• Carregando...
A falta de liderança norte-americana na crise atual não é uma aberração e não é temporária.
A falta de liderança norte-americana na crise atual não é uma aberração e não é temporária.| Foto: AFP

Diante do maior desafio de seu tempo — a ameaça nuclear da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas — o presidente Jack Kennedy expôs a posição norte-americana: “Pagaremos qualquer preço, suportaremos qualquer sacrifício, enfrentaremos qualquer dificuldade, apoiaremos qualquer amigo, lutaremos contra qualquer inimigo para garantir a sobrevivência e o sucesso da liberdade. É isso o que prometemos”.

Era uma fala forte — mas também exaustiva e cara. Os norte-americanos se cansam rapidamente do heroísmo. Somos desconfiados e a desconfiança é bipartidária: a determinação de Kennedy em enfrentar a Guerra Fria foi mal recebida não só pela esquerda, que era simpática à União Soviética, mas também pela direita, já que alguns conservadores da velha guarda vivam pelo ditado do escritor Randolph Bourne, segundo o qual “a guerra é o oxigênio do Estado”, e acreditando que o que viam como imperialismo no exterior estava inexoravelmente ligado ao imperialismo doméstico. E os dois lados reclamavam do dinheiro gasto, dizendo que com ele taparíamos vários buracos numa cidadezinha do interior ao preço de dois ou três aviões. Os democratas de Walter Mondale e os republicanos de Ron Paul estavam lado a lado nessa.

Essa dinâmica não mudou muito: Barack Obama reclamava do dinheiro que a administração George W. Bush gastava perseguindo jihadistas ao redor do mundo, dizendo que “é hora de nos atermos a criarmos uma nação em casa”. O constrangedor comportamento de Donald Trump quando ao envolvimento dos Estados Unidos no exterior, da OTAN à USAID, é a versão simplória da postura estudantil de Obama. Mas, claro, somos norte-americanos e somos incansáveis, gostamos de briga e não somos capazes de cuidar só da própria vida por muito tempo. Nosso método é entrar na briga, nos entediarmos, criarmos alguma agitação à custa de continuarmos na briga e depois recuarmos bufando.

Isso se traduz numa política específica de direita, do tipo que os conservadores fazem como um cara tentando bater na cabeça e acariciar a barriga ao mesmo tempo, demonstrando de uma só vez coragem e economizando dinheiro. No dia 24 de junho de 2019, [o jornalista conservaddor] Sean Hannity reclamou do fato de o presidente Trump ter sido incapaz de dar prosseguimento a uma proposta insana de confiscar a produção de petróleo iraquiana, que seria usado para compensar as famílias dos soldados norte-americanos que morreram na invasão e ocupação do Iraque, a uma proporção de “milhões de dólares por família”. Fiel ao seu raciocínio, mas sem conseguir chamar sua proposta de “homenagem”, o filósofo moral da rádio AM concluía: “Temos todo o direito do mundo de obrigá-los a pagar por sua própria libertação”.

pagamos qualquer preço e suportamos qualquer sacrifício? Não, vocês pagam qualquer preço e vocês suportam qualquer sacrífico que impomos sobre vocês, caras.

Kennedy fez um convite aos velhos amigos e novos colaboradores:

Aos velhos aliados cujas origens culturais e espirituais compartilhamos, prometemos a lealdade dos amigos fiéis. Unidos, são poucas as coisas que não podemos realizar em cooperação. Divididos, são poucas as coisas que podemos realizar – porque jamais ousaríamos enfrentar um grande problema e nos separarmos.

Aos novos Estados que recebemos nas fileiras da liberdade, prometemos ao mundo que uma forma de controle colonial não desapareceu apenas para ser substituída por uma forma ainda mais brutal de tirania. Nem sempre teremos o apoio deles. (...) A todos os povos em aldeias ao redor do mundo, lutando contra a miséria, prometemos que nos esforçaremos ao máximo para ajudá-los quando possível — não porque os comunistas podem também estar fazendo isso, não porque queremos seu voto, e sim porque é o certo.

Não é bem assim que estamos tratando as coisas hoje em dia.

É fácil criticar o presidente Trump por sua pequenez — retórica e de fato — mas ele não é o culpado pela rendição norte-americana, somente um sintoma. É impossível culpar o povo norte-americano por seu cansaço. Primeiro porque os críticos do imperialismo à moda JFK e de todo aquele dinheiro desperdiçado têm alguma razão. Há um preço econômico e moral a se pagar por esse tipo de liderança, e o governo deveria, em tempos de calmaria, estar mais preocupado com os buracos de rua, e não sonhando com novas cruzadas para se engrandecer e engrandecer suas autoridades. Não foi o próprio Hércules quem, entre matar o leão de Nemeia e limpar os os currais do rei Aúgias, olhou para trás e reclamou da injustiça de tudo aquilo, e se perguntou em voz alta por que os... Belgas não o ajudavam com os trabalhos? “Eles têm sido muito injustos com a gente”, tenho certeza de que ele disse.

A pandemia do coronavírus é um problema mundial que revela a falta atual de lideranças globais. Os norte-americanos estão paralisados pelo ressentimento. A União Europeia, assolada pela saída do Reino Unido, não sabe direito o que fazer, e o sistema de saúde universal europeu, tão admirado pelos norte-americanos, está entrando em colapso. A China acaba de lembrar ao mundo que ela é um Estado autoritário atrasado entre o México e a Bulgária em seu desempenho econômico. Putin é o czar dos trolls do Twitter. O presidente dos EUA tem dois filmes pornográficos, seus falências e um reality show em seu currículo, e ao país faltam tantos produtos de emergência que a Ralph Lauren está fazendo trajes médicos e a Tito’s está produzindo álcool em gel em vez de vodca — o que não é exatamente uma posição para se exercer a liderança global.

À exceção da União Europeia e de outras menores (Associação das Nações do Sudeste Asiático, Organização para a Cooperação Islâmica, etc.), o sucesso de importantes instituições multilaterais do pós-guerra depende da disponibilidade dos Estados Unidos em lhes dar apoio, usando sua riqueza, poderio militar e credibilidade. Os Estados Unidos, ao menos por enquanto, não estão dispostos a fazer o que fez no passado — a reação do país com a OTAN na Era Trump é um sinal de uma mudança mais profunda na nossa orientação nacional. Estamos na era do Americano Comum, que empina o nariz e pergunta: “O que eu ganho com isso?”

A falta de liderança norte-americana na crise atual não é uma aberração e não é temporária. Esta é a nova ordem mundial – ênfase em “ordem”.

Kevin D. Williamson é correspondente da National Review.

© 2020 National Review. Publicado com permissão. Original em inglês
0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]