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Celebrada contratualmente entre idosos e instituições financeiras, a hipoteca reversa é benéfica para ambos.
Celebrada contratualmente entre idosos e instituições financeiras, a hipoteca reversa é benéfica para ambos.| Foto: Pixabay

Tramita no Senado projeto que cria o instituto da hipoteca reversa no Brasil. Nas redes sociais, diversos usuários fizeram críticas à proposta, argumentando que consistiria em uma espécie de “legalização da expropriação de imóveis de idosos por bancos”. Em resumo: uma crueldade.

Como de costume, o Tribunal da Internet sentenciou uma proposição de política pública provavelmente sem nem tomar conhecimento do conteúdo da proposta, muito menos entender o instituto, como funciona em outros lugares do globo e sem fazer uma análise dos benefícios e possíveis problemas da questão. O estranhamento do público, contudo, é natural, sobretudo considerando que o uso de imóveis como garantia para empréstimos é pouco empregado no Brasil, haja vista restrições presentes na legislação.

Classificada como uma “política pública de geração de renda para a população em idade avançada”, o projeto busca auxiliar aqueles idosos que, embora tenham acumulado como patrimônio um imóvel ao longo da vida, não têm renda suficiente para suas despesas mensais. É natural, ao longo da vida, acumular patrimônio gradativamente, mas uma queda de renda na terceira idade pode criar um paradoxo: se, por um lado, o indivíduo tem em seu patrimônio um imóvel, por outro não tem renda suficiente para as despesas do dia-a-dia. Nesse sentido, muitas vezes a venda do imóvel para poder custear despesas do cotidiano nem sempre é uma opção viável.

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A hipoteca reversa é um instituto que busca dar alternativas a quem se encontra nesse paraxodo. Com ela, o idoso que possuir um imóvel quitado poderá obter uma renda extra vitalícia que complemente sua aposentadoria, sem necessidade de se desfazer do imóvel, se mudar ou mesmo perder a sua titularidade. Por outro lado, a instituição financeira terá a expectativa de se tornar, no futuro, proprietária de um imóvel por um valor abaixo do de mercado, vendendo o imóvel e recuperando o investimento realizado. A operação de venda pela instituição financeira apenas poderá ocorrer após o falecimento do hipotecado e, acaso no leilão o imóvel alcançar um valor mais alto que o recebido em vida pelo idoso, a quantia é dividida entre seus herdeiros.

Essa modalidade de empréstimo em que o devedor dá como garantia o imóvel do qual é proprietário tende a potencializar o consumo da população em idade avançada. Com o envelhecimento da população brasileira, o potencial da hipoteca reversa tende a aumentar nas próximas décadas. Assim, poderá ser uma opção de aumento de renda aos idosos, chegando até a diminuir a pressão sobre o sistema previdenciário. Atualmente, quase 60% das aposentadorias no Brasil são de apenas um salário mínimo.

Entre os países que usam a hipoteca reversa, segundo estudo do Ipea, estão Espanha, Austrália, Estados Unidos, Reino Unido, Canadá, Dinamarca, Holanda, Finlândia, Japão, Noruega e Suécia.

Vale salientar ainda que a criação da hipoteca reversa, como todo contrato, representa um acordo entre as partes: nenhum idoso será obrigado a firmar um contrato deste tipo com as instituições financeiras.

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O Ministério da Economia estima que este modelo de crédito pode movimentar entre R$ 1,5 bilhão a R$ 3,5 bilhões.

Riscos

Todo empréstimo possui riscos. Isso não é diferente no caso da hipoteca reversa, que acarreta riscos na operação tanto para o hipotecado quanto para o banco. Por se tratar de uma modalidade de empréstimo de longo prazo e, concomitantemente, período incerto (haja vista que a transação só se conclui com o falecimento do devedor), ela tem particularidades.

Nesse sentido, quanto maior a sobrevida do hipotecado, mais tempo o credor levará para receber o valor do empréstimo. Entre os riscos possíveis, o valor devido pode superar o valor do ativo em virtude, por exemplo, de catástrofes naturais, desvalorização imobiliária, mudanças nas taxas de juros, entre outras possibilidades que poderiam aumentar o montante total da dívida em uma proporção maior do que o valor do imóvel.

Entre as formas de buscar evitar desequilíbrios contratuais, é comum a pré-fixação dos juros no contrato. Nesse caso, o credor tem rentabilidade menor em caso de aumento dos juros no país, enquanto o devedor acumulará uma dívida menor em caso de queda nos juros. No caso da adoção de juros variáveis, credores e devedores evitam essa possibilidade, sem que se saiba o valor da trajetória futura da dívida.

Conforme o marco regulatório de alguns dos países que preveem a hipoteca reversa como garantia jurídica, pode-se determinar que o montante máximo a se pagar nunca supere o valor total da propriedade. Assim, limita-se o valor máximo da hipoteca reversa a um percentual da importância monetária correspondente ao  imóvel.

O PhD em Economia pela Universidade de Cambridge e professor da Fundação Getulio Vargas, Daniel da Mata, afirma que nos Estados Unidos o governo federal regulamenta um seguro para dirimir os principais riscos envolvidos na hipoteca reversa: “Tal seguro é focado nas famílias de menor nível de renda. Há o risco de falência do banco (credor), que tal seguro cobre, e isso garante que o idoso irá receberá todos os recursos prometidos a ele”.

Da Mata alerta ainda que o marco regulatório precisa esclarecer se haverá o uso de recursos públicos ou não e que as hipotecas reversas totalmente patrocinadas pelo setor privado são voltadas para residências de maior valor.

Já o doutor em direito civil pela PUC-SP e professor de direito das coisas pela Universidade Federal do Espírito Santo, Gilberto Fachetti, alerta: considerando que o público-alvo são idosos, é extremamente importante o acompanhamento da família. “Trata-se de acompanhamento e apoio, e não de autorização dos familiares. É que, dependendo das condições, o idoso pode não gozar do pleno discernimento. Nessa eventualidade, ele celebrará um negócio que poderá ser prejudicial e dificilmente conseguirá ser revisto ou anulado judicialmente”, diz.

O jurista alerta também para as responsabilidades e deveres das instituições financeiras. “Elas devem agir com extrema boa-fé, sendo meticulosas no seu dever de informação, especialmente quanto a juros, que é o grande problema do crédito bancário”, afirma.

Particularidades brasileiras podem diminuir a abrangência da medida

Embora na justificativa do projeto de lei, de autoria do Senador Paulo Bauer (PSDB - SC), conste que a finalidade da criação da hipoteca reversa é “aumentar a renda das pessoas das classes mais carentes da nossa população”, há particularidades brasileiras que podem restringir a eficácia da medida.

Da Mata diz que há um estoque muito grande de imóveis retomados por instituições financeiras e que foram utilizados como garantia de empréstimos inadimplentes. “Isso pode diminuir a atratividade de oferecer contratos de hipoteca reversa”, afirma. Outro fator que o pesquisador menciona é a aversão ao risco que brasileiros têm com imóveis: “Em linhas gerais, famílias adquirem imóveis como uma forma ‘proteção’ e não querem colocar o imóvel ‘em risco’”, complementa.
Outra restrição é que uma parcela de imóveis no Brasil tem escritura pública, o que pode limitar o potencial do projeto de alcançar justamente famílias de baixa-renda. Um exemplo é a cidade de Campinas: embora seja um dos municípios mais ricos do país, 6 em cada 10 imóveis da cidade não têm escritura e, portanto, não poderiam celebrar um contrato de hipoteca reversa.

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