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Ativistas que exigem a legalização do aborto participam de uma manifestação em frente ao Congresso Nacional em Buenos Aires, em 19 de fevereiro de 2019. (Foto de Juan MABROMATA / AFP)
Ativistas que exigem a legalização do aborto participam de uma manifestação em frente ao Congresso Nacional em Buenos Aires, em 19 de fevereiro de 2019. (Foto de Juan MABROMATA / AFP)| Foto:

Alguns defensores do aborto dizem que fazer um aborto é algo moralmente aceitável, seja porque o feto tem pouca ou nenhuma importância moral, seja porque o direito da mulher à autonomia do corpo sempre prevalece sobre quaisquer direitos que o feto possa ter. Alguns chegam até mesmo a celebrar o ato do aborto como uma manifestação do empoderamento feminino — o maior insulto possível contra o patriarcado. Eles dizem que todas e quaisquer restrições ao aborto seriam uma violação do direito feminino à autonomia sobre o próprio corpo.

Mas muitos defensores do aborto, sobretudo entre os “soldados rasos”, têm uma visão mais moderada do assunto. Eles concordam que o aborto é (ao menos em geral) algo moralmente errado ou mau, talvez até mesmo algo grave – mesmo que as mulheres não possam ser culpadas por o terem praticado. Mas ainda assim acreditam que o aborto deveria ser legalizado. Eu ousaria dizer que essa é a posição pró-aborto mais comum.

Alguns ativistas pró-vida ficam pasmos diante dessa combinação de crenças, mas alguns defensores moderados do aborto têm sempre uma justificativa à mão: eles alegam que as restrições ao aborto não funcionam. Em vez de diminuírem as taxas de aborto, elas simplesmente substituem os abortos seguros pela mesma quantidade de abortos inseguros, de “fundo de quintal”.

Se a lei não reduz a incidência de determinado comportamento problemático que ela tenta conter e se também há um custo associado a isso – como o de criar condições inseguras para mulheres que buscam abortar ou o de impor uma sobrecarga injusta sobre as mulheres numa sociedade que frequentemente já as trata injustamente – então essa lei não tem razão de ser, mesmo sendo o aborto moralmente errado ou mau.

A lógica desse argumento está acima de qualquer reprimenda. Mas a questão é que a afirmação factual em seu núcleo – a de que as restrições ao aborto não funcionam – não resiste a um escrutínio.

A fim de basear essa afirmação, defensores do aborto geralmente mencionam estudos em larga escala, como um artigo muito divulgado de 2016 publicado no periódico médico Lancet que diz que não há correlação – e que às vezes há até mesmo uma correlação inversa – entre as restrições ao aborto e as taxas de aborto em regiões com leis mais e menos liberais quanto à prática.

Para um exemplo concreto de tal argumento, não precisamos ir além do Guttmacher Institute, que tem entre seus quadros o cientista que liderou o estudo publicado no Lancet. Um infográfico muito reproduzido e que consta do seu site resume as descobertas do estudo da seguinte forma: “Leis extremamente restritivas não eliminam o aborto. Ao contrário, elas fazem com que os abortos que ocorrem sejam mais inseguros”.

O gráfico mostra que as taxas médias de aborto em países com leis severas são comparáveis às taxas médias de aborto em países onde o procedimento é legalizado.

O principal problema de se usar essas estatísticas como prova de que as restrições legais não têm efeito sobre as taxas de aborto é que elas não levam em conta variáveis de confusão – elas ignoram, por exemplo, o fato de que países com leis mais severas contra o aborto também são diferentes dos países mais liberais sob outros aspectos, que talvez afetem as taxas de aborto.

Até mesmo esse estudo de 2016 ressalta explicitamente esse problema. Apesar de o relatório final realmente dizer que “taxas de aborto não são substancialmente diferentes em grupos de países classificados de acordo com o nível de permissividade quanto ao aborto”, ele chega a dizer que “o nível de procura não atendida por contraceptivos é maior em países com as leis mais restritivas aos abortos em comparação com países que têm leis mais brandas, e isso contribui para a incidência de abortos em países com leis restritivas”.

Além disso, a grande maioria dos países com leis mais restritivas fica em regiões em desenvolvimento, e a pobreza provavelmente tem impacto sobre as taxas de aborto nesses países.

Não é totalmente implausível que as restrições ao aborto nesses países realmente evitem que muitos abortos ocorram e que esses fatores contrários acabem por fazer com que as taxas de aborto sejam semelhantes às taxas de países ricos com leis mais liberais quanto ao aborto. Na verdade, quando estudos usam métodos rigorosos para limitar o problema das variáveis de confusão, os indícios apontam na direção contrária.

Alguns estudos, por exemplo, comparam as taxas de aborto antes e depois de alterações nas leis dentro de uma região específica, e às vezes registram taxas de nascimento em vez de taxas de aborto diretamente, evitando, assim, o problema da negligência quanto aos abortos clandestinos – cujos números são sempre questionáveis.

Esses estudos embasam as afirmações de que restrições ao aborto diminuem as taxas de aborto: veja, por exemplo, o que acontece aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.

Claro que essa não é uma visão completa das pesquisas disponíveis, e restrições diferentes ao aborto têm efeitos diferentes, mas o argumento principal aqui é simplesmente o de que o cenário pode mudar radicalmente assim que se começa a levar em conta essas variáveis contrárias.

Para complementar a defesa às restrições ao aborto, claro que os ativistas pró-vida também devem avaliar os custos de tais restrições e mostrar que leis a favor da vida causam um impacto grande o bastante sobre as taxas de aborto a ponto de compensar tais custos. Mas se os defensores moderados do aborto realmente acreditam que os abortos deveriam ser “casos raros”, então mostrar que restrições ao aborto na verdade diminuem as taxas de aborto deveria levá-los a assumirem uma posição mais antiaborto.

*Kyle Blanchette é professor de filosofia na Universidade do Alabama.

Tradução de Paulo Polzonoff Jr.

©2019 National Review. Publicado com permissão. Original em inglês.

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