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Nos seis meses desde o início do movimento #MeToo, os conservadores, algumas vezes corretamente, questionaram ou criticaram alguns aspectos dele | Pixabay
Nos seis meses desde o início do movimento #MeToo, os conservadores, algumas vezes corretamente, questionaram ou criticaram alguns aspectos dele| Foto: Pixabay

Na semana passada, a deputada Martha McSally (do partido Republicano do estado do Arizona) revelou que ela havia sido abusada sexualmente no ensino médio por um treinador. Sua história #MeToo é um lembrete de que o conservadorismo não pode se dar ao luxo de descartar o movimento feminista moderno. 

Nos seis meses desde o início do movimento #MeToo, os conservadores, algumas vezes corretamente, questionaram ou criticaram alguns aspectos dele. Mas muitas vezes eles erroneamente subestimaram, ignoraram ou descartaram completamente o ímpeto do movimento.

A história dessa política republicana e as muitas histórias semelhantes compartilhadas nos últimos meses mostram como esses incidentes e experiências são típicos e ilustram como o movimento feminista destaca os obstáculos únicos enfrentados pelas mulheres. Aqueles da direita não devem ignorar este movimento ou suas preocupações; há uma necessidade maior de feminismo nos Estados Unidos do que os conservadores às vezes acreditam. 

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Infelizmente, a palavra "feminista" é muitas vezes tratada como se fosse sinônimo de "progressista, esquerdista", e assim se tornou uma palavra suja para muitos de nós à direita. Não deveria ser. 

O conceito de feminismo deve ser apartidário; afinal de contas, a definição básica do feminismo é a ideia de que deve haver igualdade social, política e econômica dos sexos, e que é importante defender os direitos e a igualdade das mulheres. Essa definição de feminismo é, reconhecidamente, diferente daquela promovida por algumas das feministas mais proeminentes e atuantes da atualidade. 

Embora muitos aspectos do feminismo da terceira onda incluam metas laudatórias, como inclusão e interseccionalidade, o feminismo moderno frequentemente dá aos conservadores razões válidas para se opor a ele. As feministas da terceira onda promoveram o movimento como uma tentativa de incluir todos, ao mesmo tempo em que rejeitam com força e severidade qualquer pessoa cujas opiniões se afastem um pouco de sua pauta preferida.

Por exemplo, hoje muitas feministas consideram o aborto-por-demanda (aborto durante os primeiros seis meses de gravidez ou quando é realizado apenas porque ela quer abortar) um direito humano fundamental e excluem as mulheres pró-vida, criticando-as como traidoras de seu sexo. Algumas feministas correm para arruinar vidas, carreiras e reputação quando alguém identifica erroneamente o gênero de uma pessoa, e outras parecem mais intencionadas a reduzir as pessoas do que a promover discussões e debates. 

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Em suma, muitas das que são dedicadas ao feminismo da terceira onda muitas vezes optam por criar ambientes hostis em nome da tolerância e intimidam as pessoas para que concordem com sua pauta, em vez de iniciar e incentivar discussões produtivas. Mas não podemos permitir que esses indivíduos – que alegam que sua definição de feminismo e suas pautas sejam a única visão de mundo correta – nos impeçam de lutar pela igualdade total para as mulheres. 

Direitos iguais

Alguns conservadores argumentam que o feminismo não é mais necessário porque as mulheres já têm direitos iguais. É verdade que, graças ao persistente trabalho de feministas do passado, as mulheres hoje alcançaram direitos políticos iguais e participam mais plenamente da economia americana. Nos foi concedido o direito de voto em 1920, nem mesmo 100 anos atrás. Entramos na força de trabalho apenas no século anterior. Cunhamos o termo “assédio sexual” e insistimos que isso era inaceitável nos anos 70, menos de 50 anos atrás. 

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É realmente possível neutralizar todos os estereótipos, suposições de gênero e pontos de vista e atitudes comuns sobre as mulheres em tão pouco tempo? Ainda hoje ouvimos comentários sobre as mulheres serem emotivas demais, histéricas demais, estridentes demais, mandonas demais, muito desagradáveis, ambiciosas demais, independentes demais. 

Muitos do que estão à direita também criticam o feminismo moderno por se concentrar mais na vitimização das mulheres, do que em seu empoderamento – uma crítica válida. Mas é necessário reconhecer e entender que há desvantagens históricas para as mulheres, particularmente para as mulheres negras ou as que estão na pobreza, que não podem ser superadas facilmente em menos de um século. 

