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Adolf Hitler com Hermann Goering, Joseph Goebbels e Rudolf Hess.
Adolf Hitler com Hermann Goering, Joseph Goebbels e Rudolf Hess.| Foto: Biblioteca Roosevelt

Há muitas páginas nos livros de História reservadas à ascensão de Adolf Hitler e da Alemanha nazista, durante a década de 30 até meados dos anos 40. O Terceiro Reich — termo cunhado pela propaganda do regime — foi instalado em 1933 e, por meio de ideias antissemitas e contrárias ao comunismo, mobilizou a maioria da população alemã a adotar um forte senso de patriotismo que resultou nos episódios que levaram à Segunda Guerra Mundial.

O Partido Nazista reestabeleceu o orgulho de uma nação debilitada pelo pós-guerra — período em que a população do país sofreu uma redução de 10%, o território encolheu 13% e a economia colapsou — e pelo Tratado de Versalhes, assinado em 1919, que causou ao país um sentimento de indignação pelo que foi imposto: sanções que perduraram até 2010, quando a Alemanha quitou a última parcela de uma dívida referente à reparação dos danos causados pela Primeira Guerra mundial.

Com o índice de desemprego beirando os 30%, Hitler adotou, assim que chegou ao poder, uma política industrial de bens de consumo e incentivo à qualidade de vida nas classes mais baixas. Neste contexto de “milagre econômico” que ocorreu meses após o führer assumir, as ideias mais nefastas do Terceiro Reich — como a eliminação dos judeus da Alemanha, higiene racial e eugenia — eram aceitas como algo tolerável pela maioria da população, quase como um transe coletivo.

No recém-lançado 'Defying Hitler: The Germans Who Resisted Nazi Rule' (Gordon Thomas & Greg Lewis, 542 páginas, Dutton Caliber, sem edição em português) – em tradução livre “Os Alemães que resistiram ao regime nazista” — os autores se dedicam a analisar a trajetória e perfil de uma dezena de alemães que acreditavam que se posicionar contra os absurdos do regime nazista era tão importante quanto sua própria sobrevivência.

Para isso, desafiaram a Gestapo; repassaram informações sigilosas à União Soviética; e planejaram até mesmo o assassinato de Hitler. Nada disso veio sem um preço: a maioria acabou executada, mas manifestou em sua trajetória um forte senso de propósito e resistência, em um período que apenas uma parcela ínfima dos horrores do nazismo era de conhecimento público.

A Orquestra Vermelha

Filho de um professor de História e sobrinho de um teólogo, Arvid Harnack desde cedo teve nos estudos o seu foco principal. Após formar-se em Direito pela Universidade Friedrich Schiller University, em meados da década de 20, partiu rumo aos Estados Unidos para se especializar em Economia na Universidade do Wisconsin, em Madison. Lá, conheceu a historiadora Mildred Harnack, com quem posteriormente se casaria. Em 1929, os dois voltaram para a Alemanha.

Ambos compartilhavam um interesse mútuo pela União Soviética e pelo comunismo; para o casal, o sistema econômico seria uma solução para a miséria. Em 1933, ano da ascensão do Terceiro Reich, Mildred passou a lecionar literatura inglesa na Escola Berliner Abendgymnasium, onde deu seus primeiros passos no ativismo político: em meio às discussões sobre livros, debatia com seus alunos possíveis conjecturas políticas e econômicas.

Já Arvid Harnack – cuja tese de doutorado em Filosofia em Giessen havia sido, em tradução livre, “O movimento pré-marxista dos trabalhadores nos Estados Unidos”,  levou sua admiração pelo comunismo a outro nível: criou, em 1931, a ARPLAN, uma comunidade científica dedicada aos estudos da economia da União Soviética que chegou a ter 50 membros. Porém, em 1933, precisou encerrar as atividades e, no Terceiro Reich, assumiu um posto como especialista no Ministério da Economia.

Em 1935, Harnack viria a conhecer Harro Schulze-Boysen, um tenente da força aérea alemã e descendente de uma família com uma longa linhagem militar, e John Sieg, um jornalista norte-americano de nascença, mas com a família de origem germânica. Eles seriam, ao lado de Leopold Trepper, os responsáveis por criar o que ficou conhecido como “A Orquestra Vermelha”, uma rede de espionagem ligada à União Soviética destinada a antecipar os passos estratégicos de Hitler.

A partir dali, Arvid e Mildred – junto ao casal Adam e Greta Kuckhoff, uma professora e colega de Mildred – passaram a recrutar alunos, escritores e cineastas para criar pôsteres contra o Terceiro Reich. Unidos por serem contra políticas econômicas e ideologias de Hitler, o grupo passou a ser perseguido pela Gestapo, a polícia secreta do Estado.

Foi somente em 1940, no entanto, que a Orquestra Vermelha intensificou sua militância contra o regime nazista. Antes reunidos em salas de escolas para debates políticos, Harnack tomou a frente ao passar informações para a embaixada dos Estados Unidos e, posteriormente, à União Soviética.

