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A defesa inabalável da liberdade artística e a vontade de lutar dos humoristas do Porta dos Fundos não resistiram ao peso da causa politicamente correta.
A defesa inabalável da liberdade artística e a vontade de lutar dos humoristas do Porta dos Fundos não resistiram ao peso da causa politicamente correta.| Foto: Reprodução/ YouTube

Quando o grupo de humor Porta dos Fundos foi atacado e até processado por um especial de Natal cheio de pretensão iconoclasta e vazio de graça, os defensores da liberdade de expressão, muitos deles cristãos, manifestaram repúdio às tentativas de silenciar ou repreender a trupe. A defesa seguia sempre a linha argumentativa de que o programa era apenas humor (ainda que muitos não achassem graça) e as piadas eram mais fruto da ignorância do que da má-fé.

O Porta dos Fundos foi processado, censurado, “descensurado” e até atacado com um coquetel Molotov. E a tudo os nobres guerreiros da comédia brasileira resistiram bravamente, empunhando a bandeira da liberdade de expressão. “A liberdade é inegociável”, disse à época o comediante Gregório Duvivier, emendando que toda a celeuma causada pelo especial de Natal, intitulado “A Primeira Tentação de Cristo”, lhe dava “aquela vontade ainda maior de lutar”.

Gordofobia

Pois a defesa inabalável da liberdade artística e a vontade de lutar, ao que parece, não resistiram ao peso da causa politicamente correta. Menos de uma semana depois de ir ao ar, o grupo retirou do Youtube o vídeo “Teste de Covid” e o comediante Fábio Porchat veio a público pedir desculpas aos fãs e militantes. O motivo: o vídeo foi considerado gordofóbico por ativistas dessa que é a nova fronteira do progressismo identitário.

O roteiro era simples. Um personagem recebia o resultado do exame de Covid-19 e ouvia da atendente do laboratório a boa notícia: deu negativo. A graça supostamente estava no porquê de o exame ter dado negativo. Isto é, no fato de o examinado estar tão gordo e ter hábitos de vida tão desleixados que o vírus não foi capaz de “resistir ao seu corpo pobre” e acabou “morrendo abafado dentro da veia dele”.

O vídeo chamou a atenção de duas militantes da causa gorda (ou obesa): Bianca Barroca e a atriz Fabiana Karla. Barroca fez um vídeo repreendendo o grupo Porta dos Fundos por fazer graça com a “gordofobia médica”. Ela é conhecida por defender que os gordos amem seus corpos como eles são, a despeito das orientações “preconceituosas” dos médicos. Já Fabiana Karla, cuja carreira nos programas do humor se deve, em boa medida, ao corpanzil avantajado, questionou o valor artístico do vídeo, dizendo que ele não passa de “bullying disfarçado de arte”.

Falando pelo grupo, Fábio Porchat pediu desculpas, retirou o vídeo do ar e convidou Bianca Barroca para uma live na qual eles discutiram a gordofobia no humor. “A ideia é fazer piada com os opressores, e não com os oprimidos”, disse o comediante a certa altura, certamente desatento ao conteúdo potencialmente gordofóbico da fala.

Ignorância ou má-fé

Curioso: o mesmo Porta dos Fundos que se apresentou como guardião da sacrossanta liberdade de expressão no caso do especial de Natal agora cede à pressão politicamente correta dos militantes pró-obesidade. Mas qual a diferença entre os cristãos que se sentiram ofendidos com o humor cristofóbico de “A Primeira Tentação de Cristo” e os gordos que agora se sentem ofendidos com um personagem que não pega Covid-19 porque seu corpo tem outras coisas como as quais se preocupar (com o colesterol e os triglicerídeos, por exemplo).

Aqueles que consideravam as piadas com os Evangelho em “A Primeira Tentação de Cristo” fruto apenas de uma tentativa legítima, ainda que malfadada, de fazer um humor (isto é, arte) supostamente crítico à religião e da “ignorância honesta” quanto ao incômodo que isso poderia causar a um fiel agora se perguntam, também legitimamente, se tudo não passou de uma ofensa disfarçada de arte.

A questão, aqui, é de coerência. No caso dos cristãos, a ofensa foi vista como mera manifestação artística porque conta com a chancela progressista que vê na religião um obstáculo ao surgimento do novo homem num mundo novo e utopicamente perfeito. Já no caso dos gordos, obesos e sobrepesantes, a mera manifestação artística foi vista como ofensa porque os progressistas veem nas causas politicamente corretas o caminho mais seguro para o surgimento do novo homem (ou melhor, de um novo ser sem gênero) num mundo novo e utopicamente perfeito.

Em seu muito citado 12 Regras para a Vida, o psicólogo Jordan Peterson estabelece como um dos pilares da Civilização Ocidental a presunção da inocência, isto é, a suposição prévia de que um malfeito foi fruto da ignorância, e não da má-fé. Não porque os homens sejam inerentemente bons, e sim porque somos irremediavelmente ignorantes até mesmo em nossas ações mais bem intencionadas.

Mas como pressupor ignorância, e não má-fé, quando o Porta dos Fundos se comporta de maneira tão diferente diante das reações negativas a seus polêmicos vídeos sem graça envolvendo cristãos e gordos?

Se bem que talvez seja para isso mesmo que serve a sacrossanta e irrestrita liberdade de expressão que o grupo humorístico-militante evoca quando confrontado: para revelar o verdadeiro caráter e a verdadeira intenção por trás dessa ideologiazinha disfarçada de arte.

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