É verdade que as mulheres americanas estão melhores, significativamente em muitos casos, do que as mulheres em muitos outros países, mas também é evidente que, mesmo nos Estados Unidos, há obstáculos e desafios que as mulheres enfrentam e que os homens não, o que impede a plena igualdade social, política e econômica, incluindo o assédio sexual e a violência contra a mulher; sexismo cotidiano ou benevolente; ou desigualdade no local de trabalho, como quando currículos idênticos com nomes masculinos recebem mais ofertas do que aqueles com nomes femininos, quando é dado crédito a homens em vez de mulheres em grupos profissionais mistos e quando as mulheres recebem menos reconhecimento do que os homens por oferecer ideias ou por identificar problemas. 

Infelizmente, esses problemas frequentemente se perdem em meio a disputas partidárias, enquanto as partes mais extremas do feminismo moderno são ridicularizadas – como feministas proeminentes que idealizam um mundo sem homens, comparam os Estados Unidos (com seu governo e eleições em funcionamento) ao livro O Conto da Aia, e tratam pequenos, mas válidos, aborrecimentos, como “manspreading” (expressão que descreve quando os homens sentam com as pernas muito abertas no transporte público), como uma afronta enorme.

Mas as feministas modernas levantam algumas preocupações válidas, e os conservadores deveriam prestar atenção, se não para melhorar a situação das mulheres, então para seu próprio benefício político. Especificamente, o feminismo moderno trabalha para combater a cultura do estupro, bem como os normas duplas e a desigualdade no local de trabalho. 

Impunidade

A “cultura do estupro” é, reconhecidamente, um termo carregado, já que parece argumentar que a sociedade celebra abertamente o estupro e os maus tratos às mulheres – uma ideia que soa absurda. Mas a "cultura do estupro" não significa que todo homem é um estuprador ou que não há boas pessoas dispostas a parar com os maus tratos às mulheres. Refere-se simplesmente aos descontos concedidos aos abusadores e à maneira como a sociedade frequentemente tolera, minimiza e banaliza maus-tratos sexuais. 

É difícil argumentar que tal cultura não existe quando homens poderosos saem impunes de abuso sexual no local de trabalho e quando aqueles em volta de tais predadores permitem, encobrem ou auxiliam de alguma maneira, enquanto as vítimas são colocadas na lista negra ou demitidas.

Em muitos campi, as administrações universitárias mostraram que os programas atléticos têm precedência sobre a busca de justiça para as mulheres, e os atletas recebem punições mais severas pelo uso de drogas do que por agredirem as mulheres.

Milhares de kits de estupro, contendo evidências físicas coletadas de vítimas, continuam sem ser testados em todo o país, incluindo 11.341 kits não testados descobertos em apenas um condado. 

Alguns dos responsáveis pela aplicação da lei usaram o histórico sexual de uma vítima de estupro para decidir a sentença do estuprador, disseram que uma vítima de 14 anos estava "tanto no controle" quanto seu estuprador de 49 anos, e deram a um estuprador a custódia conjunta de um bebê concebido por estupro. Um jurado no caso de Bill Cosby insinuou que a vítima era culpada por supostamente estar sendo drogada e abusada sexualmente porque "ela foi até a casa dele com a cintura à mostra", como se o modo como as mulheres se vestem afetasse se elas merecessem ou não serem violadas. Os administradores da Michigan State University ignoraram numerosas reclamações sobre o Dr. Larry Nassar, e não apenas permitiram que ele continuasse a tratar jovens ginastas olímpicas em seus quartos, a portas fechadas, mas exigiram que as jovens fizessem o que o médico dizia ou corriam o risco de perder a chance do sucesso atlético... e a lista continua. 

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Alguns conservadores argumentam que a quedas de Harvey Weinstein, Matt Lauer e Bill O'Reilly são evidências de que a noção de cultura do estupro é um mito porque esses predadores foram punidos depois que seus crimes foram revelados. Mas isso ignora como os outros sabiam do abuso na época e o deixaram continuar por anos, se não décadas. Mesmo depois de perderem suas carreiras, esses homens ainda têm defensores e apoiadores. 

Muitos no movimento conservador são rápidos demais para insistir que a cultura do estupro não existe e que as estatísticas sobre a prevalência da agressão sexual são exageradas, mas os eventos de 2017 e as milhares de histórias de #MeToo que as mulheres contaram deveriam nos fazer pelo menos questionar essas conclusões.

