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Os países estão reagindo ao fenômeno das criptomoedas de maneiras bem diferentes. | Pixabay
Os países estão reagindo ao fenômeno das criptomoedas de maneiras bem diferentes.| Foto: Pixabay

Enquanto o preço do Bitcoin sobe e desce, os governos estão trabalhando contra o relógio para regulamentar a nova tecnologia. O próximo país que deve apresentar suas políticas em relação às criptomoedas é a Rússia. Segundo o site especializado Cryptovest, o ministro das Finanças, Anton Siluanov, disse que a primeira versão do projeto de regulamentação já está pronta e deve ser apresentada nos próximos dias. 

Tal rascunho já traz especificações sobre tributação, compra e circulação de criptomoedas no país, e também deixa claro que as transações de moedas digitais devem ser realizadas de forma profissional, como as plataformas de negociação já existentes. Além disso, a agência de notícias Reuters informou que existe a possibilidade de que a Rússia limite os investimentos em ICO (Initial Coin Offerings, que resumidamente são financiamentos para operações de lançamentos de novas moedas). 

Para a advogada e sócia do escritório especializado em direito digital Malgueiro Campos Advocacia, Emília Malgueiro Campos, a tendência é que a legislação russa seja mais dura em relação ao mercado das criptomoedas. “Tudo indica que será uma legislação restritiva, com limites de operação em criptomoeda e de valores que cada pessoa poderá comprar”, opina. 

Ela lembrou que a Rússia vive uma fase de esquizofrenia em relação às moedas digitais. Em 10 de outubro, o presidente Vladimir Putin anunciou que, devido ao risco da utilização das criptomoedas para atividades ilícitas ou financiar crimes, iria bloquear os sites de venda de Bitcoins e similares; um mês depois mudou o discurso para a legalização do mercado. “Parece que eles estão em um dilema. Em um momento proíbem e em outro dizem que vão liberar todos os investimentos para este mercado, mas acabam voltando atrás em algumas questões”, conta Campos. 

Além da Rússia, outros países estão no caminho de adotar leis restritivas ao mercado de criptomoedas, como a China, a segunda maior economia do mundo. Com histórico de repressão e autoritarismo, o governo de de Xi Jinping chegou a barrar as transações de Bitcoin no território em setembro. A justificativa, segundo o banco central chinês, é que o mercado sem regulamentação poderia prejudicar financeiramente o país. 

“A China é um país que notoriamente não permite um grau de liberdade muito amplo para seus cidadãos, então é de se esperar que alguma legislação restritiva venha também pelo lado do governo comunista. No caso de criptomoedas não há uma proibição aberta, mas há uma restrição que está praticamente inviabilizando a operação das exchanges [plataformas de compra e venda de criptomoedas]”, explica Fernando Ulrich, economista-chefe de criptomoedas da XP Investimentos e autor do livro “Bitcoin - A Moeda na Era Digital”. 

Segundo ele, a livre negociação, compra e venda nessas plataformas praticamente inexiste atualmente na China por conta de uma obstrução do governo, que não se trata de uma legislação específica, mas que proíbe a operação de exchanges

Proibição 

Exemplos mais radicais são Equador e vizinha Bolívia. Em 2014, o então presidente do Equador, Rafael Correa, proibiu qualquer transação em Bitcoin no país e anunciou a criação de uma moeda digital própria. O resultado, segundo informou o site especializado Guia do Bitcoin, foi desastroso. A moeda eletrônica nacional não emplacou e o uso do Bitcoin só cresceu. 

Na Bolívia qualquer moeda digital está proibida e há forte repressão por parte do governo. Em maio deste ano, o Guia do Bitcoin noticiou que os parlamentares bolivianos prenderam 60 pessoas em um workshop sob a acusação de que estariam disseminando um “esquema de pirâmide”. 

“Os países que baniram as criptomoedas têm histórico de opressão e restrição às liberdades individuais em várias outras questões. As criptomoedas são apenas mais uma que eles podem tentar proibir, então não é um problema específico da tecnologia, eu diria que é mais um problema desses regimes que tem tomado atitudes arbitrárias quanto a seus próprios cidadãos”, declara Ulrich, que acredita que a proibição das criptomoedas é contraproducente, pois estimula a atividade no mercado negro e faz com que o governo perca ainda mais o controle da situação. 

Em contraponto, o cientista político e professor de Economia da PUC-PR Masimo Della Justina defende que a posição destes países em banir as criptomoedas tenha outro motivo que não a ordem ideológica. “Eles temem por suas fracas economias. Isso afeta principalmente o câmbio e suga a escassa poupança interna desses países para fins especulativos”, afirma. 

