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Os brasileiros precisam se livrar das falsas narrativas que o acorrentam à crença de que políticos que limitam sua capacidade de alcançar melhor qualidade de vida estão preocupados com seu bem-estar. (Imagem: Pixabay)
Os brasileiros precisam se livrar das falsas narrativas que o acorrentam à crença de que políticos que limitam sua capacidade de alcançar melhor qualidade de vida estão preocupados com seu bem-estar. (Imagem: Pixabay)| Foto:

Pesquisas demonstram que a maior parte dos brasileiros defende que a economia deve ser regulada mais pelo Estado do que pelo mercado, além de que as principais empresas devem pertencer ao Estado, sendo este o principal agente de redução de desigualdades e de provimento de serviços básicos.

Não é de hoje. Em 2007, 7 em cada 10 brasileiros acreditavam que o governo brasileiro deveria controlar o preço de todos os produtos vendidos no país. Essa pesquisa consta na obra ‘A Cabeça do Brasileiro’, de Alberto Carlos Almeida.

Na utopia dessa parcela dos brasileiros, o Estado é um balão que ajuda a levantar e a sustentar no ar o indivíduo. Na prática, ele é uma âncora presa à perna de cada indivíduo que o impede de andar adequadamente, muito menos de iniciar qualquer voo.

Tamanha confiança na provisão estatal esconde um aparente paradoxo: pesquisa do instituto Ipsos de 2017 apontou que 94% do eleitorado não se sentia representada por nenhum político. Como delegar tal tarefa a alguém em quem não se confia?

Esse paradoxo foi atestado pelo cientista político Bruno Garschagen na obra “Pare de acreditar no governo: por que os brasileiros não confiam nos políticos e amam o Estado”.

Como todo tratamento de dependência psicológica, mudar o quadro clínico leva tempo. Com nossa “desestatização” não será diferente. Trata-se de um processo mediante o qual o brasileiro terá, gradativamente, de se livrar das falsas narrativas que o acorrentam à crença de que políticos que limitam sua capacidade de alcançar melhor qualidade de vida estão preocupados com seu bem-estar.

Nesse contexto, ainda há mitos comuns no debate público abraçados pela maioria dos brasileiros e que precisam ser erradicados se desejamos alcançar um grau maior de desenvolvimento econômico e social por aqui. Selecionamos 4 deles para a âncora diminuir de tamanho.

1. “Idade mínima para aposentar é uma violência contra os mais pobres”

Após o debate público estar há três anos voltado dia e noite para a questão da reforma da Previdência, houve maior compreensão de que as regras atuais da Previdência Social são insustentáveis economicamente. Discursos falsos, equivocados e irresponsáveis, como o de que não há déficit no sistema ou que “basta cobrar os devedores” foram, aos poucos, expurgados.

Isso foi constatado em pesquisa da XP Investimentos, que apontou que 64% da população é a favor de haver uma reforma. Contudo, somente 23% apoiam a idade mínima proposta pelo governo — correspondente a 62 anos para mulheres e 65 anos para homens. Trata-se, para o especialista Paulo Tafner, do ponto cuja alteração demanda maior urgência. Os brasileiros, portanto, já entenderam que é preciso fazer algo sobre a Previdência, mas são contrários à proposição central, seu ponto mais importante.

Para alguns, a questão da idade mínima demanda mais tempo para ser debatida. No entanto, ela é discutida no Brasil pelo menos desde 1984, quando o Ministério da Previdência já alertava que a fixação de uma idade mínima fazia parte de uma série de medidas que, caso não fossem implantadas naquele momento, inviabilizariam a sustentabilidade do sistema previdenciário. Esse debate já dura 35 anos.

A proposta de reforma enviada pelo governo Bolsonaro, anteriormente feita por Michel Temer, não é algo inédito no país. O tema foi colocado em votação em 1998, pautado pelo governo de Fernando Henrique Cardoso. Entretanto, por um erro material do parlamentar e, à época, líder do governo no Congresso, Antônio Kandir, ela não foi aprovada: o ex-deputado acabou se confundindo e não votou favoravelmente à proposta de ajuste. Talvez seja o voto mais caro que o Brasil não teve.

