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Grupos de direita e extrema-direita se apropriam de ícones dos quadrinhos e música eletrônica para criar estética que os identifica para além da ideologia.
Grupos de direita e extrema-direita se apropriam de ícones dos quadrinhos e música eletrônica para criar estética que os identifica para além da ideologia.| Foto: Reprodução

Um sapo com peruca das cores do arco-íris e nariz de palhaço se tornou o mais novo símbolo da extrema-direita dos Estados Unidos. Ele tem diferentes nomes, mas é mais conhecido como Clown Pepe, Honk Honk e Honkler. Costuma vir acompanhado da expressão “Clown World” (muitas vezes representada pelos emojis do palhaço e do globo terrestre) e, em diferentes fóruns, em especial o 4chan, muitas vezes é desenhado espancando negros ou operando câmaras de gás.

No contexto em que costuma ser utilizada, a expressão “mundo palhaço” faz referência a um cenário e que a supremacia branca masculina se vê ameaçada por judeus, mulheres, negros e esquerdistas. Uma onda semelhante chegou ao Brasil.

A peruca já foi explicada por participantes dos grupos como uma reapropriação de um símbolo tradicionalmente ligado aos gays. E o sapo em questão é Pepe, um personagem de quadrinhos criado em 2005 e que há anos foi apropriado por grupos neonazistas. Lançado em sua página no blog MySpace pelo cartunista Matt Furie, o sapo era um dos quatro personagens da série de quadrinhos Boy's Club, publicada até 2010.

Ele chegou a ser utilizado em vídeos de artistas pop, como a cantora Katy Perry, até ser transformado num meme típico do neonazismo. Em 2017, Furie anunciou a morte de Pepe, alegando que não podia aceitar, nem controlar, a transformação do sapo num meme que representa ideais tão extremos.

“O sapo Pepe passou por tantas apropriações que deixou de ser do autor original e passou a ser de quem se apropriou dele. É um processo antigo, que só foi acelerado pela internet. A suástica, por exemplo, era um símbolo de outra cultura, de outra civilização que não a Alemanha dos anos 1930, mas foi apropriada”, afirma Francisco Cruz, doutor e mestre em Filosofia e Teoria Geral do Direito na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FDUSP) e diretor do InternetLab, um centro independente de pesquisa interdisciplinar focado em direitos humanos e internet.

No Brasil, Pepe não é popular, ainda que seja citado por algumas contas de Twitter ligadas à direita.

Mas alguns grupos vêm adotando a imagem do palhaço. Conhecido pela série de vídeos Não Tenhais Medo, o grupo Brasileirinhos, por exemplo, já produziu diferentes vídeos com palhaços. E eles não são os únicos. Algumas dessas páginas adotam não só o palhaço, mas também toda uma estética completa, muito mais ampla, inspirada no movimento vaporwave. O palhaço também está presente em algumas manifestações de rua. “Há grupos de videoartistas de direita que trafegam com uma sofisticação de conteúdo que é muito inovadora. Eles dialogam com o que existe de mais avançado no audiovisual brasileiro”, diz Francisco Carvalho de Brito Cruz.

Neon e estátuas gregas

O assessor especial da presidência Filipe Martins e o ministro da educação Abraham Weintraub não têm nenhuma relação com grupos de extrema direita, nem com palhaços ou o sapo Pepe. Mas eles também aderiram ao vaporwave. Assim como aconteceu com Donald Trump nos Estados Unidos, cujos discursos são utilizados como base para novas músicas seguindo o estilo vaporwave, esse movimento cultural, surgido e disseminado na Internet no início desta década, vem sendo apropriado por grupos políticos de direita.

Surgido como um ramo da música eletrônica caracterizado pelo uso de colagens de canções populares, o vaporwave se apoia em imagens típicas dos anos 1980 e 1990, com painéis de neon e imagens com interferências no sinal que lembram TVs e videocassetes antigos.

Desde 2016, grupos de extrema-direita americanos passaram a utilizar esse tipo de imagem, somando a ela ícones mais antigos, como estátuas gregas e expressões em latim. Em sua versão mais radical, o vaporwave chegou a ser batizado de fashwave, sendo “fash” uma referência ao fascismo. Nos Estados Unidos e na Europa, montagens defendendo ideais nazistas utilizando essa estética são comuns.

No Brasil, a adesão ao vaporwave entre políticos ligados ao presidente Jair Bolsonaro é mais recente e vem substituindo as tradicionais imagens de camisas da seleção e bandeiras do Brasil.

Em post datado de junho, o filho do presidente e vereador do Rio de Janeiro Carlos Bolsonaro provocava com uma pergunta: “O que é vaporwave?” A conta de Twitter Pavão Misterioso, que provocou polêmica em julho ao divulgar supostos trechos de conversas hackeadas supostamente envolvendo o jornalista Glenn Greenwald, também utiliza imagens em tons neon.

Estética modernizada

O vaporwave surgiu como uma crítica ao capitalismo e os discos eram lançados por artistas utilizando pseudônimos e ironizando o mercado cultural de três décadas atrás. Desde que se tornou um símbolo da direita, sua estética futurista retrô vem modernizando a linguagem visual dos grupos políticos.

“É como pegar as memórias fragmentárias de um millenial no começo do capitalismo digital e globalista dos anos 90 e transferir tudo isso em alta definição para uma TV widescreen em Tóquio”, define, em artigo sobre o assunto, o pesquisador de linguagem clássica da Universidade de Amsterdã Jip Lemmens. A adoção deste estilo, diz ele, resume a capacidade da direita alternativa em “assumir a estética da contracultura, da transgressão e da não-conformidade”. Ao assumir essas bandeiras, afirma o pesquisador, a direita “transforma o imaginário clássico”.

Para o diretor do InternetLab, a adoção do vaporwave exemplifica o surgimento de um grupo de direita que, em suas palavras, “é acoplado à dinâmica digital, que se apoia, em parte, sobre os memes. É uma direita contracultural, que deixa de lado a ideia de respeitar muitas regras estéticas”.

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