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Meninas se preparam para uma manifestação |
Meninas se preparam para uma manifestação| Foto:

Um movimento surgido no Brasil na década de 1930 se tornou o que é considerado por historiadores como o maior partido fascista fora da Europa. A Associação Integralista Brasileira durou cinco anos, mas marcou aquele período como um dos grandes movimentos da história do autoritarismo brasileiro.

"Foi um movimento de caráter antiliberal e anticomunista que surgiu no contexto da ascensão dos movimentos fascistas internacionais", descreve o historiador Renato Dotta, pesquisador do Grupo de Estudos do Integralismo e Outros Movimentos Nacionalistas.

Albene Miriam Menezes Klemi, professora do Departamento de História da Universidade de Brasília, lembra que o período entre guerras foi "marcado pela crise dos liberalismos, e se cria mundo afora um contexto de inseguranças de diversas crises nos países e, por fim, crises internacionais. Nesse contexto é que vão surgir os movimentos e correntes de pensamento fascistas".

O movimento integralista no Brasil foi lançado em outubro de 1932, quando o regime fascista completava dez anos na Itália e o nazismo já estava presente na maior parte da Alemanha. "Havia um clima internacional em que a direita antiliberal era vista como solução para os problemas da contemporaneidade", explica Dotta.

No Brasil, desde os anos 1910, pensadores insatisfeitos com o liberalismo formal da República Velha já vinham propondo soluções autoritárias para o país. E no começo dos anos 1930, enquanto eram sentidos os reflexos da crise de 1929, aparecem mais pensadores no país de caráter antiliberal e antiesquerda.

"Nesse contexto, um pensador relativamente jovem pensava em uma solução autoritária, era o escritor paulista Plínio Salgado", relata Dotta. Salgado era nascido no interior do estado de São Paulo e foi para a capital trabalhar como jornalista. Ele se envolveu com os intelectuais paulistanos e participou da Semana de Arte Moderna, em 1922.

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Em 1926, ele lançou o romance "O Estrangeiro", que foi bastante lido e elogiado pela crítica da época. Em 1930, Salgado foi para a Europa e conheceu vários países, inclusive a Itália. "Ele ficou fascinado com o que estava acontecendo na Itália. Ele até escreveu um artigo contando toda a admiração que teve pelo regime italiano, vendo aquilo como uma solução para o Brasil", conta Dotta. Salgado tinha se encantado pela organização do governo e a ordem no país.

Entre 1930 e 1932, Salgado se correspondia com outros intelectuais brasileiros e escrevia para um jornal, sugerindo soluções autoritárias para o governo provisório de Getúlio Vargas. O jornal era produzido em São Paulo e distribuído em todo o país. "Aqueles contatos e o que ele escrevia no jornal acabam formando um rede de ideias, ele vai semeando adeptos dos ideais dele pelo Brasil inteiro".

A data oficial do nascimento do Movimento Integralista é 7 de outubro de 1932, quando Plínio Salgado lança o manifesto com as ideias do movimento. Depois disso, eles fazem contato com outros movimentos fascistas de outros países, "sempre com a necessidade de reafirmar que o integralismo é genuinamente brasileiro", ressalta Dotta.

Inspiração fascista

Salgado era um grande entusiasta do fascismo italiano, principalmente no início do movimento. Os militantes gostavam de dizer que o integralismo era o fascismo brasileiro. "O fascismo era visto como um regime vitorioso. No imaginário da época, ele estava enfrentando todos os problemas estruturais da Itália, e a grande mídia passava uma ideia positiva do fascismo italiano", explica Dotta.

O fundador do integralismo fazia questão de reafirmar o caráter nacional do integralismo, embora o movimento tivesse uma simbologia “inequivocamente baseada nos movimentos fascistas internacionais”.

Essa inspiração podia ser vista, por exemplo, na camisa verde, que era a versão nacional da camisa preta do fascismo e da parda do nazismo, e em outros rituais - eles eram conhecidos pelos adversários pelo apelido “galinhas verdes”. A bandeira integralista era formada pela letra grega sigma, significando a “somatória de todos os brasileiros”. O símbolo era usado também em braçadeiras pelos manifestantes em suas marchas.

Se a visão que os integralistas tinham do fascismo era positiva, a relação do movimento com o nazismo era mais complexa. Vários integralistas eram admiradores do nacional socialismo alemão na década de 1930. O principal deles era Gustavo Barroso, um jornalista, historiador e escritor cearense, e então diretor do Museu Histórico Nacional. "Ele era um entusiasta do nazismo, e era inclusive antissemita. A maior parte dos livros antissemitas no Brasil é de autoria de Gustavo Barroso", relata Dotta.

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Já Plínio Salgado via o nazismo com reservas e fazia várias críticas ao regime – por exemplo quando os nazistas perseguiram os católicos. "Isso não é um consenso dentro do movimento. Há os integralistas entusiastas do nazismo e os integralistas que não eram contra, mas o viam com reserva", resume Dotta.

