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Por que é importante aprender a morrer
| Foto: Pixabay

O que deveríamos ensinar aos universitários? Nós nos desviamos muito daquilo que Michel de Montaigne julgava serem os princípios fundamentais da educação.

Parece-me que as primeiras lições que deveriam dar aos alunos devem ser aquelas que controlam seu comportamento e sentidos, que os ensinarão a se conhecerem e morrerem e viverem bem. Entre as artes livres, comecemos com a arte que nos liberta.

Montaigne não usava a palavra “liberdade” como os devotos da pedagogia de Paulo Freire a usam. Montaigne escreveu: “Ele que aprendeu a morrer desaprendeu a ser escravo. Saber morrer nos liberta de toda a sujeição e de todos os limites”. Nenhuma educação é mais importante do que essa.

Em vez disso, as universidades norte-americanas contemporâneas se dedicam à vida sem limites e à cantilena política progressista atual. Aquelas declarações de missão se estendem por parágrafos sem fim. Burocratas e professores incapazes de se autoeditarem ensinam os frutos da indisciplina. “A virtude (...) é um estado de caráter preocupado com a escolha”, disse o filósofo. E colegas incapazes de escolherem uma virtude a guiá-los ensinam aos alunos a mesma incapacidade de fazer escolhas, de desenvolver o caráter, de viver pela virtude.

Claro que os alunos equivocadamente educados nesse regime demonstram pouca virtude diante da pandemia do coronavírus. Eles não sabem morrer bem e não sabem nem mesmo que deveriam saber. A morte é um caminho rumo ao longe: “Tan largo me lo fiáis”, dizia o Don Juan de Tirso de Molina, e ele não ficava nada a dever aos universitários de hoje. Eles tampouco sabem que viver bem significa ajudar os outros a morrerem bem — ou que é adequado viver de modo a superar a morte alheia, enfrentar da melhor forma possível nosso temor natural da morte, timor mortis conturbat me.

As universidades deveriam formar cidadãos capazes de trabalhar em conjunto para pôr fim à pandemia de coronavírus. Mas elas também deveriam formar cidadãos capazes de enfrentar o coronavírus — e, se for o caso, de encarar a doença mortal com dignidade. Diz Montaigne:

Entre senhoras e senhores, alguém há de pensar em mim envolvido em digerir uma inveja de mim mesmo ou a incerteza de alguma esperança, enquanto eu estava pensando sobre alguém de quem não lembro que foi tomado dias atrás pela febre e pela morte, abandonando o banquete em comum, a cabeça cheia de reflexões, amor e diversão.

“Filosofar”, conclui Montaigne, inspirado em Cícero, “é tão-somente se preparar para a morte (...) toda a sabedoria e raciocínio do mundo se resumem a isso: a nos ensinar a não termos medo de morrer”.

Que universidade ensina isso? Que universidade lembra que o objetivo da educação liberal é justamente essa filosofia? Em vez disso, elas falam em justiça social, numa mistura de Marx e Marcuse, uma combinação entre “transformação” social e pessoal semelhante à porcofilosofia de Carlyle:

O Mal é a impossibilidade da porcomoral; o bem é a possibilidade dele. (...) É a missão da suinice universal e o dever de todos os poros, em todos os momentos, diminuir a quantidade do impossível e aumentar a do possível. Todo conhecimento e inteligência e esforço devem ser direcionados a isso e a só isso; Porcociência, Porcoentusiasmo e Porcodevoção têm esse mesmo objetivo. É o Dever Maior dos Porcos.

Que medida educacional poderíamos prescrever para solucionar esse problema grave? Uma reforma política é um Band-Aid numa ferida da alma que precisa de um remédio mais forte: “Portanto agora corrija seu comportamento e seus feitos”. Talvez uma Lei da Consciência da Moralidade, uma Lei Biron tirada daCanseiras do Amor em Vão, de Shakespeare: “Qualquer pessoa empregada ou que frequente uma instituição de educação superior deve passar os primeiros doze meses trabalhando num hospital com os doentes em estado terminal”.

Você deve por um ano dia a dia

Visitar os doentes sem voz e conversar

Com os moribundos que gemem; e seu trabalho será

Com todo o ímpeto de seu ser

Obrigar os impotentes a sorrir.

Transformemos nossos hospitais em escolas preparatórias. Talvez daí teremos professores capazes realmente de ensinar e alunos capazes realmente de aprender.

David Randall é diretor de pesquisas da National Association of Scholars.

© 2020 First Things. Publicado com permissão. Original em inglês
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