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Se acreditamos que certa política “dá certo” ao medirmos um aumento na renda, estamos medindo o sucesso com base numa avaliação falha e parcial
Se acreditamos que certa política “dá certo” ao medirmos um aumento na renda, estamos medindo o sucesso com base numa avaliação falha e parcial.| Foto: Pixabay

Um dos principais problemas das medições agregadas da renda nacional e do bem-estar é o fato de que boa parte delas se baseia em salários, riqueza, produção e consumo, tudo medido em dólares.

As coisas rastreáveis ou não na vida

Isso significa que apenas as atividades que podem ser rastreáveis, contabilizadas e hierarquizadas com base no valor em dólar e no total produzido poderão ser incluídas entre as atividades consideradas de valor. Entre essas atividades estão o pagamento e recebimento de salários e a compra de bens de consumo e serviços com dinheiro. Mas as pessoas também escolher muitas atividades que aumentam sua felicidade e que não aparecem em nenhuma estatística do governo.

Para as estatísticas econômicas, claro que muitas das coisas que as pessoas consideram boas aparecem nos relatórios. Podemos medir quantas pessoas têm empregos, que salários estão sendo pagos e quanto os trabalhadores estão produzindo. Podemos medir quantas casas foram compradas, quanto as pessoas estão pagando de aluguel e quantos carros foram vendidos. A maior parte disso é medida em unidades totais e em dólares.

Mas e quanto às coisas que não podem ser medidas?

A criação dos filhos

Por exemplo, se um pai ou mãe deixa o trabalho assalariado para ficar em casa e cuidar de um filho, isso será medido como uma queda no emprego total e nos salários totais pagos na economia. Enquanto isso, a estatística não nos diz nada sobre os benefícios – isto é, a renda “psíquica” – que o pai terá ao passar mais tempo com a criança ou ao se envolver em outras atividades incluídas na “criação dos filhos”.

Além disso, um pai ou mão que fica em casa também pode impactar a economia ao reduzir os dólares gastos em creche, alimentos para crianças e serviços educacionais. Em vez de comprar refeições em restaurantes e de contratar cuidados profissionais, o pai ou mãe faz essas coisas em casa, sem que o dinheiro troque de mãos. Assim, os benefícios continuam “sem registro” e não são levados em conta em termos de estatísticas nacionais.

O que os estatísticos verão nessa situação é uma queda na renda dos restaurantes e das creches. E talvez eles nos digam que isso é ruim.

Pior ainda (do ponto de vista do estatístico) é que o pai pode decidir dar aulas para o filho em casa, o que significa que uma parte consideração dos custos com educação não será contabilizada pelo mercado e as escolas do governo terão menos matrículas para registar e justificar os gastos em educação.

Claro que se muitos pais decidirem fazer o mesmo, isso pode levar a um impacto significativo nas estatísticas de renda doméstica, já que muitos lares se tornarão lares sustentados por apenas um dos pais ou à medida que os pais trabalharem menos horas a fim de passarem mais tempo com os filhos.

Se for este o caso, é possível que ouçamos falar numa “crise” de renda, já que os lares com crianças pequenas estão sofrendo uma queda na renda e nos gastos. Talvez até comecemos a ouvir “especialistas” que vão a programas de entrevistas para nos dizer que são necessárias políticas públicas para estimular os pais a buscarem cargos assalariados e adquirirem mais bens e serviços.

O que não se vê nesse tipo de análise, claro, é o fato de que a queda na renda familiar e no consumo pode estar apenas refletindo escolhas feitas livremente por pais que optaram por renunciar a salários e consumo a fim de aumentar os benefícios da criação dos filhos.

Aposentadoria

Podemos enfrentar problemas semelhantes quando chega a hora de os trabalhadores decidirem se aposentar.

Afinal, quando um trabalhador se aposenta – ou diminui as horas trabalhadas – sua renda naturalmente diminui. Levando em conta a incerteza quanto ao futuro, o aposentado pode também decidir gastar menos em bens e serviços como carros, férias e moradia.

Nas medições de salários e gastos, essas atividades aparecerão como uma queda na renda e nos gastos.

Mas o que a decisão de se aposentar realmente mostra é que algumas pessoas preferem o ócio ao salário no mercado de trabalho.

Mas o cenário é muito mais complicado do que isso. Nem todas as pessoas se aposentam voluntariamente. Algumas pessoas se aposentam porque “são obrigadas”. Isto é, em alguns casos, os trabalhadores se tornam inválidos por causa da idade ou doença e não pode trabalhar ou não encontram um empregador disposto a contratá-los. Essas pessoas abandonam a força de trabalho embora talvez preferissem manter seus salários.

Ao mesmo tempo, algumas pessoas continuam trabalhando porque não economizaram o bastante para poderem se aposentar.

E há, claro, aquelas pessoas que têm economias o bastante para manter o padrão de via atual mesmo sem receber salário – mas que mesmo assim continuam trabalhando porque preferem isso ao ócio.

Os benefícios da aposentadoria variam de acordo com o que a motiva, isto é, se é uma aposentadoria voluntária ou devida à invalidez. Como devemos medir isso? Os métodos de coleta de dados do governo não têm uma solução. Claro que as pessoas talvez nos digam um pouco sobre quantas pessoas se aposentam voluntariamente, mas mesmo assim não podemos medir os benefícios da aposentadoria em comparação com os salários dos quais essas pessoas abdicaram.

Em busca de salários maiores

Às vezes, os trabalhadores optam por permanecer na força de trabalho – mas abdicam de salários mais altos a fim de obterem outros benefícios não-monetários.