A idade mínima já vigorou no Brasil. Em 1923, era requisito para aposentadoria ter, além da contribuição, ao menos 50 anos. Essa idade mínima foi ampliada para 55 anos em 1948, no governo Eurico Dutra. Todavia, em agosto de 1962, o então presidente João Goulart revogou sua exigência, possibilitando indivíduos se aposentarem apenas por tempo de contribuição. Em apenas quatro artigos, ele mitigou completamente qualquer sustentabilidade do sistema previdenciário a médio prazo, e deu no que deu.

Quase um século após a criação do sistema previdenciário brasileiro, a expectativa de vida e sobrevida do país ampliaram-se, mas um quinto das mulheres e 10% dos homens se aposentam antes dos 50 anos por aqui — algo que não era permitido já em 1923.

Segundo estudo do colunista da Gazeta do Povo Pedro Fernando Nery, além do Brasil, apenas 12 países do mundo não têm idade mínima: Arábia Saudita, Argélia, Bahrein, Egito, Equador, Hungria, Iêmen, Irã, Iraque, Luxemburgo, Sérvia e Síria.

Embora os protestos contra o estabelecimento de uma idade mínima estejam comumente baseados na proteção dos direitos dos mais pobres, a aposentadoria por tempo de contribuição é, justamente, a que acaba por concentrar os maiores privilégios. Isso porque há maior facilidade para trabalhadores urbanos e pertencentes a famílias ricas se manterem formalizados, enquanto os mais vulneráveis não conseguem fazer perdurar a carteira assinada e têm uma aposentadoria tardia, com menos benefícios. O ajuste proposto por FHC, Temer, e agora por Jair Bolsonaro, busca tornar o sistema mais igualitário.

2. “Precisamos aumentar o salário mínimo”

O Governo Bolsonaro mudou a regra de reajuste do salário mínimo. O piso salarial deixou de crescer acima da inflação,  limitando-se a manter o poder de compra do trabalhador.

A mudança contraria o consenso na política nacional de que há necessidade de se elevar o salário mínimo de maneira constante. Dessa forma, o debate fica restrito ao cálculo que deve ser feito para que ele seja aumentado a cada ano. Não se reflete, porém, se ele sequer deve existir, se o melhor é fixá-lo mensalmente ou por hora e se deve haver diferenciação entre regiões de acordo com o poder de compra dos entes federativos.

Embora as leis de salário mínimo sejam defendidas como uma forma de ajudar as pessoas de baixa renda, na prática, acabam por prejudicá-las: elas obrigam empregadores a discriminarem pessoas com baixa qualificação. Assim, esse grupo é punido duplamente: primeiro, quando o Estado fornece uma educação básica de baixa qualidade, não lhes dando capacitação suficiente para que atuem com produtividade e recebam bons salários. E, posteriormente, quando ele impede que essas pessoas tenham a oportunidade de ingressar em empregos, de fato, mal remunerados, mas que ofereçam experiência inicial e treinamento para o trabalho, bem como sirvam de sustento para aqueles que não têm outra alternativa. É o ponto de vista defendido pelo ganhador do Prêmio Nobel de Ciências Econômicas em 1976, Milton Friedman.

O salário mínimo passa a representar um grave problema quando há um descolamento entre o piso salarial a ser pago e a produtividade média da região em que ele é fixado. Quando isso ocorre, um trabalhador sem qualificação tem maior dificuldade na busca por empregos formais: para a contratação ser viável, sua produção deve ser superior ao salário e aos custos de contratação.

Essa discrepância entre produtividade e aumento do piso tem se verificado no Brasil. Entre 2004 e 2015, descontada a inflação, o salário mínimo aumentou 68%, ao passo que a produtividade ficou em 18%. Não à toa, a taxa de informalidade dos trabalhadores mais jovens é superior à de adultos, e esse grupo também tende a sofrer mais com o desemprego: estudo do Senado Federal demonstrou que a probabilidade de estar desempregado diminui com a idade, principalmente em virtude da falta de experiência de quando se é jovem. A taxa de desemprego na faixa etária de 18 a 24 anos é o dobro da média geral; entre 14 a 17 anos, o triplo.