"Não podemos classificar o movimento integralista brasileiro como antijudaico, e isso diferencia o integralismo brasileiro do nazismo na Europa, que pregava a raça pura e a superioridade do branco", diz Albene. "Plínio Salgado, diferentemente de algumas posições de Gustavo Barroso, se volta para a população para construir um movimento que é considerado o primeiro grande movimento de massa no Brasil. A nação brasileira é mestiça, então ele não faz apologia do branco e nem da superioridade racial. Ele exalta o mestiço, que é o povo brasileiro".

Albene destaca entre os pontos de semelhança entre o integralismo brasileiro e os movimentos totalitários da Europa, além do uso de símbolos, a criação de um inimigo interno. "O grande inimigo eram os comunistas, e há registros de embates de rua entre os defensores desses dois movimentos".

O movimento nazista não dava suporte ao integralismo brasileiro, segundo a historiadora. Pelo contrário, eles “tinham certa repugnância [pelo integralismo brasileiro], exatamente pela questão racial”. Além disso, a professora explica que o Partido Internacional Nazista no Brasil queria se expandir no país, onde era organizado em várias unidades e contava com muitos membros.

Presença no Brasil

O movimento se espalhou pelo Brasil em uma época em que os principais meios de comunicação eram os rádios e os jornais. Os líderes do movimento também viajavam pelo país para fazer palestras e arregimentar pessoas.

O integralismo teve núcleos no Brasil inteiro, e teve bastante força no Paraná e nos outros estados do Sul, nas regiões formadas por filhos de imigrantes alemães e italianos. "O Paraná teve um movimento bastante forte, mas também bastante reprimido. O primeiro prefeito integralista eleito foi numa cidade do Paraná, Teixeira Soares, em 1935", conta Dotta.

Em um primeiro momento, os integralistas apoiam Getúlio Vargas na tentativa de manter a continuidade no poder em 1937. "Os integralistas apoiam o golpe de Estado, o Estado Novo. Mas logo depois do Estado Novo, os integralistas são colocados na ilegalidade, juntamente com os outros partidos", diz Dotta. Os integralistas ainda tinham jornais circulando, mas não podiam mais propagar as suas ideias e nem mesmo citar o nome integralismo.

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Em 1939, Plínio Salgado foi preso e exilado em Portugal, onde fica durante a Segunda Guerra Mundial. Nesse período, os integralistas se desmobilizam no Brasil. Em 1942, quando o Brasil entra na guerra, o clima anti-integralista aumenta e vários membros abandonam a ideia integralista. "Muitos fazem inclusive uma mea culpa pública".

Quando a guerra termina, em 1945, a imagem positiva que o nazismo e o fascismo tiveram em alguns setores no Brasil e fora dele desaparece. “Nazismo e fascismo se tornaram sinônimos de barbárie, com as invasões de nações soberanas, o holocausto, etc. A assimilação do integralismo com o nazifascismo era plena naquele momento, que era extremamente delicado para uma rearticulação integralista”, diz o professor. Plínio estava no exílio, e alguns integralistas que estavam aqui e que não tinham abjurado publicamente começaram a se rearticular, mas chegaram à conclusão de que não poderiam refundar um partido com o termo “integralista” no nome. Assim, fundaram o Partido de Representação Popular (PRP) no final de 1945.

O PRP não usou a simbologia relacionada ao fascismo, como o sigma, o Anauê ou as camisas verdes. "O antiliberalismo foi bastante diminuído. Não diria que ele foi completamente abolido da ideologia. Ele foi bastante relativizado. A nova ordem mundial era uma ordem democrática. Só mantiveram nesse aspecto ideológico o anticomunismo", opina o historiador.

O partido participou de eleições e elegeu vários candidatos. Plínio Salgado concorreu à Presidência em 1955, quando Juscelino Kubitschek foi eleito. Salgado ficou em quarto e último lugar na eleição. "Em Curitiba houve um fenômeno muito interessante nessa eleição. Plínio ficou em último lugar nacionalmente na maioria dos estados, e na cidade de Curitiba ele foi o mais votado", ressalta Dotta.

Integralismo atual

Nos anos 1980, com a explosão das tribos urbanas, alguns grupos adotam o integralismo como ideologia. "Carecas e skinheads, assim como na Europa, engrossam fileiras de partidos neofascistas", compara Dotta, que conta que grupos como os Carecas do Brasil e os Carecas do ABC retomam a ideologia em seus fanzines. "É uma renovação geracional do movimento integralista".

No final dos anos 1990, com um impulso da internet, surgem sites integralistas, não necessariamente ligados a esses movimentos de tribos urbanas. Mais recentemente, "eles ressurgem nas ruas em 2013, junto com a movimentação pedindo a saída do PT do poder, esse pessoal sai completamente do armário", afirma Dotta.

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Hoje existem duas organizações que promovem a ideologia no Brasil: a Frente Integralista Brasileira e o Movimento Integralista Linearista Brasileiro. A Frente Integralista Brasileira tem uma página no Facebook com mais de 14 mil seguidores, e tem apoiado candidatos nas últimas eleições. Dotta considera o movimento pequeno e com participação restrita. "Acredito que é uma questão simbólica. Como o integralismo foi um movimento importante no passado, um apoio deles a qualquer candidato não é relevante no plano eleitoral, mas no plano simbólico, sim".

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