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Prestes a ingressarem na concorrida OCDE, Romênia e Argentina vivem cenários políticos conturbados.
Prestes a ingressarem na concorrida OCDE, Romênia e Argentina vivem cenários políticos conturbados.| Foto: Bigstock

O governo dos Estados Unidos não apoiou formalmente a entrada do Brasil na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) em 2019. Em carta datada de agosto, o secretário de Estado norte-americano, Mike Pompeo, rejeitou discutir a ampliação do chamado “clube dos países mais ricos”: Washington apoiou apenas as candidaturas da Argentina e da Romênia.

A embaixada dos Estados Unidos divulgou nota oficial para reafirmar o apoio ao ingresso do Brasil na organização. Mas ressaltou que a expansão da OCDE deve seguir um ritmo controlado “que leve em conta a necessidade de pressionar as reformas de governança e o planejamento de sucessão".

Atualmente composta por 36 membros, a OCDE busca padronização de boas condutas em políticas públicas e econômicas entre seus integrantes. "Essa padronização faz com que o mercado financeiro aprecie os mercados-membros e use essa lista de integrantes como uma lista de países detentores de um selo de confiança”, afirma o sócio da Arko Advice e colunista da Gazeta do Povo Thiago de Aragão.

O fato é que Argentina e Romênia estão à frente de Brasil em vários indicadores econômicos. Mas será que são tão mais livres e prósperas assim, a ponto de justificar sua prioridade na entrada da OCDE?

O que dizem os dados

No Ranking de Liberdade Econômica da Heritage Foundation, divulgado com exclusividade em português pela Gazeta do Povo, a Romênia está muito à frente do Brasil e da média mundial e a Argentina mantém pontuação ligeiramente melhor.

O levantamento avalia o grau de liberdade econômica de 186 países, utilizando critérios como independência do judiciário, respeito aos direitos de propriedade e equilíbrio das contas públicas. A pontuação máxima é 100. A pontuação da Romênia, na 42ª posição, é de na  68,6. Já a pontuação da Argentina é de 52,2, o que a deixa na 148ª posição. O Brasil, com uma pontuação de 51,9, está no 150º lugar.

Já no ranking de Facilidade de Fazer Negócios, elaborado pelo Banco Mundial, a Romênia figura na 52ª posição e está em primeiro no quesito “Comércio Internacional”. O país ainda se destaca no registro de propriedades, na obtenção de crédito e na execução de contratos, sempre entre os 50 melhores países nesses quesitos.

Neste estudo, o Brasil foi mais bem avaliado do que a Argentina. Ele aparece em 109º lugar, enquanto a Argentina surge em 119º. Somente nos quesitos “proteção contra investidores” e “execução de contratos” o Brasil conseguiu ficar entre os 50 melhores do mundo. Nosso vizinho não se destaca em nenhum dos indicadores.

No Índice de Competitividade Global do Fórum Econômico Mundial, que avalia 141 países, a Romênia está na 51ª colocação, com uma pontuação de 64,4. O Brasil, com 60,9 pontos, está na 71ª posição. Enquanto isso, a Argentina é apenas a 83ª, com 57,2 pontos.

Por fim, no Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA), índice que compara a qualidade de educação entre estudantes na faixa etária dos 15 anos, a Argentina está na 42ª posição, a Romênia em 47º e o Brasil em 63º, entre os 70 países analisados. O levantamento parte do princípio de que, quanto maior a qualidade da educação de base, melhor o chamado “capital humano”, um dos alicerces para o aumento de produtividade responsáveis pelo enriquecimento de um país.

Romênia: inflação e política conturbada

Para os padrões europeus, a inflação na Romênia está desequilibrada, girando em torno de 3,5% ao ano. Apesar dos ajustes fiscais promovidos pelo governo nos últimos 10 anos, o país ainda gasta muito mais do que se arrecada. O déficit fiscal é de 3% do PIB.

O atual presidente do país é Klaus Iohannis, um centrista do Partido Nacional Liberal. Até semana passada, a primeira-ministra era a social-democrata Viorica Dancila. Conhecida por ser ativista feminista, ela causou controvérsia ao tomar uma decisão quanto à transferência da embaixada romana em Israel de Tel Aviv para Jerusalém sem o consentimento do presidente.

