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G. K. Chesterton
G. K. Chesterton: gigante literário e físico (1.93m de altura e 130 quilos)| Foto: Reprodução

Gilbert Keith Chesterton (1874-1936) é um dos pensadores mais interessantes dos últimos séculos. Sua escrita e humor trazem à mais insossa pauta política, à causa mais dura de ser defendida, uma leveza quase juvenil temperada com uma sabedoria quase grotesca de tão genial. Mesmo soando um tanto quanto contraditório, o próprio crítico inglês se assumia “paradoxal”.

Chesterton não se encaixa exatamente no mesmo grupo de “conservadores” que reúne homens como Adam Smith (1723-1790) e Edmund Burke (1729-1797). Chesterton seria aquilo que Roger Scruton (1944-2020) denominaria de “conservadores culturais”. O grande Chesterton ― literalmente grande, tinha 1,93 metro de altura e 130 quilos ― não era um acadêmico, nem mesmo um professor. Era um crítico; de arte, música, literatura... de tudo. E também era um artista: da escrita. Seus textos, há poucas décadas revisitados, misturam simplicidade e profundidade. São geniais. Ler Chesterton é terapia.

De "asno" a gênio

G. K. Chesterton nasceu em Campden Hill, Kensington, em 29 de maio de 1874. Filho de Edward Chesterton e Marie Louise Keith. Desde muito jovem mostrou interesse por letras e arte, apesar de ter sido um péssimo aluno. Suas notas eram pífias, para dizer o mínimo, e nunca angariou a simpatia de seus professores.

Diz Joseph Pearce, seu mais proeminente biógrafo: “Chesterton, ao que parece, era visto como burro por seus colegas, e como um asno intelectual por seus professores”.

Mais tarde se verificaria que grande parte dessa fama de pouco dotado intelectualmente se devia por seu excesso de imaginação — e também porque o garoto Chesterton não enxergava direito: era míope. Nada disso, entretanto, impediu que Chesterton contraísse matrimônio em 1901 com Frances Blogg. Nunca tiveram filhos, o que sempre foi lamentado por ambos até o final de suas vidas.

A adolescência foi marcada por um breve interesse pelo esoterismo que, sem demora, cairia num agnosticismo um tanto quanto singular; e o afloramento de suas capacidades de escrita e análise. Como o próprio Chesterton afirmaria mais tarde em sua Autobiografia, ele foi arrebatado logo cedo por brincadeiras e leituras imaginativas que ensinaram a ele a importância de ver a realidade tal como um conto de fadas.

Em 1890, junto a Bentley e Lucien Oldershaw, fundou o Junior Debating Club, um clube para debater literatura e assuntos geralmente analisados em colunas jornalísticas. Daí em diante tal carreira literária não parou mais; o mesmo grupo criou a revista The Debater, dona de certa fama local.

Por meio de seus poemas, uma característica de seu pensamento começou a ser observada pelos parcos leitores da revista: Chesterton usava frases paradoxais para criticar, explicar e atenuar suas visões. Tal atributo o marcaria para sempre e, mais tarde, na revista Times, o eternizaria como o inventor de tal característica literária.

Trabalhou na editora Redway, em Londres, no ano de 1895; posteriormente, em 1896, na editora T. Fisher Unwin, onde permaneceu 6 anos como editor. Logo começou a se destacar entre os analistas culturais da Inglaterra; nesse mesmo período de seis anos começou a trabalhar como freelancer em alguns jornais, entrando em 1902 para a fileira dos colunistas do Daily News. Mais tarde, em 1905, assinaria uma coluna no The Illustrated London News, onde permaneceu por 30 anos. As coleções de ensaios ― que se aproximam da forma livre e bem humorada de Montaigne (1533-1592) ― logo se verteram em livros. Os romances, críticas literárias, debates e reflexões não tardariam a tomar o mesmo rumo. Ao todo escreveu mais de 80 livros.

Chesterton, de certa maneira, era movido pelas provocações e pelo ímpeto dos progressistas, por isso que chamá-lo de “polemista”, apesar do sentindo um tanto quanto raso que há em tal discrição, seja o mais fidedigno entre os adjetivos nele depositados. O progressista George Bernard Shaw (1856 – 1950) foi seu arqui-inimigo no campo intelectual, e um dos mais afetuosos amigos no plano pessoal. Hereges, o livro que o elevou para o plano de “vigoroso conservador cultural”, em grande parte foi uma resposta às críticas dos progressistas de seu tempo. Da mesma forma, Ortodoxia, aquilo que podemos denominar de sua obra magna, surgiu a partir de um desafio de Shaw, quando este afirmou que de Chesterton só se via filetes de críticas, mas não um pensamento organizado, uma teoria real. Dessa forma, Chesterton encarou a escrita de Ortodoxia como uma missão: esclarecer o que ele pensa sobre a existência.

