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Imagem de um supermercado em Caracas, Venezuela, em 11 de janeiro de 2018: país vive escassez generalizada de alimentos | Juan Barreto/AFP
Imagem de um supermercado em Caracas, Venezuela, em 11 de janeiro de 2018: país vive escassez generalizada de alimentos| Foto: Juan Barreto/AFP

Mergulhada em um caos financeiro, a Venezuela parte para mais uma medida desesperada do governo do presidente Nicolás Maduro: começou a pré-venda da recém-criada criptomoeda venezuelana, aos moldes do bitcoin, batizada de “petro”. No total, foram disponibilizados para compra, nesta terça-feira (20), 38,4 milhões de petros, com o objetivo de chegar a 100 milhões até 19 de março. Maduro afirmou que cada petro terá o valor correspondente a um barril de petróleo – pelo menos dos primeiros 24 milhões de petros.

O lançamento ocorre no momento em que o governo da Venezuela recebe sanções de outros países por ter cometido repressões às liberdades individuais. Os venezuelanos lutam contra o colapso de sua moeda, o bolívar venezuelano, com previsão de chegar a uma hiperinflação de 13.000% nos próximos meses, de acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI). Os cidadãos do país enfrentam também uma crise de escassez generalizada de alimentos, falta de medicamentos e outros mantimentos básicos, com uma alta crescente no índice de desemprego.

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Oficialmente, o objetivo do governo da Venezuela é proteger a sua soberania monetária e driblar o bloqueio financeiro imposto pelos Estados Unidos. Mas, na realidade, especialistas avaliam a iniciativa como uma tentativa de mascarar os péssimos índices econômicos e aumentar o controle da população.

Entre as dúvidas que pairam sobre a emissão de petros, especialistas não veem como Maduro honrará sua promessa de pagar um barril de petróleo por petro, já que a produção bruta do commodity vem caindo depois de anos de má gestão e a consequente queda de preços do produto. Além disso, com a promessa de emitir 100 milhões de petros, Maduro não teria a contrapartida de quantidade correspondente de petróleo, já que tal volume ainda não teria sido extraído e depende de parcerias com empresas, em joint ventures das quais o governo de Maduro tem uma participação de apenas 60%.

Em janeiro, o Departamento de Tesouro dos Estados Unidos alertou investidores sobre a falta de confiabilidade e transparência no petro. Ao mesmo tempo, consideraram que investir na nova moeda significaria estender o crédito à Venezuela e, portanto, violar as sanções impostas ao país em agosto de 2017.

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Análise

Em entrevista concedida à Gazeta do Povo, em dezembro do ano passado, o cientista político e professor de Economia da PUC-PR Masimo Della Justina considerou que as criptomoedas, em um cenário catastrófico como o da Venezuela, poderá colocar a economia nas mãos de mafiosos e do mercado paralelo, levando as autoridades a perderem o controle sobre a inflação, os juros e o câmbio. “Seria a anarquia econômica total e subsequente colapso político e social”, afirmou o professor.

Outro problema é que as criptomoedas podem aumentar a ingerência do governo sobre as movimentações financeiras dos cidadãos. Em 20 de março, os cidadãos comuns poderão comprar as criptomoedas e Maduro já deu mostras de que deverá estimular a população a trocar o bolívar venezuelano pelo petro.

“Temos planos de utilizar o petro em fundos de pensão para todos os trabalhadores do país, para a nossa juventude, a nossa classe média e todo o turismo nacional”, disse Maduro em um discurso, em 2 de fevereiro. A criptomoeda venezuelana poderia ser incorporada ao “cartão da pátria”, o futuro cartão de identificação para os cerca de 15 milhões de venezuelanos, que deverá ser usado para qualquer tipo de solicitação de benefícios do governo e para a aquisição de alimentos. Ou seja, com isso Maduro terá um controle ainda maior sobre a população.

“Atualmente, para ter mais privacidade sobre as transações financeiras usamos o dinheiro em espécie. Mas se os governos autoritários tirarem as moedas em espécie de circulação e deixarem apenas suas próprias criptomoedas eles retiram totalmente a possibilidade de qualquer privacidade dos cidadãos sobre suas operações financeiras, se aproveitando da rastreabilidade do blockchain”, disse em dezembro, à Gazeta do Povo, a advogada Emília Malgueiro Camp, sócia do escritório especializado em direito digital Malgueiro Campos Advocacia.

Repercussão

Desde o anúncio do petro, no ano passado, a medida tem sido criticada por inúmeros economistas.

O professor de Economia em Harvard, Ricardo Hausmann, crítico de outras medidas implantadas por Maduro, escreveu em seu perfil no Twitter que a moedas como o petro não deveriam ser reconhecidas por governos legítimos por representarem de forma questionável a dívida pública de países autoritários.

À Bloomberg, o pesquisador Martin Chorzempa, do Peterson Institute for International Economics, disse ver na decisão venezuelana mais um sinal de um “frenesi” mundial pelas moedas virtuais, como uma espécie de panaceia, adotada na tentativa de resolver todos os problemas. Lembrando que o valor fundamental de criptomoedas, como o Bitcoin, vem precisamente da ausência de intermediários, compara que o caso do petro é diferente nesse aspecto. “Aqui, você tem que confiar em um intermediário que é corrupto e levou sua economia ao buraco”.

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