Nem todos os lugares do mundo têm um piso salarial tal qual o estabelecido por Vargas. Há diversos países, como Áustria, Dinamarca, Finlândia, Noruega, e Suécia, que preferiram não adotá-lo. A Suíça, por exemplo, recusou em plebiscito realizado em 2016 um salário mínimo equivalente a R$ 10 mil, com quase 80% dos eleitores votando contra a medida. Surpreso? Não deveria: entre os maiores consensos entre economistas está o de que ao instituir um salário mínimo aumenta-se o desemprego entre trabalhadores jovens e desqualificados. Mesmo nos Estados Unidos não há reajustes anuais, e o valor é indexado por horas, havendo maior flexibilidade em relação à contratação e ao vínculo trabalhista que no Brasil.

Também há o problema de nosso salário mínimo ser fixado para todo o território nacional. Como o Brasil é um país com extensão continental, há realidades socioeconômicas muito destoantes entre os estados: o poder de compra de uma nota de R$ 100 equivale a R$ 150 no Piauí; no Rio de Janeiro, o mesmo valor corresponde a R$ 81.

De acordo com Friedman, ainda que as leis de salário mínimo não objetivem, em teoria, a exclusão de minorias, esse é seu resultado prático. É consenso entre economistas que aumentar o salário mínimo também amplia o desemprego de trabalhadores menos qualificados e jovens. Mais uma prova de que, de boas intenções, o inferno está cheio.

3. “O Brasil é pobre porque não investe na indústria nacional”

Levantamento indicou que a participação da indústria no PIB é a menor desde 1947, o início da série histórica. O setor representa 11,3% da atividade econômica do país, refletindo a desindustrialização das últimas décadas vividas pelo Brasil.

Bastou a divulgação desse dado para que chovessem pedidos de subsídio e maior proteção à indústria. A memória do brasileiro é curta.

A Nova Matriz Econômica, que vigorou no auge do petismo, consistia em subsidiar juros via BNDES para estimular a indústria. Em outras palavras, dinheiro público era utilizado para ajudar empresas.

Em um período de nove anos, entre maio de 2007 e maio de 2016, a conta do BNDES fechou em R$ 1,2 trilhão, valor equivalente a 40 vezes o atual orçamento do Bolsa Família — previsto para R$ 30 bilhões em 2019.

Não foi o único mimo recebido pela indústria nacional advindo do governo. A barreira comercial brasileira é uma das maiores do mundo, responsável por inibir a competição estrangeira. Como resultado, os consumidores brasileiros são obrigados a arcar com produtos mais caros e de qualidade inferior.

É um mito atrelar a riqueza de um país à quantidade de suas indústrias. A Austrália, por exemplo, é um exportador de commodities com renda muito superior à brasileira, e cresce ininterruptamente há três décadas.

O aumento de riqueza se dá por aumento de produtividade, isto é, gerar mais valor a partir do emprego dos mesmos insumos, como capital, mão de obra e terras, etc. Esse é o principal fator pelo qual o Brasil é um país de renda média: nossa produtividade está estagnada há cinco décadas, no que a revista britânica The Economist apelidou de “a soneca dos 50 anos”. Enquanto se fala em economia 4.0, o trabalhador brasileiro atualmente produz, em média, o mesmo que era produzido por um trabalhador brasileiro dos anos 1960.

Vale salientar que o processo de desindustrialização é mundial: o progresso tecnológico tende a diminuir a participação da indústria na produção total, na medida em que fica cada vez mais barato produzir os bens.

Isso não significa que não se pode fazer nada para ajudar a indústria. Um processo de simplificação tributária reduziria custos de produção. Segundo o Banco Mundial, somos o país campeão mundial em complexidade tributária, com cada empresa tendo de gastar em média 1.958 horas apenas para honrar com seus compromissos fiscais. O custo de tudo isso? R$ 60 bilhões ao ano, que poderiam ser alocados melhor na economia com menos custos ou maiores investimentos em inovações.