Descoberta da fé

Quanto mais envelhecia e estudava, Chesterton abandonava as crenças agnósticas e se aproximava do que costumou-se denominar de fé “anglo-católica”. A partir de 1890, com base em suas reflexões sobre a arte e a ética, Chesterton se encontrou numa cruzada um tanto quanto radical em busca dos princípios fundantes da humanidade. Não raro encontramos em suas obras um teor de desprezo pelas ciências modernas e uma exaltação das reflexões morais dos antigos.

Nessa mesma época, dois santos católicos adentraram sua vida: São Francisco de Assis (1181-1226) e São Tomás de Aquino (1225-1274). Ambos causaram em Chesterton uma espécie de espanto existencial, o primeiro pela abnegação e saudação aos que ― mais tarde ― Chesterton denominaria de “Homens Comuns”; e o segundo por sua coragem e profundidade reflexiva, o que denominaria posteriormente como “Poesia”.

Após anos de caminhada nas periféricas tradições católicas, num sentido cada vez mais centrípeto em direção à doutrina romana, ele se converteu e foi batizado em 1922. A esposa, Frances, foi reticente ao catolicismo, não se sabe bem se por questões filosóficas e teológicas, ou por temor de represálias sociais ao marido. Mas em 1926 Frances seguiu o mesmo caminho e entrou espiritualmente na Igreja de Roma.

Chesterton faleceu em 14 de junho de 1936, aos 62 anos, em sua casa em Beaconsfield ― coincidentemente a mesma cidade onde faleceu Edmund Burke. E, assim como Burke, conseguiu reunir amores nas críticas. Bernard Shaw ― o referido arqui-inimigo de Chesterton em Hereges e Ortodoxia ―, em decorrência de sua morte, afirma: “Parece a coisa mais ridícula do mundo que eu, 18 anos mais velho do que Gilbert, o sobreviva desta forma impiedosa... As trombetas estão tocando por ele”. Antonio Gramsci (1891-1937) assim se refere a Chesterton: “Chesterton era um grande artista”. T. S. Elliot: “Se tivesse de afirmar sua qualidade essencial, diria ser a do tipo do senso comum triunfante – aquele gaudium de veritate […]”. No Brasil, homens como Gustavo Corção e Gilberto Freyre foram abertamente seus entusiastas.

As ideias

Talvez se disséssemos a Chesterton que ele era um “intelectual original”, rapidamente seríamos censurados por ele próprio, primeiro por denominá-lo como “intelectual” e depois por achar as suas ideias “originais”. Como um pensador que beirou o tradicionalismo reacionário, o inglês pensava que a originalidade estava mais em descobrir do que no inventar. Seguindo as mesmas bases tidas como “conservadoras” em Edmund Burke, Chesterton enxergava num resgate inteligente dos fundamentos morais e tradicionais da catolicidade, o antídoto contra as contorções ilusórias do progressismo moderno. Dizia Chesterton: “Se o mundo se tornar demasiado mundano, pode ser retificado pela Igreja, mas caso a Igreja se torne demasiado mundana, não há de poder ser retificada na sua mundanidade pelo mundo”.

Rapidamente poderíamos classificar Chesterton como reacionário, isto é: alguém que busca forçar o presente para um passado idílico. Com obras denominadas: Hereges e Ortodoxia, parece ele próprio reafirmar tal concepção. No entanto, Chesterton se encaixaria mais na caixa dos conservadores culturais, pois se avaliarmos as suas críticas sociais para além das alegorias retóricas que ele tão habilmente utiliza, notaremos que fatidicamente em pouco elas destoam das visões de Adam Smith e Edmund Burke.

Mas antes de nos afobarmos na apologética do conservadorismo de Chesterton, precisamos ser sinceros com as suas análises. Chesterton criticou tanto o socialismo de Shaw quanto o livre mercado de Smith; Gilbert via na própria filosofia materialista um mal a ser combatido, e por isso entendia que liberalismo e socialismo eram expressões contorcidas de uma mesma face.  “A economia liberal muitas vezes significava apenas dar, por um lado, ao já ricos a liberdade de ficarem ainda mais ricos, e, pelo outro, majestosamente conceder aos mais pobres a permissão de ficarem ainda mais pobres”.

