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Prevenção contra o novo coronavírus poderá estar disponível, de forma emergencial, ainda em 2020
| Foto: Bigstock

Com o passar dos dias, estão aparecendo notícias sobre o sucesso das terapias para derrotar a Covid-19. Dados cada vez mais reconfortantes, que, no entanto -- por razões incompreensíveis -- são frequentemente aceitos com ceticismo, às vezes até com suspeita ou desconfiança.

Por outro lado, parece haver uma atitude de fideísmo absoluto em relação à vacina: poucos têm dúvidas de que ela chegará, logo (ou ainda antes disso), e resolverá todos os problemas. Mesmo expoentes eminentes da Igreja oram para que isso seja realizado o mais rápido possível. Quais são os fundamentos dessa confiança, quando não convicção, não é fácil saber. Parece ser o resultado de uma certa campanha de propaganda que, desde o início da pandemia, indicou a vacina como a solução para o problema.

Ainda assim, algumas dúvidas seriam legítimas. Nem sempre foi possível desenvolver uma vacina específica para cada doença. Ao contrário: não existe vacina para o HIV, não há vacina para a hepatite C (porém há para A e B), que é uma das doenças infecciosas mais perigosas, e, acima de tudo, nunca foi feita uma vacina para nenhum tipo de coronavírus, uma família de vírus que no entanto conhecemos há sessenta anos.

E quanto à Sars? Sabemos que a atual Covid-19 tem uma herança genética muito semelhante à do coronavírus Sars de 2002. Como é possível agora fazer uma vacina, sendo que nos últimos dezoito anos não se conseguiu fazer uma vacina contra a Sars? Foram feitas tentativas de produzir uma vacina contra a Sars, com resultados absolutamente negativos.

Quatro vacinas foram testadas em cobaias e, se é verdade que causaram a produção de anticorpos contra o vírus (um mecanismo que não é tão surpreendente como o professor Bellavite demonstrou na NBQ), também é que todos os camundongos vacinados apresentaram efeitos colaterais graves -- mais precisamente uma imunopatologia do tipo Th2 com significativa infiltração de eosinófilos. Os pesquisadores chegaram à conclusão de que era apropriado proceder com muita cautela na aplicação de uma vacina contra a SARS-CoV em humanos e, consequentemente, nada foi feito.

As notícias de uma vacina pronta e disponível dentro de alguns meses, talvez no próximo inverno europeu, apenas para evitar o temido “segundo pico”, devem ser aceitas com grande prudência e senso crítico, pelo menos análogos às notícias sobre a eficácia e o emprego do uso terapêutico de cloroquina, heparina e plasma.

A espera pela vacina, por outro lado, chega perto de paroxismos quase messiânicos. Também por esse motivo, seria apropriado que os representantes da hierarquia eclesiástica se abstivessem de dar incentivo à vacina, pelo menos até que os tipos de vacinação propostos fossem conhecidos.

Desse ponto de vista, uma intervenção verdadeiramente valiosa é a do bispo americano Joseph Strickland, de Tyler, Texas, que declarou publicamente sua objeção de consciência a uma possível vacina contra o coronavírus produzida com tecidos de crianças abortadas. O arcebispo Strickland se destacou nessa pandemia por suas intervenções bioéticas. Em particular, ele teve o mérito de denunciar fortemente o surgimento de práticas de eutanásia para idosos e deficientes.

No final de março, ele se recusou a assinar uma “Declaração sobre a escassez de recursos de saúde” proposta pela Conferência Episcopal do Texas. “Os idosos, os deficientes e os mais vulneráveis”, declarou ele, “devem sempre ser protegidos e deve-se mostrar um amor preferencial por eles”, pois são “os pobres entre nós, durante esta pandemia”. O bispo de Tyler mencionou que existem alguns princípios de teologia moral que devem  sempre ser aplicados. “Por exemplo, a família sempre deve ser consultada e considerada na tomada de decisões morais vitais como essas”.

