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Paul Volcker: o ex-presidente do Banco Central  dos EUA morreu no domingo (8), aos 92 anos. Ele foi fundamental no controle da inflação nos anos 1970.
Paul Volcker: o ex-presidente do Banco Central dos EUA morreu no domingo (8), aos 92 anos. Ele foi fundamental no controle da inflação nos anos 1970.| Foto: AFP

Paul Volcker, que morreu no domingo (8), aos 92, se elevava, física e metaforicamente, sobre seus contemporâneos. Com dois metros de altura, ele era sempre a pessoa mais alta da sala. Volcker também estava entre aqueles poucos homens que, já no fim dos anos 1970, deram início a uma era de 40 anos de políticas financeiras e monetárias no Ocidente. Volcker tornou o mundo mais seguro para as finanças da era pós-industrial – um mercado financeiro que deixou de se sujeitar à disciplina do mercado e que, desde então, sujeitou o mundo a níveis perigosos de déficit.

Volcker se tornou presidente do Federal Reserve [o Banco Central dos EUA] em 1979, nomeado pelo presidente Jimmy Carter. O maior desafio do país na época era a inflação. Depois de permanecer abaixo dos 2% anuais ao longo do pós-guerra, a taxa de inflação chegou aos 3% em 1966 e, em meados dos anos 1970, alcançou dois dígitos. Em 1979, a inflação era de 11%.

A inflação deixa a economia toda confusa. Ela aumenta os custos de endividamento porque os bancos exigem compensação pelo fato de esperarem que o pagamento da dívida será feito com dólares que valem menos. Como as empresas e indivíduos podem planejar suas vidas se sabem que tudo o que for comprado ou produzido a um certo valor hoje valerá menos da metade em cinco anos se a inflação continuar alta?

Na coletiva de imprensa anunciando a nomeação de Volcker, Carter disse que escolhera o então presidente do Banco Central de Nova York porque “ele compartilha da minha determinação em vencer a batalha contra a inflação”. No mesmo evento, Volcker reforçou sua postura quanto ao assunto, indicando que se colocaria firmemente contra o crédito fácil, mesmo que a economia perdesse força, dizendo que “não dá para tornar a economia mais dinâmica provocando uma recessão”.

Carter não imagina o zelo com que Volcker encararia sua missão. Em janeiro de 1981, o Fed presidido por Volcker tinha aumentado a taxa básica de juros dos Estados Unidos, com base na qual os bancos emprestam dinheiro do Banco Central, para 19%, reduzindo imensamente a oferta de crédito. (Até meados dos anos 1970, quando o antecessor de Volcker tentou alcançar o mesmo objetivo, essa taxa jamais ultrapassou os 9%).

Grupos de interesse poderosos como a indústria da construção civil, bem como os cidadãos comuns, não entendiam direito por que a cura para o problema parecia pior do que a doença depois que as taxas de juros cada vez maiores retardaram a economia e aumentaram o desemprego. A taxa de desemprego foi de 6% em 1979 para 8% às vésperas da eleição de 1980. A teimosia de Volcker diante da opinião pública contribuiu para que Carter perdesse a eleição, como o ex-presidente reconheceu tangencialmente.

Mas a estratégia deu certo, ainda que lentamente. Em 1983, a taxa de inflação era de 3% e nunca ultrapassou os 6% desde então. (O Fed tem conseguido mantê-la abaixo dos 2%). O desemprego alcançou sua máxima em 1982 e depois caiu. Apesar das recessões cíclicas, Volcker estabeleceu as bases econômicas para os anos 1980, 1990 e 2000: preços estáveis que ajudaram a dar às empresas e lares a confiança necessária para que eles tomassem decisões de longo prazo.

A estabilidade dos preços, em outras palavras, gerava estabilidade — mas, como disse certa vez o economista Hyman Minsky, estabilidade provoca instabilidade. Os preços mais estáveis permitiram que o sistema financeiro emprestasse dinheiro sem se preocupar – e foi o que ele fez. Em 1980, os Estados Unidos – seu governo, povo e empresas — deviam US$4,1 trilhões. Hoje o país deve US$53 trilhões. Em comparação com o aumento da inflação, população e produtividade, é um endividamento e tanto.

