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Nuvem atômica invade acima da cidade de Hiroshima após a explosão da primeira bomba atômica a ser usada na 2ª Guerra Mundial, nesta foto de folheto feita pelo Exército dos EUA em 6 de agosto de 1945 e distribuída pelo Museu do Memorial da Paz de Hiroshima.  | HANDOUT/REUTERS
Nuvem atômica invade acima da cidade de Hiroshima após a explosão da primeira bomba atômica a ser usada na 2ª Guerra Mundial, nesta foto de folheto feita pelo Exército dos EUA em 6 de agosto de 1945 e distribuída pelo Museu do Memorial da Paz de Hiroshima. | Foto: HANDOUT/REUTERS

O presidente Donald Trump e o líder norte-coreano Kim Jong Un frearam recentemente as ameaças de liberar o "fogo e fúria" nuclear, mas permanecem em conflito. Com a crença de que a Coreia do Norte nunca será capaz de lançar um míssil com ogiva nuclear para atacar os Estados Unidos, Trump pode ter entrado em uma caixa que exigirá contorções dignas de Houdini para escapar. 

Se Kim aceitar o blefe, Trump tem três escolhas: pode regredir, perdendo credibilidade regional, convidando Kim para se aventurar mais e encorajando a Coreia do Sul e o Japão a considerarem ter seus próprios arsenais nucleares; pode assegurar os americanos que a defesa contra mísseis do país é confiável, o que seria uma mentira; ou pode ainda lançar um ataque nuclear ou convencional preventivo contra os locais de lançamento de mísseis norte-coreanos. Esse ato de guerra pode desencadear um conflito que, especialmente em um cenário nuclear, pode causar uma destruição massiva na Península Coreana e no Japão, em parte causado pelos mísseis lançados em retaliação. 

Eu sou um ex-oficial de lançamento de mísseis nucleares. Para mim, um ataque nuclear preventivo representa uma quebra de contrato com nossas forças armadas, que certamente levariam a ordem adiante. A preocupação é maior com Trump e sua diplomacia arriscada, mas vai além disso: o protocolo para ordenar o uso de armas nucleares dá aos presidentes o poder de terminar com civilizações. A crise com a Coreia do Norte mostra como a mudança na forma de gerenciar o arsenal nuclear dos EUA é urgente. 

Todo comandante nuclear dos EUA faz um pacto com o diabo ao concordar em receber ordens de disparar armas que podem matar milhões de pessoas em retaliação por um ataque nuclear contra os EUA ou nossos aliados. Durante meu treinamento em 1971, insistiram que o propósito central das armas nucleares é dissuasão. Nosso trabalho era prevenir que adversário nos bombardeassem primeiro os convencendo que não hesitaríamos em ligar nossas chaves e atingi-los em um segundo golpe. 

É claro que a história era maior que isso, e nós sabíamos. Dissuasão pode falhar por planejamento ou acidente. Quem pode assegurar que um líder imprudente não lançaria um ataque nuclear intencionalmente? (Mantínhamos essa preocupação para nós mesmos para evitar censura ou corte marcial). Quem poderia garantir que a guerra nuclear não poderia surgir como resultado de ações sem autorização, detonações acidentais ou um alarme falso de ataque? Nós estávamos prontos para atingir em retaliação não só a economia do inimigo (as grandes cidades) e seus líderes, mas também as suas forças nucleares, para que não possam mais atacar. Essa missão foi além de dissuasão e se tornou o preâmbulo de uma luta nuclear. 

Ataque preventivo

A maioria dos nossos alvos eram (e ainda são) forças nucleares opositoras, e estaríamos prontos para destruí-las na União Soviética, na China ou na Coreia do Norte se a dissuasão falhasse e o inimigo atacasse primeiro. Sabíamos que tentaríamos atacar antes se um ataque nuclear inimigo fosse evidente – uma questão de minutos ou horas, não de meses ou anos. Alguns dos nossos planos de guerra nuclear consideravam ataques preventivos, o que quer dizer que tentaríamos atingir o adversário quando a inteligência e a espionagem indicassem claramente que um ataque seria feito aos EUA

Podemos até aceitar ser peões em um jogo de crise diplomática, no qual as forças nucleares dos EUA seriam colocadas em alerta, mobilizadas e dispersadas para fazer um adversário temer um ataque iminente e parar ou evitar mais ações agressivas. Eu participei uma vez de uma "manipulação arriscada" durante a Guerra Árabe-Israelense de 1973, quando a Casa Branca ordenou que nos preparássemos para lançar nossos foguetes na União Soviética, cujo líder ameaçou mandar tropas para ajudar as nações árabes. Todos fizemos o que tínhamos que fazer – e esse foi um grande teatro, cujo objetivo era alertar os líderes soviéticos que era melhor voltar atrás antes que os eventos saíssem do controle. 

