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Da peste bubônica ao ebola: a história das doenças que assombram a humanidade
| Foto: Baztan Lacasa Jose

As epidemias e pandemias têm sido companheiras fiéis da humanidade desde tempos imemoriais. A partir do momento em que o ser humano começou a se reunir em grupos que conviviam em espaços reduzidos, o aparecimento de qualquer tipo de bactéria ou vírus nocivo rapidamente se espalhava, causando resultados devastadores.

A primeira epidemia sobre a qual existem registros históricos contemporâneos foi a chamada Praga (ou Peste) de Atenas, que atingiu a atual capital grega no verão de 430 a.C. As duas principais cidades-Estado do mundo grego, Atenas e Esparta, estavam envolvidas num sangrento conflito que conhecemos como Guerra do Peloponeso e a população ateniense estava refugiada do cerco imposto pelos soldados espartanos dentro das Longas Muralhas, construídas logo no início do conflito para ligar a cidade ao porto do Pireu.

De acordo com a principal fonte sobre a doença, o historiador Tucídides, que também foi infectado por ela, a epidemia começou na região do porto e logo se alastrou de maneira catastrófica, infectando entre 25 e 35% da população ateniense. Segundo Tucídides, só um pelotão de 4 mil hoplitas (soldados da infantaria) perdeu 1.050 homens para a doença.

A epidemia não fez distinção entre ricos ou pobres, poderosos ou anônimos. O célebre político Péricles, uma das mais importantes figuras do período clássico ateniense, foi uma das vítimas. Seus inimigos o acusaram de ter agravado a situação ao permitir que habitantes das regiões rurais que circundavam a cidade fossem acolhidos dentro das muralhas.

Até hoje não se sabe qual foi a doença que causou tantas mortes. Entre as alternativas estão a febre tifoide, varíola ou até sarampo, já que os doentes não apresentavam as marcas características de outras doenças infecciosas como a peste bubônica. De acordo com a descrição de Tucídides:

“pessoas perfeitamente saudáveis foram rapidamente atacadas por ondas de calor intenso em suas cabeças e uma inflamação nos olhos, na língua e na garganta que logo passavam a expelir sangue e emitir um odor fétido. (...) Logo pequenas pústulas e úlceras tomavam conta do corpo e os pacientes sofriam de um calor tão intenso que não suportavam serem cobertos pelo mais leve dos tecidos, tendo que ficar completamente nus (...). Logo se seguia uma diarreia violenta, que lhes dava uma fraqueza que geralmente acaba sendo fatal”.

Tucídides também falou do impacto que a doença teve sobre a moral do até então civilizado povo ateniense:

“Os homens agora se aventuravam a fazer em público o que até então faziam escondidos num canto, (...) gastando e se divertindo, encarando suas vidas e riquezas como algo trivial. A busca pela honra deixou de ser algo popular, (...) e o medo dos deuses ou da lei deixou de ser um empecilho para qualquer um. Todos tinham certeza que uma sentença terrível pairava sobre suas cabeças, e passaram a achar razoável então tentar aproveitar um pouco a vida”.

A parca medicina da época, embora avançada para os padrões da Antiguidade, de nada adiantou contra a força da epidemia. Os rituais dedicados a Asclépio, deus da cura, também foram inúteis. Os mortos eram empilhados nas ruas até que seus corpos fossem jogados em piras coletivas.

Muitos acreditavam que os espartanos tinham envenenado as fontes de água da cidade. Depois de diversos surtos nos anos seguintes, a doença acabou perdendo força e desapareceu, não sem antes enfraquecer de maneira irreversível Atenas, que acabou por perder a guerra e transformar Esparta na nova potência do mundo grego.

Pestes romanas

A malária sempre foi uma doença frequente na Roma Antiga. A própria Roma foi fundada sobre montes que cercavam uma região pantanosa infestada por mosquitos. O pântano mais tarde foi drenado para a construção do Fórum. Durante o período do quente verão italiano, por volta de julho, surtos de malária eram bastante comuns por toda a península. A doença reduzia drasticamente a expectativa de vida da população e aumentava os níveis de mortalidade. As mulheres grávidas eram especialmente vulneráveis aos surtos de malária.

Mas por volta de 165 d.C. uma nova ameaça muito mais séria foi trazida para o centro do Império por soldados que retornaram de uma campanha na região da Mesopotâmia: uma epidemia que se alastrou de maneira devastadora e que é conhecida hoje em dia como Peste Antonina. Ela durou por volta de quinze anos, depois de se alastrar por diversas províncias. E estima-se que 10% da população do Império Romano, cerca de cinco milhões de pessoas, tenha morrido graças a ela.

