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O filósofo russo Alexander Dugin
O filósofo russo Alexander Dugin| Foto: Reprodução/Facebook

Há duas décadas, o filósofo russo Alexander Dugin defende publicamente que a Rússia invada a Ucrânia. Por isso mesmo, desde 2006, sua entrada no país é proibida. Durante os conflitos de 2014, quando ativistas pró-Rússia lideraram protestos ao leste e ao sul do território vizinho, enquanto Moscou anexava a Crimeia, Dugin pediu a erradicação completa da identidade nacional ucraniana. Na época, ele se declarou desapontado com o fato de o presidente russo Vladimir Putin não ter aproveitado a oportunidade para realizar uma invasão completa.

Em 2022, enquanto a possibilidade real de um ataque militar frontal volta à pauta e Putin parece disposto a seguir, finalmente, a recomendação insistente de Dugin, o pensador russo mostra novamente o tamanho de sua influência sobre o Kremlin.

Nos discursos e nas atitudes do presidente, que governa a Rússia com mãos de ferro desde 1999, parece clara a disposição para cumprir o “destino manifesto” do país, na visão do pensador: formar um novo império, composto pelo Leste Europeu e pela Ásia, capaz de se contrapor, política, militar, econômica e culturalmente, à zona de influência dos Estados Unidos.

Esse plano se traduziria em uma espécie de nova União Soviética, não comunista, mas não necessariamente democrática, e aliada próxima da China. Para ele, os Estado Unidos representam e defendem uma série de valores que ele não considera naturais à humanidade, mas sim invenções do Ocidente, como o individualismo e os direitos humanos.

Frequentemente citado como o Grigori Rasputin de Putin, em referência ao místico que influenciou fortemente a família real russa no início do século 20, Alexander Dugin seguiu uma trajetória inconstante até se firmar como referência intelectual a partir da década de 90. Desde então, inspirou até mesmo a criação de um grupo de seguidores no Brasil, e protagonizou um famoso debate público com o filósofo Olavo de Carvalho.

Influência do nazismo

Nascido em Moscou, a 7 de janeiro de 1962, Aleksandr Gelyevich Dugin era filho de um militar e de uma médica. Com seis anos, foi batizado na Igreja Ortodoxa Russa – posteriormente, se tornou membro de um grupo que pratica a religião seguindo as regras anteriores a uma série de reformas realizadas nos ritos, entre 1652 e 1666.

Aos 19 anos, Aleksandr matriculou-se Instituto de Aviação de Moscou, mas não concluiu o curso. Acabaria realizando graduação e mestrado em filosofia, com dois PhDs, um em sociologia e um em ciências políticas. Aprendeu também, de forma autodidata, a falar italiano, francês, inglês, alemão e espanhol.

Na década de 80, participou de um grupo de ocultistas, os Yuzhinsky, que flertava com o satanismo. Começou a estudar religiões pagãs, especialmente as do Leste Europeu e da Ásia. Também adotou provisoriamente o pseudônimo de Hans Siever, em homenagem a Wolfram Sievers, ex-diretor da organização nazista Ahnenerbe, que nos anos 30 realizou pesquisas arqueológicas a fim de confirmar a suposta superioridade da raça ariana.

Siever também participou de experimentos com prisioneiros de campos de concentração e foi condenado à morte durante os Julgamentos de Nuremberg. Na época, Dugin dizia que era possível adotar do nazismo e do fascismo práticas válidas para resgatar a antiga grandeza do império russo.

Em 1992, já no cenário de desmonte da União Soviética, o filósofo atuou de forma decisiva na formação da Frente Nacional Bolchevique, cujo símbolo eram uma foice e um martelo dentro de um círculo branco rodeado por uma bandeira vermelha – o resultado, visualmente, era bastante semelhante à bandeira nazista.

O grupo ficaria conhecido por realizar protestos violentos em que os integrantes, muitas vezes munidos com granadas, propunham boicotes a produtos de origem ocidental. O filósofo continua, até hoje, a defender o uso da violência: para ele, o atirador norueguês, Anders Behring Breivik, que matou 77 pessoas em 2011, é um exemplo a ser seguido, porque representa um sintoma da decadência da civilização ocidental. “O fim está chegando para a Europa. Deixemos todo o multiculturalismo, a maçonaria e orgulho gay. Deixemos toda a sujeira da Europa acabar com ela. Quanto mais Breiviks, melhor”.

Após romper com o grupo em 1998, em 2001 Dugin participou da criação do Partido pela Eurásia. Em 2005, assumiu a frente da criação de um braço do partido para jovens – há anos ele advoga pela importância de formar lideranças desde a juventude. Em 2009, lançou o mais influente de seus muitos livros: A Quarta Teoria Política, que propõe a superação do liberalismo, do comunismo e do fascismo, pela ordem.

Ainda que Dugin e Putin não sejam vistos juntos, e o presidente russo sequer mencione nominalmente o filósofo, sua influência é clara sobre as ações do governo. Seu livro Fundações da Geopolítica é leitura obrigatória na Academia Militar do Estado-Maior Geral da Rússia. Ainda assim, a abordagem agressiva rende a Dugin algumas restrições em suas atividades. Depois de pedir o genocídio dos ucranianos em 2014, ele chegou a ser afastado de seu posto na Universidade Estadual de Moscou.

Relação com o Brasil

No Brasil, existe um grupo, fundado em 2015 no Rio de Janeiro, seguidor do pensamento de Dugin. Trata-se da Nova Resistência, que se define como “uma organização política de orientação nacional-revolucionária, composta por trabalhistas, distributistas, tradicionalistas, nacionalistas de diversas vertentes e adeptos da Quarta Teoria Política que defende uma resistência ampla e em vários níveis às políticas econômicas neoliberais, ao imperialismo atlantista, à agenda globalista e ao lobby sionista nas mídias e nos governos”.

A Nova Resistência é um reduto antiliberal e anticapitalista, afirma a entidade em sua página oficial. “Aceitamos uma certa diversidade de posicionamentos políticos, desde que estejam pautados em um antiliberalismo/anticapitalismo, político e econômico, que seja profundo e consistente”. Para o Brasil, a organização propõe “um Estado forte, economicamente soberano e politicamente independente, centralizado em relação a todas as questões estratégicas e de segurança nacional e descentralizado nas bases, em relação a maioria das outras questões”.

Constantemente comparado ao americano Steve Bannon e ao brasileiro Olavo de Carvalho, o filósofo russo chegou a protagonizar um debate com Olavo – que chegou a postar vídeos em que lê suas respostas ao colega. O brasileiro não concordava com as críticas de Dugin à civilização ocidental. A troca de réplicas e tréplicas, intensa, foi reunida num livro, Os Estados Unidos e a Nova Ordem Mundial. Quando Olavo faleceu, Dugin utilizou sua conta do Facebook para publicar uma foto de Olavo e Bannon.

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