Legislações amigáveis 

O fato é que a forma como as economias estão lidando com esse novo mercado varia muito. Além dos exemplos já citados, notadamente mais restritivos, existem países que estão optando por uma legislação que estimule o desenvolvimento do setor. Na opinião de Campos, as leis mais bem-sucedidas são a do Canadá e a do Japão. “O Japão criou uma legislação bastante incentivadora dos investimentos em criptomoedas, eles foram bastante pontuais quanto aos seus respectivos usos. O Canadá seguiu uma linha semelhante e optou por tributá-las somente por seu uso principal, seja como investimento ou meio de pagamento”, conta a advogada. 

Parece que há uma confusão generalizada quando o assunto é regulamentação de criptomoedas. Conforme Ulrich, não é possível aplicar leis sobre a tecnologia que proporcionou a criação das criptomoedas. “O blockchain do Bitcoin pode ser usado para outras finalidades, como a notarização digital, em que a tecnologia é utilizada para a comprovação da existência de documentos e autenticidade de contratos. Por isso o ideal é regular os usos da tecnologia e não a tecnologia em si”, afirma o economista. 

Apesar do caos, as legislações geralmente variam em três pontos, segundo Campos: a relação do que é ou não permitido, o grau de exigências para que as exchanges possam operar no mercado e a tributação. 

Brasil 

O Brasil estuda o tema, mas ainda está longe de uma decisão. Existe um projeto em tramitação na Câmara de Deputados, de autoria de Aureo Ribeiro (SD-RJ), que buscava, em sua primeira versão, categorizar as criptomoedas como meio de pagamento e submetê-las ao Banco Central. Porém o relator do projeto, Expedito Netto (PSD-RO), apresentou um substitutivo que criminaliza qualquer uso de criptomoedas. “Esse projeto não foi bem recebido, nem mesmo pela própria comissão. Ninguém estava esperando”, conta Campos. 

Depois dessa confusão na comissão especial, um novo substitutivo foi apresentado, desta vez pelo deputado Thiago Peixoto (PSD-GO). Na opinião de Campos, esse último é um projeto “moderno, mais arrojado, condizente com a realidade das criptomoedas e que tem boas chances de ser um marco regulatório promissor para o desenvolvimento do segmento”. 

Enquanto a futura legislação é debatida no congresso, o Banco Central disse estar apenas monitorando a situação. Em comunicado emitido mês passado, o órgão afirmou que não há necessidade de regulamentação. “O Banco Central do Brasil permanece atento à evolução do uso das moedas virtuais, bem como acompanha as discussões nos foros internacionais sobre a matéria para fins de adoção de eventuais medidas, se for o caso, observadas as atribuições dos órgãos e das entidades competentes’, informa o comunicado. 

A CVM (Comissão de Valores Mobiliários) possui uma página em seu site com alguns esclarecimentos sobre as ofertas de ICO. ‘Eles afirmam que se os ICO forem realmente classificados como valor mobiliário, será preciso atender à regulamentação da CVM”, diz Ulrich. Na nota emitida pela CVM, até 10 de outubro não havia sido registrada nem dispensada de registro nenhuma oferta de ICO no Brasil. 

Pontos fora da curva

O Estado de Nova York e a Coreia do Sul também adotaram medidas mais restritivas ao comércio de criptomoedas. O estado americano, liderado pelo democrata Andrew Cuomo, aplicou uma legislação protecionista e, segundo Campos, isso fez com que dez empresas já estáveis no mercado fechassem as portas por lá para se mudarem para estados vizinhos. 

Já a Coreia do Sul, considerada uma democracia falha segundo o Índice de Democracia da The Economist, anunciou nesta quinta-feira (28) que vai adotar medidas duras para combater a negociação em criptomoedas, entre elas o fechamento das bolsas de bitcoin que operam no país. Uma nova legislação está propondo banir o uso de contas anônimas de moedas digitais e proibir que os bancos forneçam serviços para as transações de criptomoedas não identificadas nas plataformas de negociação. 

Enquanto isso, na Bielorrússia, o presidente Alexander Lukashenko, que por anos foi reconhecido como o último ditador da Europa, também quer ganhar o título de rei das criptomoedas. Ele assinou um decreto na semana passada oferecendo corte de impostos e incentivos legais para trabalhar em moedas digitais, num esforço de tornar o país em um paraíso internacional tecnológico. A proposta é que o governo da Bielorrússia possa gerar um ambiente legal mais transparente para negociar em moedas digitais.

Por que regulamentar? 

A regulamentação do setor é um primeiro caminho para proporcionar mais segurança para as empresas que operam neste mercado e para as pessoas que querem começar a adquirir criptomoedas. “Hoje as exchanges trabalham de forma muito insegura. Bancos podem fechar suas contas a qualquer momento e isso gera instabilidade para essas plataformas. A regulamentação, além de melhorar essa questão, poderá dar mais tranquilidade para que consumidores comecem a trocar dinheiro, Real, por exemplo, por criptomoedas”, explica a advogada. 