Os principais relatos sobre seus efeitos e consequências foram feitos pelo médico greco-romano Galeno, contemporâneo da epidemia. A hipótese mais provável é que a doença responsável por essa mortandade tenha sido a varíola. Curiosamente, a velocidade da disseminação da doença se deveu ao relativo estado de paz vivido pelo Império e pela sua organização logística, com uma rede comercial intensa e estradas que ligavam, com uma rapidez sem precedentes, todas as grandes cidades.

Num só dia 2 mil pessoas teriam morrido em Roma, no ano de 189. Como era comum na Antiguidade, atribuía-se uma causa divina à doença. Dizia-se, por exemplo, que a fúria dos deuses se abateu sobre a população depois que soldados romanos profanaram um templo de Apolo durante a campanha na Mesopotâmia.

Os médicos da época acreditavam que a doença era causada por um desequilíbrio nos quatro “humores” presentes no organismo humano: o sangue, a fleuma, a bile negra e a bile amarela. Pela descrição que Galeno faz dos sintomas, tudo leva a crer que a doença era a varíola: depois do surgimento de pústulas negras que coçavam, vinha a diarreia, febre e mau hálito, ocasionando a morte depois de nove a doze dias de intensa agonia.

O imperador Marco Aurélio, da família dos Antoninos (que deu nome à epidemia), ordenou que rituais de purificação fossem realizados em Roma e que os mortos fossem levados para o mais longe possível das cidades. Quem tinha condições financeiras fugiu dos centros urbanos, procurando refúgio em áreas rurais. Muitos médicos recomendavam banhos frequentes, o que talvez tenha colaborado para o aumento da contaminação, uma vez que os banhos eram coletivos.

O Império Romano, então em seu auge, nunca se recuperou totalmente do impacto social e econômico causado por essa epidemia. Ela pôs um fim à chamada Pax Romana, um período de paz e domínio hegemônico dos romanos ao redor do Mediterrâneo, e enfraqueceu de tal modo o poderio militar do Império que o deixou vulnerável a ataques dos povos bárbaros que o cercavam.

Cerca de 100 anos depois da queda de Roma, uma nova epidemia voltou a se espalhar por todo o Mediterrâneo. Ela apareceu no Egito, de onde migrou para a Palestina e, de lá, para a Europa e o resto do Norte da África. Ficou conhecida como Praga de Justiniano, em uma “homenagem” ao então imperador bizantino.

O próprio Justiniano, juntamente com diversos membros de sua corte, contraiu a doença, embora tenha conseguido se curar. Estima-se que a praga perdurou por dois séculos, com surtos intermitentes. O Império Bizantino, então em seu auge, controlando um território que se estendia do Oriente Médio até a Europa Ocidental, nunca mais se recuperou totalmente.

Entre as testemunhas oculares que deixaram relatos dessa que talvez tenha sido a primeira pandemia da história estão o jurista Procópio e o historiador João de Éfeso, que relatam números chocantes, como a morte de cinco e até dez mil pessoas em um só dia na capital do Império. A Praga de Justiniano foi o primeiro surto de peste bubônica a atingir o Ocidente, trazida por ratos picados por pulgas infectadas com a bactéria Yersinia pestis. Mais uma vez, entre os fatores que permitiram a disseminação rápida estão o nível de intensa atividade comercial e a relativa prosperidade do Império na época.

Já devidamente cristianizados, os bizantinos (que ainda se descreviam como romanos, apesar de terem perdido a Cidade Eterna havia séculos) só conseguiam descrever a causa da epidemia como um ato de fúria divina pelos pecados da humanidade. Relatos fantásticos de dragões e serpentes gigantes aparecendo junto com os surtos pipocavam por todo o Império. Os doentes eram acometidos por uma alta febre, combinada com o aparecimento dos chamados bubos, inchaços na virilha, axilas e atrás das orelhas. Eles rapidamente entravam num estado de delírio ou coma, seguido de morte.

De acordo com o relato de João de Éfeso, “mulheres nobres e castas (...) que antes sentavam-se em seus aposentos agora jazem com suas bocas abertas e inchadas em pilhas terríveis, vítimas de todas as idades, estaturas e classes sociais, prostradas e jogadas umas sobre as outras, num único lagar da ira de Deus, como bestas fossem, e não mais seres humanos.” Os corpos eram largados nas ruas para serem devorados pelos cães e o cheiro dos cadáveres dominava o ar das grandes cidades. Lojas e negócios fecharam, as lavouras foram abandonadas e as colheitas apodreceram.