A infraestrutura nacional também necessita de melhoras: no índice organizado pelo Fórum Econômico Mundial, que mede a qualidade da infraestrutura de um país, o Brasil ocupa o vergonhoso 120º lugar, entre 144 posições possíveis. E, de preferência, que isso seja feito a partir de concessões à iniciativa privada.

4. “Precisamos tributar grandes fortunas”

Uma muleta comum do debate público é a exigência de regulamentação do Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF). Sempre que aparece, é acompanhado de cifras diferentes, já que não há metodologias sérias sobre seu impacto por parte de quem os propõe, com estimativas sem muita fundamentação.

Nesta legislatura, o PSB protocolou projeto de lei em nova tentativa de instituir a cobrança no Brasil. Entre as causas que justificariam a política, consta que a crise fiscal brasileira supostamente se daria por uma queda da arrecadação federal.

Trata-se de uma falha de diagnóstico: em 2018 houve a maior arrecadação dos últimos quatro anos, e continuamos com déficit primário superior a R$ 100 bilhões. A pior crise da história do país se deveu, sobretudo, ao descontrole das despesas orçamentárias, especialmente em função da escalada de gastos ocasionada pela Previdência. Estima-se que em 2019 o governo fechará seu sexto ano seguido gastando mais do que arrecada.

Além disso, aumentar impostos em uma economia já combalida pode causar problemas ainda maiores: relatório do FMI demonstrou que ajustes fiscais devem se dar, preferencialmente, pelo corte de despesas, e não por aumento de impostos. A justificativa é que o desemprego e a retração econômica são superiores nesse tipo de ajuste.

Sobre o estabelecimento de um imposto sobre grandes fortunas, vale salientar que, embora o Brasil seja um país desigual, com bastante concentração de renda, nem os 5% mais ricos do país possuem grandes fortunas: eles têm renda de aproximadamente R$ 5.200 ao mês. Afinal, o Brasil é um país de renda média.

Há ainda a questão do baixo potencial arrecadatório ao se instituir esse tipo de legislação: cerca de R$ 6 bilhões ao ano, segundo projeção da Consultoria do Senado. Tamanha cifra pagaria somente o equivalente a 12 dias do déficit da Previdência Social.

Na década de 1990, 12 países de alta renda contavam com impostos sobre grandes fortunas. Em 2017, esse número havia despencado para apenas quatro: Espanha, França, Noruega e Suíça. Mesmo assim, em 2018, a França mudou suas regras para que a cobrança das alíquotas se aplicasse somente a patrimônio imobiliário, e não mais a ativos financeiros e outros bens móveis. Nesse sentido, relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) buscou listar algumas razões pelas quais outros países vêm não apenas reduzindo, mas também extinguindo a tributação sobre riqueza, além de providenciar um balanço de argumentos positivos e negativos acerca da política.

Para a OCDE, é razoável a preocupação, por parte dos agentes políticos, com o aumento da concentração de riqueza. No entanto, se um país conta com meios para estabelecer tributação sobre ganhos de capital, heranças e propriedade (como no caso do IPTU e do IPVA), uma combinação desses elementos é geralmente preferível ao IGF — tanto sob a perspectiva dos custos administrativos quanto da eficiência na redução de desigualdades.

Entre os fatores negativos associados à medida, estão o desestímulo ao comportamento de poupar e investir, o desincentivo à atividade empreendedora e problemas relacionados à liquidez: uma vez que a relação entre renda e patrimônio é imperfeita, não há garantias de que quem possui ativos valiosos necessariamente contará com recursos para arcar com a tributação.

A defesa do aumento de impostos para os ricos é travestida de preocupação social, mas, na prática, não beneficia os mais vulneráveis, como fariam certas isenções tributárias.

Para vestir a camisa do time “pró-pobres”, é preferencial reivindicar o corte de impostos focalizado em quem possui menor renda. Se, em vez disso, defende-se apenas aumentar a tributação sobre os mais ricos, o time cuja camisa deve-se vestir é tão somente a dos “anti-ricos”.

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