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Da mesma forma, padrões diferentes para homens e mulheres também existem, e a maneira de resolvê-los é primeiro reconhecer sua existência. Compare a diferença no tratamento da pós-graduada da Escola de Direito de Harvard e ex-substituta de Trump, A. J. Delgado, ao do estrategista político e ex-porta-voz de Trump, Jason Miller – o homem que traiu sua esposa grávida para ter um caso com ela. Miller ainda aparece em telejornais e aconselha informalmente a Casa Branca, enquanto Delgado agora mora com a mãe em Miami e não aparece mais em telejornais, em notícias ou dentro do círculo interno de Trump. 

Por que, nessa situação e em muitas outras como essa, a mulher está sendo expulsa de sua carreira para lidar com as consequências enquanto o homem continua a avançar a sua? 

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O histórico e o currículo de Delgado não mudaram desde que ela se tornou mãe do filho de Miller, então não há razão para que ela subitamente ser desqualificada para continuar seu trabalho anterior. É possível que as pessoas tenham problemas pessoais, e não profissionais, com ela agora – exceto que Miller compartilha esses problemas pessoais e, no entanto, ele não passou pelas mesmas consequências pelo seu caso. É possível que tenha sido a escolha de Delgado se afastar de uma carreira lucrativa na política – exceto que ela twittou sobre vender seu carro por dinheiro, queixou-se de não poder arcar com litígios caros e lamentou a recente perda de seu emprego com o Comitê de Ação Política America First, de Trump, mesmo quando um indivíduo que descobriu-se ter feito “comentários racistas, sexistas, anti-muçulmanos e anti-gays no rádio” continua a ser empregado pela organização. Enquanto isso, Miller, que supostamente insinuou que Delgado fez um aborto, ainda tem considerável poder político entre os republicanos. 

Pelo menos uma outra mulher conservadora, Skyler Mann, do site Ricochet, acredita que a disparidade no tratamento de Delgado e Miller é baseada em seu sexo: "As repercussões na carreira política de Delgado sugerem algo mais profundo do que isso tudo", escreveu Mann. "Este episódio destaca algo inerentemente podre em nossa cultura que continua a culpar as mulheres exclusivamente por indiscrições sexuais." 

Às vezes, os tipos de obstáculos que as mulheres enfrentam não são tão óbvios. 

Por exemplo, na política. Dos 100 senadores no Congresso, há 23 mulheres; dos 435 representantes da Câmara, existem 83 mulheres. Quando a disparidade entre mulheres e homens no Congresso é apontada, os conservadores frequentemente minimizam isso. Mas um relatório de 2008 da Brookings Institution descobriu que as mulheres são “menos prováveis que os homens para serem recrutadas para cargos” e “têm menos probabilidade do que os homens de pensar que estão 'qualificadas' para concorrer ao cargo.” Devemos perguntar por quê. 

O sexo não é um indicador de desempenho e não é mais importante do que saber se uma pessoa está qualificada para um trabalho. Mas os conservadores devem olhar para esta pesquisa e fazer algumas perguntas: Por que os homens são mais confiantes em concorrer a cargos? Existem coisas específicas que retêm as mulheres? Podemos fazer algo para aliviar esses problemas? Não deveríamos nos esforçar para eliminar os fatores que impedem as mulheres de buscar suas paixões e alcançar seu potencial? Não deveríamos querer fazer isso? Não deveríamos nos preocupar que as mulheres se sintam privadas? 

Quando se discute a igualdade salarial, os conservadores apontam corretamente que os salários diferem como resultado de muitos fatores, incluindo experiência e escolha de carreira. O movimento feminista moderno está errado em defender mais legislação para lidar com as disparidades salariais. Mas não devemos deixar a discussão nisso. Estudos mostram que as mulheres que negociam são vistas mais negativamente do que os homens que negociam. Esses quatro estudos descobriram que as mulheres eram mais penalizadas por negociar do que os homens. Não é uma vitimização reconhecer que esse obstáculo, e muito mais, existe no local de trabalho. 

Alguns conservadores argumentam que o feminismo moderno se envolve em misandria e, portanto, se desacredita. É certamente ridículo para as feministas argumentar que todos os homens são maus, e qualquer um que faça isso envenena todo o movimento feminista.

Mas é compreensível que algumas mulheres fiquem realmente zangadas com as experiências que tiveram. Elas estão com raiva por terem sido ignoradas sobre agressão sexual. Elas estão com raiva por terem sido chamadas de histéricas por articularem preocupações com a desigualdade de gênero. 

