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Em Borá, São Paulo, a Câmara de Vereadores custou aos 836 moradores  R$714 mil em 2018. Isto é, R$854,60 por habitante.
Em Borá, São Paulo, a Câmara de Vereadores custou aos 836 moradores R$714 mil em 2018. Isto é, R$854,60 por habitante.| Foto: Valter Campanato/ Agência Brasil

Motivo de revolta popular comum no debate público são os privilégios da classe política. Um deputado federal, por exemplo, recebe R$ 33.763 por mês, renda maior do que a de 99% dos brasileiros. Mas não apenas: eles ainda têm direito a auxílio-moradia de R$ 4.253 ou apartamento funcional, uma verba de R$ 101,9 mil para contratar até 25 funcionários, de R$ 30.788,66 a R$ 45.612,53 por mês para gastar com alimentação, aluguel de veículo e escritório, divulgação do mandato, entre outras despesas. Há ainda, como ajuda de custo para mudança, dois salários no primeiro e no último mês da legislatura, e ressarcimento de gastos médicos. Multiplicando pelos 513 integrantes da Câmara dos Deputados, tudo isso custa R$ 1,1 bilhão por ano aos pagadores de impostos.

Mas essa conta não é salgada apenas em Brasília. Levantamento de 2016 realizado pela Gazeta do Povo mostrou quanto cada morador de capital pagava anualmente para custear a Câmara de Vereadores de sua cidade. À época, cada morador de Palmas (TO) e Florianópolis (SC) precisava desembolsar mais de R$117 por ano para financiar o legislativo municipal. Belo Horizonte (MG), a um custo era R$ 95,56/ano; Rio de Janeiro (RJ), a um custo de R$93,83/ano e Recife (PE), R$86,74/ano, completavam as cinco câmaras de capitais mais caras per capita.

Como o Brasil tem mais de 57 mil vereadores, distribuídos por 5.570 municípios, o custo anual total é de mais de R$10 bilhões. Isso inclui gastos com salários, auxílios, verbas indenizatórias e outras mordomias. Tamanha despesa é superior, inclusive, ao PIB de algumas capitais brasileiras, como Macapá, Rio Branco, Boa Vista e Palmas.

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Proporcionalmente, porém, a conta é maior nas cidades menores. A despesa legislativa média per capita delas é 70% maior do que a das grandes. Segundo levantamento do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, as pequenas cidades do interior do estado custam mais caro para os habitantes. O melhor exemplo é a cidade de Borá, que tem apenas 836 moradores e custou, em 2018, R$714 mil, isto é, R$854,60 para cada habitante.

Dependência de repasses

Apenas 23% da receita dos pequenos municípios é própria, isto é, provenientes da arrecadação local. Ou seja: 77% da receita desses municípios vem de repasses estaduais e da União, tornando-os dependentes dos outros entes federativos. Apesar do peso no bolso dos pagadores de impostos, a fiscalização do trabalho dos vereadores em cidades de menor porte é dificultada. Em 2014, por exemplo, metade delas não tinha site que eleitores pudessem consultar para acompanhar os trabalhos.

Vale ressaltar que o fenômeno de municípios pequenos não vem de hoje, mas acentuou-se ao final da década de 1980 e início dos anos 2000. Em 1940, apenas 2% das cidades tinham menos de cinco mil habitantes. Já em 2000, esse número representava 24,10%. Atualmente, há 1.301 municípios com população inferior a esse patamar. Embora geralmente sejam regiões sem muitas perspectivas de desenvolvimento, cada uma dessas cidades precisa de uma estrutura burocrática e administrativa: além da prefeitura e das secretarias, demanda uma Câmara Municipal com no mínimo 9 vereadores — número fixado pela Constituição.

A situação é ainda mais grave porque um quinto dos 3.762 municípios que prestaram contas ao Tesouro Nacional em 2016 gastaram mais com seus legislativos do que arrecadaram como receita própria. Considerando-se que 1.807 municípios nem sequer prestaram contas, estima-se que a situação econômica seja ainda mais precária.

Como os custos administrativos para manter a estrutura legislativa superam o que os municípios conseguem arrecadar com impostos, incluindo IPTU, ITBI, ISS e demais taxas, a diferença acaba sendo custeada pelos pagadores de impostos do restante do país.