O polemista buscou, então, emplacar uma teoria econômica desenvolvida com seu amigo Joseph Hilaire Pierre René Belloc (1870-1953), o distributivismo. Fato é que a teoria se aproximava muito mais de uma teoria social do que de uma teoria econômica, com largo apreço pela intervenção do Estado pela via cultural; nem precisamos dizer que o liberal Reino Unido não comprou a nova ideia. Aliás, não foi adiante como ideia viável nem mesmo no meio católico, ao qual ele se destinava em uma primeira apreciação.

Essa sua crítica ao liberalismo econômico, tanto quanto ao socialismo cultural e também econômico, durante muito tempo o colocou entre os reacionários católicos do século XVII e XVIII. No entanto, devemos entender suas motivações culturais: para Chesterton, a via liberal não era a adequada pois trazia em seu bojo econômico uma forte tendência à complacência filosófica e política com o jacobinismo progressista. Ora, teologicamente seria um absurdo pensar que o mal poderia criar o bem; da mesma forma, para Chesterton, seria absurdo crer que benesses espirituais e sociais ao homem poderiam verter do materialismo econômico, seja de qual vertente for.

Por isso mesmo devemos denominar sim Chesterton como um conservador, mas com as devidas ressalvas. Primeiramente, Chesterton não queria fazer parte de nenhuma patota política, muito menos buscou se definir politicamente. Nem mesmo quando criticou a política moderna e teve chances para tal ― tal postura, aliás, é também o que o aproxima do conservadorismo, pois parece ser uma regra entre os conservadores dos séculos XVII, XVIII e XIX não se encaixarem politicamente em nenhum grupo pré-definido. Em segundo lugar, o conservadorismo de Chesterton, ao contrário de Smith e Burke, tinha claras características e apelos religiosos. Para Chesterton, o cristianismo tinha toda a verdade sobre a realidade humana, e englobava em sua doutrina as bases necessárias para a boa compreensão da existência. E, finalmente, apesar de Gilbert ser um escritor universal, isto é, versou sobre quase tudo, o seu pensamento puramente conservador se dá no âmbito cultural somente; e é aí mesmo que o “conservadorismo de Chesterton” se torna tão robusto quanto “a pedra que os pedreiros rejeitaram” (Salmo 117, 22).

O Paradoxo cristão

Etienne Gilson, um dos maiores filósofos do século XX, afirmou que “Chesterton foi um dos pensadores mais profundos de todos os tempos”. Para Chesterton, assim como foi para São Tomás de Aquino, a busca dos fundamentos morais do universo é a única busca que realmente importa; e se o homem deve “perder” tempo em algo, é em observar as sutilezas dos sorrisos, os olhares curiosos e despretensiosos de um bebê, o espanto carrancudo de um velho, ou as investidas sagazes e naturais dos moços em busca de suas damas. Para o inglês, cada gotícula de sutileza que há na realidade guarda um mistério sensacional por trás; um mistério, no entanto, um tanto quanto diferente, pois o mistério, para Chesterton, não busca se esconder, mas antes busca revelar-se a todos aqueles que se esqueceram por um segundo dos racionalismos exacerbados que foram incutidos pelo iluminismo francês, o cientificismo abobalhado pregado nas academias, e a pretensa superioridade das invenções paliativas dos progressistas.

A chave para compreender a realidade, para Chesterton, está no conceito de “Paradoxo”. Para o polemista inglês, a verdade se abrandava em conceitos quase que contraditórios. “O paganismo declarou que a virtude estava no equilíbrio, e o Cristianismo veio declarar que ela estava no conflito: na colisão de duas paixões aparentemente opostas”. Chesterton acreditava que as “contradições” do cristianismo, eram, na verdade, a chave para compreender a realidade e suas supostas antinomias.

Chesterton argumentava que, obviamente, a razão é limitada, e, ao contrário do que René Descartes (1596-1650), acreditava que a realidade e a própria autonomia do homem não advêm de sua “pura razão”. O que o inglês viu é que a própria limitação da razão era a chave para compreender a verdade do universo e, no caso de Chesterton, chegar à verdade cristã. O paradoxo é quase uma falha na Matrix, um desacordo de termos que, no entanto, dependem da companhia das partes discordantes para serem o que são; o paradoxo é um limite que se apresenta apenas como um limite, e que só cabe a nós aceitá-lo e compreendê-lo pelo contexto. O paradoxo é o lado visível do mistério ― aquilo que Gilbert denominou de “universalidade restrita” ―, ou seja, o canto sensível e observável da metafísica, a linha do horizonte que indiscutivelmente nos coloca duas intransigentes certezas: a certeza relutante que daquela linha em diante eu não sei o que há e a fulcral verdade de que existe algo além dela. “E parecia-me que a própria existência era um legado excêntrico demais para que eu me queixasse de não compreender os limites da dádiva, quando, afinal, não compreendia a dádiva que eles limitavam”. “Paradoxo” é a verdade de que na realidade há a certeza e o mistério, o compreensível e o incompreensível, o Deus e o homem, a simplicidade e a soberania, o paraíso e a Cruz.

