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Estátua de Dom Pelágio em Covadonga, nas Astúrias
Estátua de Dom Pelágio em Covadonga, nas Astúrias| Foto: BigStock

O Brasil só existe por causa de Portugal. Portugal só existe por causa da Reconquista Ibérica. E a Reconquista Ibérica começou pela ousadia de um nobre praticamente esquecido fora da Espanha: Pelágio das Astúrias. Além da importância histórica, a batalha mais famosa liderada por ele, diante de um exército inimigo muito mais numeroso, ficou marcada como um episódio de heroísmo comparável ao dos famosos 300 de Esparta.

Em 711, mouros (originários do norte da África) haviam conseguido ingressar na Península Ibérica, na trágica batalha de Guadalete. Por meio da força, mas também da cooptação e da hábil exploração das rivalidades locais entre cristãos, eles haviam avançado tão rapidamente que, menos de dez anos depois, restava apenas uma estreita faixa de terra ao norte sob o comando de tropas cristãs rebeldes. Em uma região pouco habitada e de difícil acesso, elas obedeciam ao comando de Dom Pelágio, ou Pelágio das Astúrias.

Batalha de Covadonga

A Batalha de Covadonga, que eternizou Pelágio e seus soldados, ocorreu por volta do ano de 720. Os mouros enviaram inicialmente um pequeno grupamento ao local, em meio às íngremes montanhas das Astúrias. A ofensiva foi repelida pelos cristãos. Além da valentia, o grupo de Pelágio tinha como vantagem o fato de estarem em uma posição mais elevada, e protegidos por uma espécie de gruta (a Covadonga que dá nome à batalha).

O comandante muçulmano Alcama decidiu, então, mandar uma força na casa dos milhares de homens (embora o número exato até hoje seja debatido). Antes, os relatos da época dão conta de que ele ofereceu uma última oportunidade de rendição. O mensageiro era Oppas, um bispo católico àquela altura já cooptado pelos muçulmanos. Ele afirma que seria loucura resistir — já que todo o restante da Espanha não tinha sido capaz de fazer frente aos invasores. Rendendo-se, disse ele, Pelágio teria uma vida relativamente pacífica sob o comando dos mouros.

Mas o chefe da resistência não aceitou. O relato mais antigo sobre a batalha afirma que ele respondeu citando a Bíblia ao bispo: “Não lestes nas Sagradas Escrituras que a Igreja do Senhor chegará a ser como o grão de mostarda e crescerá de novo para a glória de Deus?  Cristo é nossa esperança: que por este pequeno morro que vês seja a Espanha salva e restituído o exército dos godos.” Os godos eram o povo que dominava a maior parte da Península Ibérica antes da chegada dos muçulmanos.

Diante da negativa de Pelágio, os homens de Alcama atacaram. E foram superados pelas flechas dos soldados de Pelágio. Conforme recuavam, os mouros também eram atacados com pedras por moradores da região, que viam uma oportunidade de vitória pela primeira vez. A desproporção dos números e a vitória improvável lembra o episódio dos 300 de Esparta. A tradição também fala em uma intervenção miraculosa de Nossa Senhora — hoje, Covadonga abriga um santuário dedicado a ela.

Início da Reconquista

Pelo relato muçulmano, atribuído ao historiador medieval Ahmed Mohamed al-Maqqari, havia de fato 300 soldados cristãos em Covadonga — a "única rocha" que havia sobrado depois que os muçulmanos conquistaram as regiões de Pamplona e da Galícia. Mas, de acordo com esta versão, o resultado do embate foi ainda mais dramático: os muçulmanos fracassaram, mas, do outro lado, teriam sobrado apenas 30 homens e dez mulheres na caverna de Covadonga, que se alimentavam apenas do mel deixado pelas abelhas em uma fenda na rocha. Ainda segundo o relato islâmico, os invasores desistiram de perseguir o pequeno grupo dizendo: "Trinta asnos selvagens, que dano eles podem fazer a nós?"

Mas as notícias da vitória se espalharam e surgiram outros focos de resistência no norte da Espanha. Pelágio se consolidou como o Rei das Astúrias. Era o início da Reconquista, um longo e árduo processo que ao fim terminaria com a expulsão dos mouros da Península Ibérica.

Nascimento de Portugal

Foi exatamente neste processo que Portugal, até então uma região dentro da Espanha, surgiu — primeiro como o Condado Portocalense, em 868 e, em 1143, como um reino independente liderado por Afonso Henriques, que combateu tanto os mouros quanto os espanhóis para obter a autonomia portuguesa. Em pouco tempo, portugueses e espanhóis fizeram um acordo de paz. As batalhas pela Reconquista continuaram. Lisboa, por exemplo, só foi tomada dos mouros em 1147.

As marcas desse período são tão profundas que até hoje, em cidades do interior do país como Pirenópolis (GO), é possível assistir à celebração anual da Cavalhada, que reencena a batalha entre cristãos e mouros. A Reconquista completa só se daria em janeiro de 1492, quando o líder muçulmano Boadbil entregou a cidade de Granada à Rainha Isabel. Não por acaso, naquele mesmo ano Cristóvão Colombo descobriu a América. Tendo se livrado do inimigo interno, os reinos ibéricos podiam se lançar ao mar e explorar outros territórios. O Descobrimento do Brasil, de certa forma, começou, como um grão de mostarda, nas montanhas das Astúrias, com Pelágio e seu pequeno bando.

Atualização

A cidade famosa pela Cavalhada é Pirenópolis (GO), não Goiás Velho, como afirmava a reportagem.

Atualizado em 05/05/2021 às 10:23
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