Entretanto ela alerta que uma lei mal feita pode comprometer o desenvolvimento do setor se for muito restritiva. “Uma regulamentação baseada no receio dos governos de perderem controle pode fazer com que tenhamos uma regulamentação excessiva, o que seria prejudicial ao desenvolvimento desta tecnologia”, observa. Para Campos, o “conceito fundamental da questão da regulamentação é a medida certa entre proteção para pessoas e desenvolvimento da tecnologia”. 

Venezuela e El Petro 

Presidente da Venezuela, Nicolas Maduro,  anunciou a criação do El Petro, moeda digital nacional da Venezuela.FEDERICO PARRAAFP

No início deste mês o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, anunciou que seu governo está trabalhando na criação de uma criptomoeda nacional que será chamada de Petro. O nome de batismo é compreensível, já que a moeda digital deve ser lastreada em petróleo, gás e outros minerais das reservas do país. Porém como o governo vai levar adiante esta proposta é um mistério. 

Oficialmente o objetivo é avançar nas questões de soberania monetária e transpor o bloqueio financeiro interposto pelos Estados Unidos. “Isto vai nos permitir avançar para novas formas de financiamento internacional para a economia e desenvolvimento social do país”, disse Maduro na ocasião do lançamento de sua moeda digital. Desde então, governo venezuelano criou dois órgãos para controlar o Petro: o Observatório Nacional de Blockchain e a Superintendência de Moedas Digitais. 

Segundo Justina, a tentativa de controlar a mineração de Bitcoins e criar sua própria criptomoeda está relacionada ao caos econômico que a Venezuela está vivendo. “A criptomoeda poderá fazer a economia cair na mão de mafiosos e do mercado paralelo, levando as autoridades monetárias a perderem todo o controle de inflação, juros e câmbio. Seria a anarquia econômica total e subsequente colapso político e social”, afirma o professor. 

A medida não foi vista com bons olhos pela comunidade internacional. A agência de classificação de riscos Moody’s, por exemplo, emitiu um relatório onde afirma que o mercado não terá confiança em Maduro para gerenciar a moeda, segundo informou o site Bitcoin

Para a advogada Emília Campos, a intenção do governo em criar uma criptomoeda própria é aumentar o controle sobre as movimentações financeiras dos cidadãos. “Atualmente, para ter mais privacidade sobre as transações financeiras usamos o dinheiro em espécie. Mas se os governos autoritários tirarem as moedas em espécie de circulação e deixarem apenas suas próprias criptomoedas eles retiram totalmente a possibilidade de qualquer privacidade dos cidadãos sobre suas operações financeiras, se aproveitando da rastreabilidade do blockchain”. 

O economista Fernando Ulrich também desacredita a iniciativa de Maduro. “A Venezuela está num caos monetário. Talvez seja o país do mundo que hoje tem a moeda mais inflacionada, então vive realmente um colapso do sistema monetário. Lançar uma moeda chamada El Petro, supostamente lastreada em petróleo, para mim é mais um factoide do que algo a ser levado a sério”, opina.  

Atividades ilícitas 

Quando a Rússia decidiu banir as operações em criptomoedas, em outubro (antes de mudar de ideia e iniciar o trabalho para a legalização), o país alegou que as criptomoedas poderiam financiar terrorismo e outras atividades ilícitas. Ulrich explicou que, por ser uma tecnologia aberta, qualquer pessoa pode acessá-la e dar a ela o uso que quiser. “Entretanto eu acredito que o Bitcoin e as criptomoedas são tão armas para o crime quanto o dólar, o euro, o iene. Não é algo intrínseco a esse ativo”. 

Ulrich citou ainda um relatório divulgado pelo Tesouro Britânico em 2015, o qual avaliou as diversas formas de lavagem de dinheiro em financiamentos ao terrorismo. O documento, segundo ele disse, identificou que os desvios por meio do sistema bancário e de dinheiro em espécie eram mais recorrentes do que o uso de moedas digitais para este crime. “As criptomoedas tem um sistema aberto, são rastreáveis, então não é uma ferramenta perfeita para esse tipo de atividade ilícita e essa foi a conclusão do relatório do Tesouro Britânico, que foi ratificada este ano”, completa. 

As transações que ocorrem com o Bitcoin, por exemplo, são registradas por um sistema descentralizado e tudo que está sendo transacionado pode ser visto, mas não é possível identificar a identidade dos usuários. Apenas as transações que ocorrem por meio de plataformas de negociação, as chamadas exchanges, acabam deixando um rastro e por meio dele é possível monitorar transações subsequentes até o ponto de encontrar um outro usuário que está tentando vender a criptomoeda. “Essa análise já é levada a cabo, já existem empresas que fazem esse tipo de rastreamento, então não considero que seja uma ferramenta ideal para atividades ilícitas”, acrescenta Ulrich.

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