Dessa maneira, o gordo inglês se torna desconcertante para a modernidade ateísta que o lê, pois ainda que não esquentemos os bancos da paróquia mais próxima aos domingos, podemos perfeitamente entender as motivações da conversão do Chesterton ao cristianismo. Não à toa sua conversão espantou e influenciou homens como C. S. Lewis e J. R. R. Tolkien.

Chesterton teve de ceder em suas certezas racionalistas para denominar o mistério paradoxal de “Jesus Cristo”. Percebeu que, enquanto agnóstico, só poderia denominá-lo de “lindo e indiscutível mistério”; entretanto, ele não parecia ser do tipo moderado quando a questão era comida, filosofia e busca pela verdade.

O Homem Comum

“O progresso tem sido apenas a perseguição ao Homem Comum”. A chave da compreensão social e política em Chesterton está no conceito de Homem Comum. Se Burke entendia que a perseguição revolucionária atentava primeiramente contra a herança, Chesterton foi mais específico e disse que as revoluções atentavam contra a moralidade do Homem Comum. Ele explica:

“Grosso modo, há três tipos de pessoas neste mundo. O primeiro tipo de pessoa são Pessoas; de toda as classes a maior e, provavelmente, mais valiosa. Devemos-lhes as cadeiras nas quais sentamos, as roupas que vestimos, as casas nas quais moramos; e, de fato, (se pararmos para pensar), o mais provável é que nós mesmos nela estejamos. À segunda classe podemos chamar, por conveniência, os Poetas; são, frequentemente, uma dor de cabeça às suas famílias, mas via de regra uma bênção à humanidade. A terceira classe é aquela dos Professores ou Intelectuais, vez ou outra descritos como a 'gente pensante' ― e os tais são um desgosto e uma desolação tanto para suas famílias quanto para a humanidade. Por óbvio, a classificação às vezes justapõe, como todas as classificações. Algumas boas pessoas são quase poetas e alguns maus poetas são quase professores. No obstante, a divisão segue as linhas duma fronteira psicológica real”

Homem comum, para Chesterton, parece ser todos aqueles que não se aventuram em utopismos academicistas e nem vendem suas almas a militâncias. Se Smith via no indivíduo (social) o motor da existência; Chesterton via no Homem Comum (moral) tal pedal existencial. O que o indivíduo é para Smith, o Homem Comum é para Chesterton.

O polemista inglês via no progressismo uma via única de investidas pseudomorais contra o bom senso dos homens comuns. Para Chesterton ― se aliando de maneira quase uníssona a Burke e Smith ― a ética e as tradições dos homens comuns são os alicerces mais seguros da realidade, e assim como as sutilezas são os convites para o metafísico, os costumes e jeitos dos Homens Comuns são os convites para a reta política.

Uma das verdades que o materialismo socialista buscava atacar, segundo Chesterton, é a realidade do senso comum, isto é, a capacidade de todos os homens estarem unidos moralmente sob o mesmo domo de deveres e direitos. Chesterton entendia que a Lei Natural tão bem defendida academicamente por São Tomás de Aquino seria mais levemente compreendida se deixássemos que os homens se desenvolvessem organicamente sob suas próprias leis e instituições.

Aprofundando a crítica de Burke, Chesterton se conteve mais ao acossar as revoluções, e se atentou mais em criticar os pais-revolucionários. Para Chesterton, o “Professor”, ou “Intelectuais”, são aqueles que desde o início vendem uma mentira, uma impossibilidade aos desiludidos, a ideia de que podem construir por vias mundanas um paraíso terrestre. E quando o impossível está em promoção, pode ter certeza que são os mentirosos os mercadores ― argumentava Chesterton.

Ele acreditava que a filosofia do Homem Comum é de fácil compreensão, apesar de grande profundidade. Dizia que há uma enorme poesia no sorriso de uma criança e um enorme horror na agressão à uma dama, e apesar de podermos criar teses empoladas e discutirmos as filosofia entremeadas em cada vão dessas frases, poucos são aqueles que discordariam do benefício sentimental que traz o sorriso de um bebê e do mal moral que carrega uma mulher agredida.