Quanto à vacina, o arcebispo Strickland lamentou que “também se discuta o uso de tecidos fetais abortados para pesquisas médicas com o Covid-19”. O prelado texano tocou num ponto realmente doloroso: na verdade, há algum tempo, algumas organizações pró-vida dos EUA denunciam que várias vacinas são produzidas usando linhas celulares obtidas de fetos abortados. Vacinas que são muito populares como a tetravalente para sarampo, caxumba, rubéola e catapora e a vacina contra a hepatite A.

Células fetais abortadas também estão sendo usadas para algumas das vacinas atualmente estudadas contra a Covid. E não de abortos espontâneos, mas de abortos voluntários. Em um comunicado à imprensa, a associação Children of God for Life [Filhos de Deus pela Vida] explicou que, “na maioria das vacinas contra a gripe comum, a necessidade de produzir rapidamente grandes quantidades de vacinas tem sido um problema há muitos anos, pois as empresas farmacêuticas usavam ovos de galinha para cultivar seus vírus. São necessários vários meses e milhões de ovos para produzir as vacinas e muitas empresas começaram a procurar outras linhas celulares para uma produção mais rápida”. E essas linhas celulares poderiam ser humanas, derivadas de fetos abortados.

Os problemas éticos levantados pela pesquisa, produção, comercialização e uso de vacinas não são poucos e não são novos. Para a Covid, eles poderiam ser deliberadamente ignorados em nome da “emergência”. As pessoas poderiam facilmente ser levadas a aceitar a lógica de que “fim que justifica os meios”. Para salvar tantas pessoas de Covid, por que sacrifícios fetais não deveriam ser aceitos?

Essa é realmente uma chantagem moral real, que pastores corajosos como Strickland denunciam. Um bom final nunca pode justificar um meio ruim. Além disso, o uso dessas vacinas acaba sendo um incentivo para pesquisas baseadas nessa perversa “linha de montagem”: produção de embriões e sua subsequente morte para obter material para a produção de vacinas. A forte pressão da mídia em favor da vacina não pode se tornar um álibi para colocar em parênteses valores essenciais.

O entusiasmo daqueles que esperam, sonham, aguardam a vacina para Covid deve, portanto, esfriar bastante. Monsenhor Strickland fez bem em colocar o problema da ética dessas vacinas, mas também há um princípio estritamente científico de prudência. Um dos princípios fundamentais da medicina, desde a sua criação, é este: primum non nocere [primeiro, não prejudicar]. Se for possível desenvolver uma vacina, isso deve ser feito dando garantias absolutas quanto à segurança da vacina, que deve respeitar critérios precisos de ausência de toxicidade e danos. O fracasso das tentativas feitas para Sars deve levar a muita cautela. Deste ponto de vista, uma vacina respeitável precisa de um trabalho de pelo menos cinco anos, não de cinco meses. No campo científico, a pressa é absolutamente inimiga do bem.

Alguém poderia objetar: mas, para a Covid, enormes recursos financeiros estão sendo investidos, principalmente graças a “benfeitores” interessados, como Bill Gates. E aqui se poderia realmente responder: por que isso não foi feito antes, para outras doenças? Milhões de pessoas morrem todos os anos de malária, febre amarela, tuberculose, febre tifóide, cólera e muito mais. Por que as indústrias farmacêuticas e os governos e fundações não se comprometeram com a mesma vivacidade e abundância de recursos para essas doenças?

Também é fácil imaginar uma última objeção: então, se tivermos que esperar anos por uma possível vacina que ofereça condições seguras e feita também em conformidade com a ética médica, o que está sendo feito nesse meio tempo? A resposta já está nas inúmeras ajudas terapêuticas que estão sendo encontradas. Mesmo sem uma vacina, a Covid pode ser curada, enfrentada. E, finalmente, e isso é muito mais que uma hipótese, a Covid poderia desaparecer, se não para sempre ao menos por um longo tempo, como aconteceu com a gripe H1N1 e a Sars 1. E, então, não precisaríamos mais da vacina messiânica.

Paolo Gulisano é bacharel em medicina e cirurgia, com especialização em Higiene e Medicina Preventiva, também é escritor e ensaísta.

© 2020 La Nuova Bussola Quotidiana. Publicado com permissão. Original em italiano.
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