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Cena do filme "Até o Último Homem"
Cena do filme “Até o Último Homem”, de Mel Gibson, que retrata a vida de Desmond Doss, que se recusou a matar durante a Segunda Guerra Mundial e salvou a vida de 75 companheiros| Foto: Divulgação

Em 1938, Franz Jägerstätter recebeu do comando militar alemão uma proposta: assumir a prefeitura da cidade austrípaca de Radegund. Os homens de Adolf Hitler haviam invadido a Áustria em março, e ele se manteve a única voz abertamente anti-nazista da região. A recusa em servir ao Exército o levou à prisão em 1943. Na época, ele tinha três filhos pequenos com a esposa, Franziska Schwaninger. Acusado de wehrkraftzersetzung (expressão em alemão para quem abala a moral dos colegas soldados), foi condenado à morte e executado na guilhotina. Tinha 36 anos. Em 2007, foi declarado mártir e beatificado pelo papa Bento XVI.

A história de Jägerstätter foi transformada no filme "Uma Vida Oculta", dirigido por Terrence Malick e lançado em 2019. O jovem morreu incompreendido, inclusive por familiares e vizinhos, simplesmente porque exerceu a objeção de consciência – ou seja, o direito a se recusar a praticar alguma ação que vá contra suas crenças pessoais e princípios morais.

Três anos antes, Mel Gibson levou aos cinemas outro filme baseado em um caso real: "Até o Último Homem" relata o esforço heroico de Desmond Doss. Adventista do sétimo dia, ele lutou por seu direito de participar da Segunda Guerra, apesar da recusa a pegar em armas. Acabou por salvar a vida de 75 companheiros na Batalha de Okinawa, que durou 82 dias em 1945. Seus feitos o levaram a receber a Medalha de Honra do Congresso Americano.

Como já definiu o professor Mário Antonio Sanches em artigo para a Gazeta do Povo, “A objeção de consciência é direito da pessoa e salvaguarda princípios morais inalienáveis: o respeito à autonomia plena e consciente da pessoa e a sua liberdade”. Um artigo do doutor em Direito José Carlos Buzanello organiza a objeção de consciência em oito classificações: ao serviço militar, de consciência religiosa, ao exercício profissional, à obrigação sanitária e tratamento médico, à obrigação de doação de órgãos, ao aborto, ao trabalho no sábado e de consciência eleitoral.

A objeção de consciência, portanto, é comum a situações de guerra (quem se recusou a lutar na Guerra Civil americana sob essa alegação, por exemplo, pagava uma multa de US$ 300). Mas não se aplica apenas a guerras, ainda que os casos envolvendo militares se tornem especialmente polêmicos e famosos. Também se presta a, por exemplo, médicos e enfermeiros que se recusam a realizar abortos nos Estados Unidos. Além de Franz Jägerstätter e Desmond Doss, conheça outros cinco casos famosos de pessoas que assumiram todos os riscos e a incompreensão de lutar por seu direito a agir segundo suas crenças e seus valores pessoais.

Tom Attlee, 1914

O jovem arquiteto se apresentou ao Exército alegando que não lutaria na Primeira Guerra por ser cristão e não concordar com a obrigação em pegar em armas para matar outro ser humano. Seu irmão, Clement Attlee, correu para se alistar. Clement lutou na guerra, construiu uma carreira política sólida e viria a se tornar líder do Partido Trabalhista entre 1935 e 1955 e primeiro-ministro britânico de 1945 a 1951. Tom, que era arquiteto, viu sua vida desmoronar em consequência da recusa em lutar. Seu escritório ficou sem clientes e ele passou a ser barrado nos eventos da família da esposa, Kathleen, que tinha longo histórico de participação, com honras, em batalhas. Tom chegou a ser preso por dois anos, entre 1917 e 1919, enquanto sua esposa cuidava do filho bebê e estava grávida da segunda criança. Pacifista, ainda assim aceitou que seus dois filhos lutassem na Segunda Guerra – considerava que toda pessoa tinha o direito a decidir seus próprios rumos. Apesar dos riscos da decisão, Tom não estava sozinho – outros 16 mil britânicos se recusaram a pegar em armas na Primeira Guerra alegando objeção de consciência.

Muhammad Ali, 1967

Há quem diga que foi esta a maior batalha vencida pelo famoso boxeador. Cassiu Marsellus Clay, Jr., mais conhecido pelo nome que adotou depois de se converter ao islamismo, se recusou a lutar na guerra do Vietnã, alegando que a obrigação feria seu pensamento pacifista. “A guerra vai contra os ensinamentos do Sagrado Alcorão”, ele alegou, à época. Ao se apresentar diante do Exército em Houston, no dia 28 de abril de 1967, ele ouviu seu nome ser chamado por três vezes, e nas três se recusou a se apresentar. Foi preso, mas pagou uma fiança de US$ 10 mil e recorreu em liberdade. Ali acabou recuperando seus direitos em uma ação movida na Suprema Corte e julgada em 1971. Nesse meio tempo, o atleta teve o passaporte retido, a licença de boxeador caçada e perdeu os títulos que havia conquistado. Voltaria aos ringues apenas em 1970, retomando a vitoriosa carreira.

Thomas Bennett, 1968

Batista de formação, ele estudava na Universidade de West Virginia quando se alistou para atuar como médico em combate. Deixou clara sua decisão de não matar nenhum outro ser humano. Chegou ao Vietnã em fevereiro 1969, e foi rapidamente deslocado para uma missão arriscada: socorrer companheiros cercados pelo inimigo. Depois de arrastar vários americanos feridos para uma tenda de enfermaria, onde eles seriam medicados em segurança, Thomas foi atingido e faleceu, com apenas dois dias de batalha no currículo. Ele se tornaria o segundo militar americano que apresentou objeção de consciência e acabou recebendo uma Medalha de Honra – com a diferença de que o primeiro deles, Desmond Doss, faleceria apenas em 2006.

Jack Phillips, 2012

O confeiteiro e empresário, proprietário da Masterpiece Cakeshop, do Colorado, foi processado por se recusar a produzir um bolo para a celebração do casamento do casal David Mullins e Charlie Craig. Phillips negou a solicitação alegando que, por ser cristão, sua consciência não lhe permitia utilizar da sua habilidade artística para casamentos entre pessoas do mesmo sexo. Condenado no Colorado, o confeiteiro recorreu à Suprema Corte, que lhe deu ganho de causa com sete votos a dois.

Leandro Rodríguez Lastra, 2017

O médico argentino foi processado ao se recusar a realizar o aborto de um bebê de 23 semanas – ele conseguiu estabilizar a situação da mãe, de 19 anos, que havia dado entrada no hospital Pedro Moguillansky, da cidade de Cipolleti. Ela havia ingerido remédios que provocam o aborto. O médico foi condenado a um ano e dois meses de prisão, supostamente por não ter seguido a legislação do país para casos semelhantes. Também teve os direitos profissionais cassados por dois anos e quatro meses. O caso lembra uma situação que aconteceu na unidade de cirurgia ambulatória da Universidade de Medicina e Odontologia de New Jersey (EUA), quando doze enfermeiras se viram coagidas a trabalhar em procedimentos abortivos, mesmo alegando objeção de consciência.

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