Experiências como essas são reais, e não é exagerado ou melodramático reconhecer isso. Isso não significa que as mulheres devam se ver como vítimas ou como fracas, mas sim que os conservadores devem estar cientes das duras realidades enfrentadas pelas mulheres para que possamos efetivamente combater e, se possível, eliminar algumas delas. 

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É mais produtivo tomar o tempo para ouvir e considerar as questões apresentadas, do que imediatamente dispensar, ignorar, ridicularizar ou banalizar tais preocupações. O movimento conservador há muito debate as consequências não intencionais de uma variedade de políticas públicas; por que não aquelas relacionadas a questões femininas? Muitas vezes, as pessoas não consideram ou percebem a maneira pela qual ações aparentemente menores ou preconceitos inconscientes podem afetar a carreira ou as escolhas de uma mulher ou perpetuar expectativas de gênero desatualizadas. 

Feminismo necessário

Não precisamos renunciar ao termo “feminismo” e ceder o movimento à Esquerda. O conservadorismo precisa do feminismo porque as mulheres estão deixando o Partido Republicano, um fenômeno alarmante que está sendo amplamente ignorado. Apenas 23% das mulheres millenials se identificam como republicanas – menos do que os 36% em 2002. 

O conservadorismo precisa do feminismo porque, quando as mulheres em Hollywood formaram uma iniciativa anti-assédio, havia mais foco em zombar de mulheres por usarem vestidos pretos em prêmios do que em destacar o impressionante fundo de defesa legal da iniciativa para vítimas de assédio sexual. 

O conservadorismo precisa do feminismo porque, durante o debate sobre a punição penal para as mulheres que abortaram, não havia reconhecimento nacional da responsabilidade dos homens que as engravidam. São necessários dois para fazer um bebê, e não é segredo que muitos homens pressionaram as mulheres a fazer abortos e pagaram por esses procedimentos.

Nesses casos, esses pais não mereceriam ser legalmente penalizados também?

Não é segredo que muitos homens ameaçaram não se envolver na vida de uma criança e se recusaram a fornecer apoio à criança. Eles não são também responsáveis pelo bem-estar de seus filhos? Do partido da responsabilidade pessoal, onde está a exigência de também responsabilizar os homens? 

O conservadorismo precisa do feminismo porque, de todas as pessoas que tomaram o palco durante a Conferência de Ação Política Conservadora, apenas uma pessoa usou os holofotes para denunciar o tratamento a mulheres pelo presidente Donald Trump e pelo candidato republicano ao Senado Roy Moore (o primeiro tendo grosseiramente admitido em fita ter agarrado mulheres pelos órgãos genitais, e o último sendo plausivelmente acusado de atacar mulheres adolescentes). 

O conservadorismo precisa de feminismo porque aquela palestrante da CPAC foi vaiada e escoltada pela segurança para sua própria segurança – por causa das ações de pessoas da direita, que afirmam que apenas a esquerda grita ou reduz pontos de vista opostos. 

Por que nenhum outro palestrante considerou tão importante falar sobre os maus tratos às mulheres pelos republicanos quanto falar sobre os fracassos da esquerda? Por que os participantes pensaram que aquela palestrante merecia ser vaiada? Por que não há mais preocupação na direita sobre o fato de que alguns jovens conservadores parecem acreditar que conquistar vitórias políticas é mais importante do que tratar as mulheres com respeito? 

Essas são todas preocupações legítimas. 

O feminismo pode fortalecer o conservadorismo, assim como o conservadorismo pode fortalecer o feminismo apontando inconsistências no movimento feminista, como a forma como algumas autoproclamadas feministas criticam a aparência física ou a história sexual de uma mulher conservadora em vez de suas ideias, ou como a Marcha das Mulheres continua a ignorar o anti-semitismo. 

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Apesar de tais falhas no movimento feminista, entretanto, não devemos encarar o feminismo como desnecessário ou argumentar que ele não deveria existir. Em vez disso, devemos admitir que ele procura resolver problemas reais. Devemos criticar o feminismo moderno onde seus diagnósticos ou soluções estão errados, mas temos que nos engajar nas questões substantivas que ele levanta. 

Eu me identifico orgulhosamente como conservadora e votei no Partido Republicano em toda a minha vida até 2016. Mas o Partido Republicano está afastando as mulheres. Algo precisa mudar.

©2018 National Review. Publicado com permissão. Original em inglês.
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