Alguns trabalhadores, por exemplo, preferem empregos que lhes dão mais flexibilidade e mais folgas. Esses empregos, contudo, geralmente pagam salários mais baixos. Os benefícios vêm na forma de mais ócio e controle sobre os próprios horários.

Pode-se obter outros benefícios não-monetários também ao se recusar a se mudar para outro lugar a fim de encontrar um trabalho com salário maior. Isso significa uma mobilidade menor para os trabalhadores. De acordo com o jornal LA Times, quando isso acontece, “os economistas temem” que

a queda na mobilidade funcional pode vir acompanhada por ganhos menores em emprego, salários, produtividade e, em última análise, crescimento econômico,.

Talvez.

Mas talvez seja o caso de que muitos desses trabalhadores com menos mobilidade estejam trocando salários por ganhos em termos de estabilidade familiar e vida comunitária. Como concluiu um estudo do Federal Reserve de abril de 2019:

os indivíduos enfrentam grandes custos não-pecuniários ao se mudarem (...) eles também dão mais valor à proximidade da família (...) e na adaptação às normais sociais e culturais locais.

Em outras palavras, os trabalhadores têm benefícios importantes ao decidirem não se mudar, por mais que a mudança para um trabalho “melhor” lhes traga salários mais altos na medição em dólar.

Assim, percebemos mais uma vez que as medidas estatísticas de “bem-estar” – se medido apenas em termos de salários e gastos – não nos dizem muito sobre como as pessoas realmente têm sucesso ou pelo menos evitar o fracasso.

Um caso extremo: a escravidão

Como um exemplo final do problema com as medições tradicionais de bem-estar, podemos analisar o caso da escravidão.

Uma das justificativas da escravidão pelos ativistas escravagistas era a de que o trabalho escravo era supostamente mais produtivo do que o assalariado. De acordo com Jeffrey Rogers Hummel, alguns defensores da escravidão viam o trabalho intensivo e prolongado como prova da superioridade do sistema. Como diz um tal de Edmund Ruffin, “os trabalhadores livres, se contratados para atividades semelhantes, precisariam do dobro do salário para realizar um terço do mesmo trabalho todos os dias".1

Os escravos, contudo, não estavam convencidos dos benefícios do sistema. Hummel nota que, depois da abolição, “as mulheres e crianças abandonaram os campos e até mesmos os homens negros desistiram”, deixando a maior parte do trabalho para os homens adultos. Além disso, “o trabalho total feito pelos ex-escravos diminuiu em aproximadamente um terço". 2

Se usássemos os métodos modernos para medir a contribuição dos escravos para a economia antes e depois da abolição, provavelmente chegaríamos à conclusão de que a abolição gerou um declínio considerável na produtividade, supostamente piorando a situação do país.

Na verdade, não foi isso o que aconteceu, com conclui Hummel:

Aqui nos deparamos com uma demonstração clara dos dados econômicos para mensurarem o bem-estar. A renda per capita diminuiu porque as pessoas estavam melhores. Elas estavam trabalhando menos e produzindo comodidades para casa, e as duas coisas representam melhoras na qualidade de vida".3

Os dados agregados não nos dizem nada sobre os benefícios e a “renda psíquica” obtida graças ao fato de as pessoas não trabalharem nos campos durante catorze horas por dia. Medindo apenas a produção, os dados sugerem um declínio na produtividade e um aumento na pobreza. Na verdade, o que houve foi o contrário, já que mais trabalhadores demonstravam preferir trabalhar menos horas. Assim, ao trabalharem menos horas eles estavam fazendo o que acreditavam que melhorava seu bem-estar em termos reais.

Como o bem-estar deveria ser medido

Infelizmente, a economia enquanto disciplina sofre com o fato de muitos de seus praticantes se preocuparem com as coisas que podem ser medidas – como emprego e salários –, negligenciando os benefícios mais ocultos obtidos em atividades como a criação dos filhos ou ao se optar por não receber salários.

Mas, quando se é um martelo, todo o mundo parece um prego – e isso significa que os economistas recorrem a teorias loucas sobre aumento de salários e gastos quando provavelmente – sobretudo na economia avançada – muitas pessoas obtêm benefícios maiores fazendo qualquer outra coisa.

Economistas competentes, claro, não ignoram isso. Como notou Murray Rothbard em seu ensaio "Reconstruindo a Economia de Bem-estar e de Utilidade”,

a economia não lida com coisas ou objetos materiais. A ciência econômica analisa as consequências e os atributos lógicos da existência das valorações individuais. É claro que “coisas” fazem parte do cenário, já que não pode haver valoração sem coisas para se atribuir valor. Porém, a essência e a força motivadora da ação humana, e, portanto, da economia de mercado, são as valorações dos indivíduos.

Infelizmente para os estatísticos do governo, muitas pessoas escolhem valorizar coisas ou atividades que não aparecem nas tabelas. E, mesmo que aparecessem, ainda assim não seríamos capazes de avaliar quanto as pessoas valorizam poder ler uma história para uma criança ou viver perto da família e amigos.

Além disso, o fato de sabermos tão pouco sobre como, por quê ou quando as pessoas tomam certas decisões econômicas traz em si a ideia de que somos capazes de formular políticas econômicas de forma a melhorar a vida de todo mundo. Se acreditarmos que uma política “dá certo” quando medidos um aumento de renda, estamos medindo o sucesso com base numa medida falha ou parcial. É hora de deixar de fingir.

Ryan McMaken é editor da Mises Wire e The Austrian. Ryan é formado em Economia e Ciência Política pela Universidade do Colorado.

© 2019 FEE. Publicado com permissão. Original em inglês

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