Tropas islâmicas aproveitaram-se do momento de fraqueza vivido pelos bizantinos e conquistaram uma série de territórios até então tidos como “romanos”, iniciando seu período de expansão.

Nos séculos que se seguiram, diversas epidemias atingiram a humanidade de maneira mais localizada. O Japão foi atingido por um surto especialmente grave de varíola entre 735 e 737. A doença matou um terço de sua população e deixou o país numa situação de penúria econômica da qual só conseguiria se recuperar no século XIII. E, entre o ano 1000 e meados do século XIV, a lepra se espalhou pela Europa, forçando a construção de inúmeros leprosários por todo o continente.

Mas nada poderia preparar a humanidade para o que estava prestes a atingi-la.

Peste Negra: a mais temível de todas

A segunda grande praga mundial causada pela Yersinia pestis foi trazida para o seio da Europa Ocidental novamente pelos ratos. Foi a Peste Negra, talvez um dos eventos mais decisivos em toda a história humana. Seu primeiro registro ocorreu em 1346, na região da atual Rússia, entre os rios Don e Volga, dominada então pelos mongóis da Horda Dourada. De lá, ela se espalhou para o Oriente Médio e Constantinopla, de onde foi levada em navios para a Grécia e Itália. Dois anos mais tarde ela já tinha se espalhado por todo o mundo mediterrâneo e avançava sem qualquer controle pelo interior da Europa e África do Norte. Em 1350, ela atingiu toda a Europa e logo completou o ciclo, voltando à Rússia.

Estudos atuais indicam que sua taxa de mortalidade, talvez a maior da história, possa ter atingido os 60%, com ligeiras variações entre diferentes grupos socioeconômicos e de país para país. Cerca de 50 milhões de europeus teriam morrido entre 1346 e 1353. De acordo com o autor italiano Giovanni Boccaccio, que escreveu o seu Decamerão com base nos efeitos devastadores da pandemia, “já no começo da primavera a peste começou, de uma maneira assustadora e extraordinária, a deixar aparente seus efeitos devastadores. (...) Todas as recomendações dos médicos e todo o poder da medicina eram inúteis e vãos (...). Poucos que a contraíam conseguiam se recuperar e na maioria dos casos a morte ocorria em até três dias”.

Alguns contemporâneos notaram que a doença se espalhava mais facilmente com o calor e o frio aparentemente tinha o poder de frear sua disseminação. Atingindo tanto a Europa quanto o Mundo Islâmico em diversas ondas, o último registro da Peste Negra na Europa Ocidental foi em 1722, enquanto o Egito registrou casos até 1844.

Suas consequências, assim como a de outras epidemias e pandemias que a precederam, foram inevitáveis e profundas. Acredita-se que o fim do sistema feudal que dominava a economia europeia até então se deva em grande parte ao efeito devastador que a doença teve sobre a população. A mão de obra tornou-se mais escassa e cara e os poucos trabalhadores que restaram tinham acesso a alimentos de melhor qualidade, o que contribuiu para as inovações tecnológicas que moldariam os séculos seguintes.

O último suspiro da Peste Negra em Londres, durante o verão excepcionalmente quente de 1665, causou a morte de 100 mil pessoas, cerca de 15% de sua população. Em 1720, um navio atracou em Marselha, na França, trazendo mercadorias do leste do Mediterrâneo. Apesar da quarentena a que a embarcação foi submetida, os ratos que vieram junto com ela trouxeram consigo mais uma dose de peste, que dizimou cerca de 30% da população. Algumas décadas mais tarde, foi a vez de a capital russa ser atingida pela epidemia. Moscovitas se revoltaram por toda a cidade, e o arcebispo Ambrósio, que tentou evitar que a população se reunisse para orar nas igrejas, foi linchado. A imperatriz Catarina, a Grande, ordenou que todas as fábricas de Moscou fossem transferidas para outras cidades. Entre vítimas da doença e dos distúrbios populares, estima-se que 100 mil pessoas tenham morrido.

Novo Mundo

Com a chegada dos europeus na América, no século XVI, toda uma população que nunca tinha entrado em contato com qualquer uma dessas doenças foi dizimada. Mais pessoas morreram por causa de epidemias do que pelas armas de fogo trazidas por espanhóis, portugueses e ingleses para o Novo Mundo.