A guerra preventiva é muito diferente. Começar uma contra o Iraque em 2003 foi provavelmente a maior tolice da política exterior do último século. Iniciar uma contra a Coreia do Norte seria do mesmo nível, especialmente porque poderia incluir ataques nucleares possivelmente recíprocos. 

Ninguém do exército americano do setor nuclear concordou com isso. Nosso "contrato" implícito é deter um ataque inimigo e, se a dissuasão falhar, destruir a capacidade bélica do inimigo. Lançar ogivas em outro país porque ele está investindo em armas nucleares é uma ação que não tem apoio nas tropas nucleares americanas. Eu conheço bem a cultura, e tenho contato com muitos oficiais. A guerra preventiva é a antítese de tudo que essas tropas acreditam. (Ataques preventivos contra a Coreia do Norte seriam levados pelos batalhões em submarinos, porque os mísseis terrestres passariam pela Rússia e China e possivelmente disparariam ataques de retaliação falsos desses países). 

E seria um desastre. As informações que temos das capacidades e intenções do adversário podem estar erradas, como estavam antes da invasão do Iraque. Ameaçar uma guerra preventiva aceleraria os esforços do outro lado de conseguir a bomba para melhorar a segurança e deter Trump, o que significa que encoraja a proliferação de armas em nações inseguras

Uma disposição de disparar primeiro em um confronto inquieto desestabiliza a crise. E uma provocação assim viola o caráter americano, que permite ameaças e uso da força somente como defesa quando não existem outros recursos. A execução de um primeiro ataque de qualquer um dos planos nucleares correntes dos EUA, mesmo uma das menores opções, como a Coreia do Norte (com cerca de 80 alvos nucleares), também violariam as leis de guerra e leis humanitárias internacionais. Como assunto de política, o Departamento de Defesa concorda com esses escritos legais. Comandantes nucleares poderiam ser levados à corte por crimes de guerra. 

Mesmo assim, Trump se entrega a esse tipo de ameaças. E ele tem autoridade para ordenar um ataque nuclear preventivo contra qualquer nação que ele quiser com apenas uma afirmação verbal para a sala de guerra do Pentágono. De acordo com o protocolo atual, ele pode consultar qualquer, todos ou nenhum conselheiro de segurança nacional, e ninguém pode legalmente contradizer uma ordem dele. 

Se ele desse sinal verde para o uso das armas nucleares, uma ordem de lançamento do tamanho de um tweet seria transmitida em poucos minutos. Eu conseguia disparar mísseis 60 segundos depois de uma ordem ser dada. E não há como trazer de volta mísseis disparados de silos e submarinos. 

Eu acredito que os comandantes nucleares de todos os níveis obedeceriam uma ordem, mesmo duvidando de sua legalidade e sabedoria. A detalhada subordinação militar, a prática exaustiva dos protocolos e a ignorância sobre a ambígua legalidade de atacar primeiro me deixam com poucas dúvidas que uma decisão presidencial de fazer um ataque preventivo seria seguida, por mais errada e imprudente que fosse. Ela não seria recomendada pelos conselheiros – se eles tiverem oportunidades de opinar – mas, no fim, a decisão seria do presidente. 

O que quer dizer que há um lado bom em ter um presidente despreparado para exercer um poder absoluto no destino do mundo; isso pode provocar propostas sérias e urgentes de fortalecer mecanismos de verificação e controle na hora de tomar decisões nucleares. Uma ideia proeminente circulando no Congresso, encabeçada pelos democratas Ted Lieu e Edward Markey, é exigir uma declaração de guerra do congresso, com uma autorização específica para uso de armas nucleares, antes que o presidente possa demandar o primeiro ataque. Outras propostas exigiriam um consenso entre líderes para primeiro ou segundo uso. 

Para reforçar esses passos, os EUA deveriam adotar oficialmente a política de nunca fazer o primeiro uso (e educar os soldados da ilegalidade do uso preventivo), eliminar armas de pouca vida útil, como os mísseis conhecidas como "usar ou perder" presentes em alguns silos, e fazer melhorias no comando e controle nuclear para aumentar advertências e tempo de decisão. Isso, e não as armas, deveriam estar no local central do programa de modernização nuclear de um trilhão de dólares. 

Finalmente, a única solução real é que os nove países que possuem armas nucleares as eliminem. Nenhum deles, exceto talvez por Israel, têm mecanismos de verificação e controle para que os líderes usem as armas nucleares. Se não eliminarmos esse arsenal enquanto estamos vivos, eles provavelmente serão usados enquanto estamos vivos – de propósito ou não. 

*Blair é pesquisador do Programa de Ciência e Segurança Global da Universidade de Princeton e fundador do Global Zero, movimento internacional para a eliminação de armas nucleares. 

(Tradução: Gisele Eberspächer)

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