uma suposta exploração das mulheres e da natureza. Segundo a ideologia, as mulheres desempenham um trabalho reprodutivo gratuito que agrega valor ao capital, da mesma forma que a natureza fornece insumos para o capital.
Atualidade
Hoje, a linha de pensamento das primeiras ecofeministas é adotada pelas ecofeministas radicais. Do outro lado do movimento estão as chamadas ecofeministas culturais, que defendem que as mulheres devem se associar à natureza porque teriam um relacionamento íntimo devido a processos sociais (opressão) e biológicos (menstruação, gravidez e amamentação).
Esse grupo defende ainda que as mulheres estão em sintonia com a “santidade” do meio ambiente. A ideologia também utiliza princípios de religiões baseadas na natureza, como o paganismo e o wiccanismo, e no culto à natureza como uma maneira de resgatar uma espiritualidade da natureza e o próprio papel das mulheres nessa espiritualidade.
“As ecofeministas culturais adotam o ecofeminismo orientado pelas deusas. Partindo de religiões baseadas na natureza, paganismo, tradições nativo-americanas e a tradição wicca, algumas ecofeministas constroem espiritualidades feministas que consideram mais amigáveis à natureza e às mulheres do que as tradições religiosas”, dizem Lorentzen e Eaton.
Essa perspectiva, porém, é criticada até mesmo dentro do próprio movimento. A concepção do ecofeminismo cultural é uma reprodução de estereótipos, segundo Catherine Roach, autora do livro “Mother/Nature” [“Mãe/Natureza].
Para ela, os homens também compartilham todos os processos biológicos humanos (comer, dormir, eliminar resíduos, adoecer, morrer) e também produzem um material tangível da reprodução da vida através da ejaculação.
Para Anne Archambault, a ideia de que as mulheres são de alguma forma mais "naturais" é um absurdo e na verdade atrapalha todo o movimento. "A alegação de que as mulheres são biologicamente mais próximas da natureza reforça a ideologia patriarcal de dominação e limita a eficácia do ecofeminismo", critica.
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