Em 31 de agosto de 1942, uma blitz da Gestapo prendeu mais de 100 homens e mulheres, sob a acusação de serem integrantes da Orquestra. Cerca de 50 deles – incluindo o casal Arnack, Schulze-Boysen e Adam Kuckhoff – foram condenados à morte e executados.

“Eu gostaria de ter visto vocês mais uma vez. Infelizmente, isso não é possível, mas estarei pensando em todos”, escreveu Harnack em sua última carta à Mildred. Ele nunca soube que ela também havia sido condenada à morte.

Estima-se que foram realizados cerca de 1.500 envios de informações confidenciais à União Soviética durante a existência da Orquestra, que pode ter influenciado na morte de 200 mil soldados alemães.

A resistência judaica

Em 1942, praticamente todos os judeus — com exceção dos que haviam se escondido em casas de amigos — haviam sido deportados, presos ou estavam em campos de concentração. A situação não era diferente para Herbert Baum, um eletricista que ganhou protagonismo na vida política após os atos de antissemitismo do governo alemão.

Ele e sua esposa, Marianne, ao lado dos amigos Martin e Sala Kochmann, haviam passado a organizar encontros que lidavam com o nazismo como uma ameaça — a maioria dos presentes eram judeus — e distribuíam panfletos argumentando contra a crescente onda de nacionalismo que o Terceiro Reich alimentava. Porém, em 1942 ele já havia escapado de um campo de concentração da Siemens e formado um grupo que viria a tentar um dos atos mais audaciosos da Segunda Guerra Mundial contra o regime nazista.

Joseph Goebbels, ministro da propaganda de Hitler, era um dos maiores entusiastas da erradicação dos judeus das terras germânicas. Portanto, se converteu no alvo ideal para o “Grupo Baum”, nome informal dado aos colaboradores da militância de Herbert Baum.

Em maio do mesmo ano, Goebbels passou a exibir na área central de Berlim uma série de peças que difamavam os judeus e, também, os comunistas. Baum julgou que seria uma resposta ideal para a luta rebelde incendiar as peças, como um recado de resistência ao Reich.

O que veio a seguir, porém, não saiu como planejado: no dia 18 de maio de 1942 o grupo realizou o ataque, mas não obteve total sucesso. Pior, a Gestapo adquiriu conhecimento do paradeiro de parte dos integrantes da resistência e, em questão de dias, prendeu e sentenciou à morte 20 deles.

Pouco tempo depois, Herbert e Marianne Baum também foram presos. Relatos da época dão conta que ele foi torturado até a morte na prisão de Moabit. A Gestapo classificou a sua morte como “suicídio”. Estima-se que a maior parte dos outros integrantes do Grupo Baum tenha sido executada em 1943, na prisão de Plötzensee.

O militar alemão que resgatava judeus

Diferente dos outros citados no livro, Hans Oster – general na Wehrmacht, as forças armadas da Alemanha, e um dos chefes da Abwehr, setor de inteligência alemão – não foi logo de cara um inimigo do regime nazista. Assim como outros militares, enxergava em Hitler uma possibilidade de recuperação do país, porém sua visão mudou após o episódio que ficou conhecido como “A noite das facas longas”, em 30 de junho de 1934.

Na ocasião, logo após tornar-se chanceler da Alemanha, Hitler ordenou uma série de execuções de adversários políticos. Entre eles, estavam nomes conservadores antinazistas, como Kurt Von Schleicher, que também faziam parte da Sturmabteilung, uma organização paramilitar alemã, e o major general Ferdinand Von Bredow, amigo pessoal de Oster.

Em 1938, integrado ao Terceiro Reich, Oster começou a planejar sua revanche contra o nazismo: por meio de sua posição privilegiada na Abwehr, tinha acesso a informações privilegiadas, como a crescente reprovação entre os militares das decisões de Hitler. Isso se tornou mais evidente após a invasão da Tchecoslováquia, no mesmo ano, que dividiu os militares.

Entre 1940 e 1942, a resistência alemã entre os militares atingiu o ápice. Oster, neste período, soube da exterminação contínua dos judeus nos campos de concentração e passou a estabelecer contato com o grupo de resistência de Henning Von Tresckow — que viria a ser um dos participantes no fracassado atentado de 20 de julho de 1944 para assassinar Hitler em Wolfsschanze, um dos seus quartéis-generais — para fornecer informações e suprimentos à causa. Mais do que isso, Oster passou a utilizar a Abwehr e seus canais como forma de resgatar judeus em campos de concentração.

Em 1943, a Gestapo descobriu os planos de Oster e ele foi deposto de seu cargo, sendo condenado à prisão domiciliar. Com o auxílio de aliados, no entanto, ele conseguiu libertar 14 judeus, que fugiram para a Suíça disfarçados de agentes do setor de inteligência alemão. Pouco tempo após o atentado fracassado de julho de 1944, suas atividades antinazistas foram descobertas e, em abril de 1945, ele foi enforcado no campo de concentração de Flossenbürg.

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