Ambos disputam a corrida presidencial deste ano. Iohannis aparece nas pesquisas com cerca de 40% das intenções de voto, enquanto Dancila está com menos de 20%.

Na última quinta-feira (10), contudo, o parlamento romeno derrubou o governo em uma moção de censura, o que fez com que Dancila deixasse o cargo.

O kirchnerismo vem aí!

Na Argentina, a reeleição do atual presidente Maurício Macri é improvável. Os argentinos irão às urnas em 27 de outubro e a chapa de Alberto Fernández e Cristina Kirchner abriu larga vantagem (53% a 36%), segundo uma pesquisa realizada pelo Centro Estratégico Latinoamericano de Geopolítica (Celag).

O cenário atual da Argentina é desolador. A inflação acumulada nos últimos 12 meses está acima dos 50%, o déficit fiscal é de mais de 5% do PIB e o país enfrenta uma recessão econômica desde o fim de 2018.

Como forma de controlar a inflação e de olho na reeleição, Macri tabelou as tarifas de energia, gás, transporte público e pedágios, além de 60 produtos da cesta básica.

Nem só de indicadores econômicos vive a OCDE

Apesar de terem números melhores que os do Brasil, a preferência dos Estados Unidos por Romênia e Argentina não foi fundamentada nisso.

Para o professor de Ciência Política e Relações Internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro Maurício Santoro, o processo de adesão na OCDE é longo e depende de outros fatores além dos indicadores econômicos. "Os europeus estão sempre preocupados em perder maioria na organização. Argentina e Romênia estão engajadas há mais tempo nesse processo de adesão na OCDE e era natural que fossem favorecidas”, afirma.

Para ele, o governo brasileiro alimentou uma expectativa exagerada por causa da proximidade entre Jair Bolsonaro e Donald Trump. “As declarações das autoridades americanas foram um tanto confusas e contraditórias, mas minha interpretação é que continuam apoiando o ingresso do Brasil, no ritmo normal e sem queimar etapas”, explica.

Para Santoro, há uma lição a ser aprendida com a não-indicação brasileira neste momento. “Para entrar na OCDE é mais importante fortalecer reformas e instituições do que se fiar em apoios de líderes individuais”, diz. “O país precisa completar a mudança na Previdência, avançar na questão tributária e consertar os problemas graves em temas como combate à corrupção e preservação ambiental. São questões fundamentais nas boas práticas da OCDE”.

O professor da UERJ tem dúvidas quanto ao compromisso argentino com a OCDE caso Macri seja derrotado nas eleições argentinas.

Já para Thiago de Aragão, atualmente a Argentina tem uma relação mais sólida com os Estados Unidos do que o Brasil. “Macri tem uma entrada maior, pois a relação de sua família com Trump é mais antiga. Apoiar a Argentina antes do Brasil não foi uma decisão repentina, mas sim algo que já estava desenhado”, afirma.

Para ele, os Estados Unidos se enganam ao acreditar que o apoio à entrada da Argentina na OCDE pode ajudar na reeleição de Macri. “Tudo o que pretende ditar uma postura econômica é mal recebido na Argentina. O Fundo Monetário Internacional é visto como o grande vilão do país desde Pedro Eugenio Aramburu [ditador que governou o país entre 1955 e 1958]”, diz. “Se Macri subir em um palanque em La Matanzas e falar sobre a entrada na OCDE, será vaiado como se tivesse mencionado o FMI. É mais provável a Kirchner fazer essa conexão e prejudicar Macri do que ajudá-lo”, avalia.

Já em relação à Romênia, Aragão afirma que o país é um aliado estratégico para os Estados Unidos. “O país recebeu um investimento pesado americano para fortalecer sua marinha no Mar Negro e ajudar a conter a Rússia. A Romênia é a última fronteira forte entre a União Europeia e a influência russa, que se inicia na Moldávia”, explica.

Além disso, a Romênia seria o país mais “americanizado” da União Europeia, recebendo simultaneamente muitos investimentos chineses. “Estrategicamente, faz muito sentido indicar para a OCDE a Romênia, até mais do que Argentina. Os Estados Unidos apoiaram a entrada do país para que eles sejam seus padrinhos na organização em vez da União Europeia”.

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