E é essa compreensão comum, essa grotesca verdade, indiscutível, óbvia, que versa a filosofia política do Homem Comum: o óbvio que é sublimado pelas verborragias românticas de Rousseau ou Marx é colocada num palanque por Chesterton.

O papel do Homem que quer se aprofundar e estudar essa filosofia, o Poeta, é evidenciar as graças profundas, gracejos tênues e verdades gritantes que há nos homens; os poetas são homens que se aprumam interiormente para externalizar o que há de mais interior nas verdades comuns dos homens.

Democracia dos mortos

Das poucas vezes que Chesterton nos oferece suas verdades políticas em um pensamento corrente, e não em críticas a demais pensadores ou políticas determinadas, ele novamente se alia à Burke. A “Democracia dos mortos” de Chesterton é a concepção social conservadora mais comum e inabalável até hoje: a sociedade é composta não somente de teorias de gabinete, de testes sociológicos e de rascunhos identitários, mas de uma robusta e grandiosa legião de pessoas; de mortos, nascidos e dos ainda-não-nascidos.

A verdade gritante de que o homem é um ser na sociedade ao invés de ser a sociedade a invenção de um ou demais homens parece gritar tanto em Teoria dos sentimentos morais de Adam Smith, quanto em Ortodoxia de Chesterton. “O homem pertence a esse mundo antes mesmo de ter tempo de perguntar se é bom ou não pertencer a ele”, escreveu.

Nesse sentido, a tradição se torna fator indispensável à democracia. Pode-se dizer até que uma democracia sem as tradições populares, que uma democracia caduca de moralidades, religiosidades e ditames comuns não passa de uma democracia de proveta.

“A democracia nos diz que não devemos desprezar a opinião de um cavalheiro, mesmo que ele seja o nosso cavalariço: a tradição nos pede que não desprezemos a opinião de um cavalheiro, mesmo que ele seja o nosso pai. Não posso, de forma alguma, separar essas duas ideias de democracia e tradição, pois me parece evidente que ambas representam a mesma ideia. Os mortos têm de estar presentes em nossos conselhos. Os antigos gregos votavam por meio de pedras; os mortos devem votar por meio de pedras tumulares. É tudo muito regular e oficial, pois a maioria das sepulturas, como a maioria das listas de votação, são marcadas com uma cruz”.

Chesterton diz que se querem falar de democracias e liberdades, devem então falar dos mortos que opinaram sobre tudo isso antes de nós. Devemos calcular as verdades e as mudanças levando em conta os dogmas de ontem e os bebês do amanhã.

O Chesterton conservador

Chesterton parece ter se adequado às visões políticas remanescentes de Smith e Burke. E, com certeza, se forçados fossem a votar numa eleição qualquer, cujos os rumos do Reino Unido estivessem ameaçados por qualquer revolução, sem duvida figurariam no mesmo lado parlamentar.

A percepção filosófica de Chesterton foi a mesma que levou todos os demais conservadores a assumirem suas crenças político-sociais: “Ora, pareceu-me injusto que a humanidade se ocupasse perpetuamente em chamar de más todas aquelas coisas que foram boas o suficiente para tornar outras coisas melhores, em eternamente chutar a escada pela qual subiu”.

Chesterton, em seu tempo, talvez tenha sido o mais apto debatedor. Seus argumentos, além de imaginativos, eram profundos e gozavam de uma razão interna que parecia uma armadilha: sua capacidade artística de bem escrever ainda nos leva a deixar-nos conduzir pelas curvas de suas premissas, sem que percebêssemos nossos arredores cercados por grandes exemplos, por grandes e indiscutíveis verdades.

Um dos mais aptos argumentadores resolveu, por sorte nossa, aliar suas capacidades em favor das obviedades naturais da humanidade, e por consequência, das moralidades comuns e da filosofia conservadora.

Chesterton pode ser visto como um exímio esgrimista que, portando a percepção ímpar da realidade, resolveu ainda atacar as mentiras que pululavam nas mentes afobadas dos criadores de mundos perfeitos. No romance O homem que foi quinta-feira, Chesterton assim define o protagonista: ​“[...] um homem a quem desde cedo a rematada loucura da maioria dos revolucionários compele a adotar diante da vida uma atitude demasiadamente conservadora”. Assim como os expoentes primários do pensamento conservador, Chesterton foi mais empurrado à defesa de suas filosofias políticas conservadoras, do que o fez por benevolência. Aquilo que Adam Smith fez pela filosofia moral e econômica, Edmund Burke à atuação política e reflexão histórica, Chesterton fez ao óbvio e ao senso comum.

Conteúdo editado por:Jones Rossi
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