Dos seis policiais que desceram do Caveirão (o nome popular dado ao veículo blindado que transporta a Polícia Civil Rio de Janeiro durante operações) e entraram na comunidade do Jacarezinho à pé, na manhã do último dia 6 de maio, André Leonardo de Mello Frias, de 48 anos, era o último da fila.
Lotado na Delegacia de Combate às Drogas (Dcod) desde o fim do ano passado, era membro da corporação havia nove anos e, segundo colegas delegados, era muito ativo e dedicado a investigações. Foi o único policial morto durante a Operação Exceptis, que deixou 29 mortos e, segundo um levantamento do Instituto Fogo Cruzado, foi a mais letal da história do Rio de Janeiro. André Frias deixa esposa e um enteado de 10 anos, além da mãe que, há três anos, vive acamada por conta de um AVC e era sustentada pelo filho.
André deu entrada no Hospital Salgado Filho, no Méier, às 6h30 da última quinta-feira, quinze minutos após ser baleado na cabeça enquanto tentava remover uma barricada instalada por traficantes na entrada do Jacarezinho - o que motivou a decisão da equipe de seguir com a operação a pé.
"Nós entramos exatamente às 6h07 e ele estava ao meu lado”, conta o delegado Marcus Amin à Gazeta do Povo. Os bandidos estavam em um abrigo feito de concreto com cinco buracos para fuzis dando rajada na gente. Uma delas acertou o braço de um colega e acabou vitimando fatalmente o André", diz o policial. Segundo os investigadores, a bala teria ricocheteado e acertado o policial, quando o agente ferido no braço e outros dois colegas já estavam abrigados.
Além da aptidão para investigações, André Farias é descrito pelos colegas como um policial que gostava de participar de operações e sabia muito sobre armas de fogo, das quais era colecionador. Em junho de 2017, participou da investigação policial que resultou na apreensão de 60 fuzis vindos de Miami para o Aeroporto Internacional Tom Jobim, o Galeão, na Zona Norte do Rio. Por esse trabalho, foi indicado pelo então deputado Flávio Bolsonaro para receber uma moção de louvor e congratulações na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj).
A operação Exceptis
A Operação Exceptis foi deflagrada na última quinta-feira, pela Polícia Civil do Rio de Janeiro, e resultou de imediato na morte de 25 pessoas - sendo uma delas o policial André Frias. As outras 24, segundo a polícia, eram suspeitas de envolvimento com o tráfico - sendo que três deles eram alvos dos 21 mandados de prisão expedidos pela Justiça. Duas pessoas ficaram feridas em um trem da Linha 2 do metrô, na estação de Triagem. Na manhã de sábado (8), a polícia atualizou o número total de mortos para 29.
Ocorre que, desde junho do ano passado, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou a suspensão de operações em favelas durante a pandemia. Ações desse tipo só são permitidas após comunicação e justificativa ao Ministério Público. Em entrevista coletiva, o delegado Felipe Curi, chefe do Departamento Geral de Polícia-Especializada, defendeu que a operação estava dentro da legalidade e agiu para combater o tráfico.
“A DPCA estava fazendo investigação há dez meses. O tráfico estava aliciando menores. Durante a investigação, a gente identificou uma série de crimes cometidos, sequestro de composições da SuperVia, execução de pessoas pelo Tribunal do Crime e as famílias sem ter direito de enterrar seus mortos e registrar em delegacia”, disse Curi.
Entretanto, a alta letalidade da operação vem despertando críticas à atuação da polícia. Moradores da comunidade relataram cenas de invasão domiciliar e execuções. Um suspeito teria sido executado na frente de uma menina de 8 anos, dentro do quarto da garota. No metrô, uma pessoa foi ferida por estilhaços de vidro e uma por uma bala de raspão.
Em nota enviada à Gazeta do Povo, o MPRJ confirmou que estava ciente da operação no Jacarezinho.
“A Polícia Civil apontou a extrema violência imposta pela organização criminosa como elemento ensejador da urgência e excepcionalidade para realização da operação, elencando a ‘prática reiterada do tráfico de drogas, inclusive com a prática de homicídios, com constantes violação aos direitos fundamentais de crianças e adolescentes e demais moradores que residem nessas comunidades’ como justificativas para a sua necessidade. Indicou, por fim, a existência de informação de inteligência que indicaria o local de guarda de armas de fogo e drogas”, diz o órgão, que está investigando as circunstâncias das mortes.
“O MPRJ, desde o conhecimento das primeiras notícias referentes à realização da operação que vitimou 24 civis e um policial civil, vem adotando todas as medidas para a verificação dos fundamentos e circunstâncias que envolvem a operação e mortes decorrentes da intervenção policial, de modo a permitir a abertura de investigação independente para apuração dos fatos, com a adoção das medidas de responsabilização aplicáveis”.
Ontem à noite, uma reportagem do portal Metrópoles indicou que documentos sobre a investigação da Polícia Civil que resultaram na operação foram apreendidos com suspeitos de envolvimento com o tráfico; indicando vazamento de informações sobre a ação da PCERJ.
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