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Há muitos anos venho conduzindo programas de gestão de conflitos para grandes empresas, e meu desafio sempre foi mostrar para as pessoas que o conflito não pode ser encarado como um bicho de sete cabeças. Ele faz parte da vida e existe desde que o mundo é mundo. Quando as pessoas participam dos meus workshops, sempre chegam com inquietações ligadas ao relacionamento interpessoal: dilemas da convivência humana, dificuldades de compreender por que algumas pessoas agem de determinada forma, altas expectativas sobre como o outro deveria ou não funcionar, e por aí vai.

Quando pergunto sobre o significado da palavra conflito, as respostas são sempre ligadas a alguma coisa negativa: briga, ameaça, luta, desentendimento, perda, luto, culpa... Raramente alguém enxerga o conflito como uma chance de mudar algo que não está funcionando bem, uma forma de dar um novo sentido para a situação e para as próprias relações humanas.

Um conflito pode ser desencadeado por uma ou outra pessoa, mas um fato que não pode ser negado: ninguém se mantém num conflito só por culpa do outro. Existem sentimentos e comportamentos dos dois lados envolvidos na situação. Um evento só é conflituoso porque frustrou uma das partes, ou ambas. Havia uma expectativa que não foi atendida como se imaginava, como se sonhava, como se acreditava que deveria ser.

Nossas convicções:

O poder da razão e do diálogo

Aliás, a expectativa é uma grande fábrica de frustração, pois quase nunca as pessoas perguntam se o outro é capaz de atender ou não, simplesmente esperam e sonham com uma resposta que está fora de cogitação. Quando ocorre uma frustração, de antemão se sabe que ali havia apego – a um ponto de vista, a um sonho, a uma expectativa, a um comportamento que não existiu. Gosto amargo, esse! Mas, tudo bem, afinal, o que seria de nós sem as frustrações que a vida traz? As experiências, sejam boas ou más, oferecem aprendizados.

E o conflito muitas vezes desencadeia crises e mudanças bruscas. Num momento de caos, somos obrigados a mudar de atitude, de postura, e é quase certo que podemos aprender algo – dependendo da forma como encaramos e estabelecemos nossa relação com o conflito.

Toda percepção sobre conflito pode ser limitante ou estruturante, assim como as nossas crenças. Se temos a crença de que o conflito é destrutivo e sempre nos levará a perdas, viveremos as situações de forma limitante. Essa postura é típica do apego a um conceito: conflito é ruim. Será?

Se temos a crença de que o conflito é destrutivo e sempre nos levará a perdas, viveremos as situações de forma limitante. Essa postura é típica do apego a um conceito: conflito é ruim. Será?

Trecho do livro “Convide seu inimigo para um café”, de Jo Pavezi.

As crenças são aquelas verdades que aprendemos desde a infância a respeito dos vários temas da vida, e elas formatam a nossa visão de mundo. Elas são fundamentais para a nossa vida e sempre irão existir, sejam elas limitantes ou estruturantes. Nós estaremos sempre procurando confirmá-las, pois essa é uma forma de nos sentirmos seguros – ou de termos uma ilusão de solo firme, ou de sentirmos que temos razão. Assim, quando assistimos a um filme, lemos um livro, ouvimos alguém dar uma opinião, ficamos procurando os pontos de convergência com nossas crenças, como se com isso pudéssemos dizer a nós mesmos: “ok, você está no caminho certo, portanto, está seguro”.

Percebeu como temos medo das coisas que são instáveis? Queremos sempre garantir que dentro de nós as coisas fiquem como sempre foram, apesar de buscarmos mudanças. Mas a questão é: como mudar as coisas fora de nós se não mudamos a forma de enxergá-las? Ocorre que muitas vezes algumas crenças nos levam para um precipício e não percebemos que temos dentro de nós o poder de alterar aquela rota.

Então o modo de enxergar os conflitos é modelado pelas nossas crenças e reforçado primeiro dentro da família e depois na vida social, na profissional etc. Pergunte-se como você enxerga sua relação com o conflito. Procure se lembrar de situações familiares em que você vivenciou conflitos ou se esquivou deles. Como se sentiu? Como agiram as pessoas envolvidas na situação? Quem ganhou? Quem perdeu?

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As crianças aprendem em casa a lidar com os conflitos. Há pais que estimulam as brigas para conquistar o que querem. Há outros que buscam a transparência e a comunicação direta. Existem aqueles que se escondem de situações negativas e são hábeis em camuflar o que se passa. E assim vai.

Aliás, é bom lembrar que a família é o primeiro grande modelo de conduta de uma pessoa. Mas, em se tratando de conflitos, às vezes uma pessoa não se espelha nos pais, ela literalmente foge do modelo conhecido, pois teme sofrer as mesmas consequências vivenciadas naquele ambiente. Essa “fuga do modelo” também pode gerar sofrimento, pois em ocasiões em que precisaria ser mais firme ou mais flexível sua tendência será a de não o fazer e perder a oportunidade de agir.

*Jo Pavezi é psicoterapeuta e executive coach especializada em Psicodrama e Psicologia Transpessoal. Formada em Change Management, na Inglaterra, realiza trabalhos com equipes de empresas nacionais e multinacionais em que ensina como administrar conflitos. O texto publicado aqui é um fragmento do livro “Convide seu inimigo para um café”.

“Convide seu inimigo para um café”

Autor: Jo Pavezi

Preço: R$ 70

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