"Grandes demais para fracassarem"

Volcker não pode ser culpado por ter mantido os preços estáveis; ninguém sugere que tentássemos conter o endividamento mantendo a taxa de inflação alta. Mas Volcker é, sim, responsável por outra mudança importante nos anos 1980: a criação de instituições financeiras “grandes demais para fracassarem”. Em 1984, o Continental Illinois, então oitavo maior banco do país, estava prestes a falir por causa da decisão imprudente de seus executivos de usarem investidores internacionais de curto prazo que tiraram o dinheiro do banco ao menor sinal de crise. Volcker foi fundamental para ajudar a conseguir uma ajuda de US$4,5 bilhões para salvar o banco.

Desde a Grande Depressão, o governo ajudou vários pequenos bancos de investimento, mas nunca tinha ajudado nenhuma instituição de grande porte. O acordo do Continental Illinois foi a primeira vez na história moderna que Washington protegeu grandes investidores supostamente sofisticados que investiram num grande banco e que sofreriam perdas se o banco falisse. Volcker insistiu para o Congresso que o resgate teve precedentes. Mas o então secretário do tesouro Donald Regan disse acertadamente: “Acreditamos que essa seja uma péssima política pública (...) que representa um aumento não autorizado das garantias federais, em contraposição à política do Poder Executivo”, alertou.

O resgate do Continental se transformaria no modelo para as duas décadas e meia seguintes. Com os grandes bancos e seus investidores cada vez mais alheios às incertezas do livre mercado, eles cresceram ainda mais, assumindo cada vez mais riscos. Essa estratégia atingiu seu ápice no outono de 2008, quando o Citigroup e o Bank of America receberam uma ajuda governamental extraordinária.

Volcker se sentiu incomodado com os mamutes do sistema financeiro que começaram a surgir depois do caso do Continental Illinois. Em 1987, pouco antes de deixar o Fed, ele votou contra o relaxamento das regras de separação do sistema de bancos comerciais e do sistema bancos de investimento, tendência que se manteve até 1999, quando o presidente Clinton e o Congresso revogaram a Glass-Steagall, da era da Depressão, que separavam os dois tipos de empreendimento.

Depois da crise financeira de 2008, Volcker ajudou a convencer o presidente Barack Obama e o Congresso a aprovarem algo que Obama batizou de “a Regra Volcker”, que pretendia diminuir os riscos que as instituições financeiras podiam assumir usando suas garantias públicas. Mas a regra aprovada pelo Congresso é muito mais abrangente do que Volcker pretendia, e o maior problema para as instituições financeiras continua sendo as garantias, que ainda vão muito além do depósito compulsório para os pequenos bancos de varejo.

Paul Volcker foi o primeiro presidente do Federal Reserve a ficar famoso pelo cargo que ocupou. Ou alguém de fora da universidade é capaz de citar seus antecessores? Depois de Volcker veio Alan Greenspan, talvez ainda mais famoso. Hoje, porém, as pessoas que ocupam os altos escalões do Fed voltaram a ser personagens algo obscuros: Jay Powell, o atual presidente, e sua antecessora, Janet Yellen, não chegam a ser estrelas do rock. Eles se reconheceram, contudo, não porque o Fed deixou de chamar a atenção do público, como era antes de Volcker, e sim porque ele fez coisas demais: com as taxas de juros próximas a 0 na última década e prestes a alcançar a mínima histórica agora, elas há muito tempo chegaram ao limite do que as políticas tradicionais do Fed são capazes de fazer. Assim como o crédito fácil ajudou a causar a inflação de bens e serviços que assolaram os anos 1970, o crédito fácil da última década permitiu a geração do déficit que alimentou a inflação no preço de ativos – imóveis, ações e títulos – que pode dar início à nova crise.

O legado mais durador de Volcker é seu exemplo de independência. Mesmo quando isso significava segurar a economia no curto prazo, sob Carter e Reagan o Fed de Volcker manteve a coragem de suas convicções. Na última década de vida, Volcker usou sua reputação de homem íntegro e sábio para chamar a atenção para outros problemas financeiros, econômicos e fiscais. Sua Aliança Volcker demonstrou não apenas riscos sistêmicos no sistema financeiro, mas também problemas de orçamento nos estados e municípios e ainda dificuldades de se investir sabiamente na infraestrutura nacional.

Pessoalmente, Volcker era gentil e inteligente, preferindo ouvir a falar e, quando falava, fazia comentários pontuados por um humor autodepreciativo. A última vez que o vi não foi durante uma entrevista ou um num jantar privado – eu tinha esses privilégios — e sim na Quinta Avenida, onde, há alguns anos, ele caminhava sozinho pela calçada, a cabeça e os ombros acima de todo mundo.

Nicole Gelinas é colaboradora do City Journal e membro do Manhattan Institute.

© 2019 City Journal. Publicado com permissão. Original em inglês
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