Entre as despesas com o legislativo municipal, destaca-se o pagamento de salários aos vereadores, que representa em média 38,7% das despesas totais. Nos municípios de até 50 mil habitantes, o percentual chega a 59%. A despeito de haver regras constitucionais para limitar essas despesas, elas não levam em conta apenas as receitas geradas pela própria prefeitura, mas também as transferências constitucionais. Segundo estudo da Confederação das Associações Comerciais e Empresariais do Brasil, se fossem consideradas apenas o montante arrecadado pela própria prefeitura, haveria uma economia de cerca de R$ 7,6 bilhões por ano.

De olho em cargos

Entre 1984 e 2000, surgiram 1.405 municípios no país, sendo 94,5% deles com menos de vinte mil habitantes. A maior parte deles foi criada depois da Constituição de 1988, que flexibilizou as regras para emancipação de municípios.

Além disso, o novo pacto federativo firmado aumentou as transferências financeiras que a União e os estados devem fazer, obrigatoriamente, aos municípios.  Da forma como é estruturado, o Fundo de Participação dos Municípios — responsável por quase metade do orçamento de todos os municípios do país — beneficia desproporcionalmente os que têm menos habitantes. Municípios com uma população de até cinco mil recebem muito mais do que uma cidade com população três vezes superior, por exemplo.

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De olho nas transferências da União e dos estados, além dos novos cargos que seriam criados com os novos municípios, criaram-se milhares de novas cidades no Brasil, uma medida sem qualquer relação com a busca por maior autonomia financeira para haver melhor desenvolvimento local. Somente com a Emenda Constitucional nº 15, de 1996, é que houve nova restrição às emancipações. Ela passou a exigir um Estudo de Viabilidade Municipal para que os municípios se emancipassem, restringindo a porteira para novas cidades.

De acordo com dados do Tesouro Nacional, em 2012, 87% da receita corrente dos municípios brasileiros advinha de transferências. Apenas 13% da receita era obtida por meio de tributos locais. No caso de municípios com até 15 mil habitantes, a importância das transferências sobe para 91%.

Santa Catarina é um exemplo dessa dependência: 87 dos 96 municípios criados após a Constituição de 1988 consomem R$ 1,1 bilhão por ano somente com a manutenção da máquina pública. Três décadas mais tarde, quase todos esses novos municípios ainda dependem do Fundo de Participação de Municípios. Não à toa, o Tribunal de Contas catarinense estuda medidas para tornar a gestão desses municípios mais sustentáveis. Entre as propostas consta a fusão de algumas das cidades menores.

Um sistema inviável

O sistema atual é evidentemente inviável. Muito dinheiro é direcionado para o desenvolvimento dessas pequenos municípios, mas todo esse dinheiro se perde nas máquinas públicas locais em vez de beneficiar a população local. Em 2016, por exemplo, apenas 6,8% do orçamento das cidades foi destinado a investimentos, enquanto a despesa média com pessoal nos municípios brasileiros chegou a 52,6%.

Como afirma o economista Marcos Mendes, enquanto isso ocorre, os municípios grandes perdem verbas que poderiam ser “capazes de enfrentar complexos problemas sociais que entravam o desenvolvimento econômico e social, como os congestionamentos de trânsito, a violência urbana, a proliferação de habitações em áreas de risco.”

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Vale ressaltar que a maior parte das prefeituras compromete mais de 50% de seus orçamentos com salário de funcionalismo e que 2.091 prefeituras brasileiras descumpriram em 2016 a Lei de Responsabilidade Fiscal, que estabelece um teto de 54% com gastos com o funcionalismo público. O descumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal poderia resultar em impeachment dos prefeitos.

O desperdício de dinheiro nessas máquinas municipais é um traço do subdesenvolvimento brasileiro. O principal problema do pacto federativo brasileiro é que só há autonomia a um ente federativo quando ele tem autonomia para arrecadar. Com a maior parte dos recursos centralizados na União, a autonomia dos estados e, principalmente, municípios é mitigada. Apesar do nome, a República Federativa do Brasil possui características que se assemelham mais a um Estado Unitário descentralizado politicamente.

Pensando nisso, o Ministro da Economia Paulo Guedes propõe um novo Pacto Federativo que proporcione mais recursos para estados e municípios. A medida seria bem-vinda, mas esbarra na grave situação fiscal da União, que perderia arrecadação.

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