A “cocoliztli”, termo usado pelos astecas para designar uma “peste”, foi uma febre hemorrágica viral que dizimou 15 milhões de habitantes por todo o México e América Central. Graças a essa arma química, as reduzidas e cansadas tropas de Cortez puderam derrotar a maior potência militar de todo o continente americano à época e Pizarro pôde colocar o poderoso Tawantisuyu, o gigantesco império dos incas, de joelhos.

Estimativas chegam a colocar em 90% o número de indígenas afetados pelos vírus e bactérias trazidos pelos recém-chegados.

Nos Estados Unidos, em meio à agitação que antecedia os preparativos para a declaração de independência do país, em 1793, uma epidemia de febre amarela atingiu com tudo a capital da época, Filadélfia. Escravos negros, que por algum motivo eram considerados imunes à doença, foram escalados para cuidar dos enfermos, agravando ainda mais a situação. O verão excepcionalmente quente daquele ano favoreceu a proliferação de mosquitos e só no inverno é que a epidemia se extinguiu – não sem antes levar consigo mais de 5 mil pessoas.

Tempos modernos

A Revolução Industrial trouxe consigo um aumento no transporte e no comércio ao redor do mundo – e, com essas melhorias, maiores e mais rápidos canais para a disseminação de vírus e bactérias.

Uma epidemia de gripe no fim do século XIX matou um milhão de pessoas em apenas cinco semanas por todo o mundo. Em 1916, uma epidemia de poliomielite chegou a Nova York com a enxurrada de imigrantes vindos de todas as partes do mundo e se espalhou pelo país. Seis mil pessoas morreram e outras 27 mil foram contaminadas, entre elas o futuro presidente Franklin Delano Roosevelt.

Dois anos mais tarde, o mundo seria golpeado duramente por aquela que talvez tenha sido a pandemia mais devastadora da história: a gripe espanhola.

Em 1957 o mundo entrou em contato pela primeira vez com uma das ameaças mais graves do século XX: a gripe aviária. Seu primeiro registro foi em Cingapura. No verão daquele ano, ela já tinha se espalhado para o Ocidente. Mais de um milhão de pessoas foram vitimados por essa nova pandemia, originada do contato humano com aves domésticas, como galinhas.

No fim do século XX, surgiu uma nova e misteriosa ameaça: a AIDS. Seu primeiro registro foi identificado numa amostra de sangue coletada de um homem que morreu em Kinshasa, na atual República Democrática do Congo. Acredita-se que ela tenha se originado de macacos, mais especificamente chimpanzés, que foram consumidos por habitantes da região durante a década de 1920. Posteriormente, a doença teria se espalhado por meio do contato sexual com prostitutas.

Diversos haitianos trabalhavam como profissionais de medicina à época na então-colônia europeia africana. Eles levaram consigo o vírus para sua terra natal e, de lá, para os Estados Unidos. Já na década de 1970 havia registros de diversas mortes de homossexuais, hemofílicos e usuários de drogas injetáveis das grandes cidades americanas. Mas só na década de 1980 é que o vírus HIV foi isolado e identificado pelos cientistas e a doença entrou definitivamente para a bibliografia médica com o nome de “Síndrome de Imunodeficiência Adquirida”.

Século XXI

Já na primeira década do século XXI, uma nova e assustadora pandemia atingiu de maneira contundente o mundo: a gripe suína. Ela teve origem no México, na primavera de 2009, e de lá se espalhou pelo mundo, infectando cerca de 1,4 bilhão de pessoas e matando 500 mil, de acordo com o Centro para Prevenção e Controle de Doenças dos Estados Unidos.

Na década seguinte, outra ameaça veio da África. Entre 2014 e 2016, a febre hemorrágica conhecida popularmente como ebola devastou toda a região ocidental do continente, causando mais de 11 mil mortes entre 28.600 casos registrados. O ebola talvez tenha sido uma das epidemias mais assustadoras deste século por conta de seus sintomas assustadores, entre eles hemorragias intensas e dores lancinantes, além da altíssima taxa de mortalidade.

Na mesma época, os mesmos mosquitos Aedes que vêm causando epidemias recorrentes de dengue e febre amarela por toda a América Latina trouxeram mais uma ameaça à saúde humana: a Zika. A maior ameaça desse vírus, mais que no contágio entre adultos, está nas mulheres grávidas, cujos bebês podem nascer com malformações graves. Até agora não existe vacina ou cura para a doença.

Por fim, hoje em dia nos deparamos com o novo coronavírus e sua Covid-19. Analisando esse desagradável rastro de morte, é possível prever que, depois desta, haverá outras pandemias tão ou mais perigosas. Como diria Camus: “Mas que vem a ser a peste? É a vida, nada mais”.

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