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Programas de reciclagem são apenas belas campanhas de relações públicas. Hoje várias cidades os abandonam pelo preço e ineficiência.
Programas de reciclagem são apenas belas campanhas de relações públicas. Hoje várias cidades os abandonam pelo preço e ineficiência.| Foto: Pixabay

Um cidadão americano que começou a separar o lixo reciclável do tradicional nos anos 1980 e manteve o hábito até 2018 possivelmente nem imaginava. Mas boa parte do plástico que ele separava não era reaproveitado em seu próprio município. Em geral, ao longo dessas quase quatro décadas, as cidades não só americanas, mas também europeias, simplesmente despachavam boa parte desse material para a China – o destino para onde eram enviados 70% do total de material gerado pelos Estados Unidos e 95% dos países da União Europeia.

Os navios asiáticos que levavam produtos de consumo novos (especialmente eletroeletrônicos) para os países desenvolvidos retornavam carregados não só com plástico, mas também com restos de tecido e de minérios. Tudo era utilizado pela indústria chinesa, cujas recicladoras seguiam padrões pouco exemplares no tratamento desse material. Até que, em janeiro do ano retrasado, o governo de Pequim decidiu, do dia para a noite, não importar mais o lixo do Ocidente (que por lá era conhecido como “yang laji”). A medida restringiu duramente o tipo de material que poderia ser vendido.

Outros países asiáticos passaram a receber parte da demanda, especialmente o Vietnã, a Malásia, a Indonésia e a Tailândia, mas a reação dos governos envolvidos tem sido rápida em impor normas mais rigorosas para esse tipo de importação. A partir do momento em que não foi possível varrer o material reciclável para baixo do tapete, a falta de eficiência e os altos custos dessa indústria vieram à tona.

Na cidade de North Killingholme, na Inglaterra, um aeroporto abandonado está abarrotado com plástico descartado no local – a montanha de lixo é visível a partir de satélites. A Inglaterra, aliás, queimou em 2019 500 mil toneladas de plástico descartado a mais do que no ano anterior. A Austrália enfrenta problema semelhante. Mas é nos Estados Unidos que a crise da reciclagem ficou mais evidente.

Processo difícil

Em parte das cidades americanas de pequeno porte, os programas de reciclagem foram simplesmente abandonados – aconteceu em Kingsport, no Tennessee, e Deltona, na Flórida, onde os moradores agora precisam ir até as cidades vizinhas para levar seu lixo reciclável (e a esmagadora maioria, é claro, prefere simplesmente jogar tudo no lixo comum).

A Filadélfia se viu diante de um impasse quando a empresa contratada para reciclar pediu mais dinheiro. A solução encontrada foi queimar metade dos plásticos que a população separou imaginando que estaria fazendo um bem para o meio-ambiente.

O município de Boston está gastando US$ 2 milhões por ano para reciclar, contra US$ 200 mil em 2017, quando 80% do material era despachado para terras chinesas. Memphis, no Tennessee, passou a reciclar apenas o material de maior retorno comercial (alumínio e papel, principalmente, cujo processo de reaproveitamento é mais simples). Na Califórnia, mais de mil centros de seleção e reaproveitamento de material descartado abriram falência nos últimos dois anos. Isso porque a reciclagem, realizada de acordo com os padrões internacionais de segurança e controle de emissões, é muito mais difícil e cara do que se imagina.

Em primeiro lugar, reciclar exige lavar. É preciso retirar os resíduos orgânicos dos produtos, o que exige uma grande quantidade de água que fica contaminada com restos de alimentos e gordura. Depois da limpeza, o plástico é aquecido, num processo que gera uma fumaça poluente.

Reciclar também exige separar peças de acordo com o tipo de material, um processo especialmente trabalhoso quando se pensa no aproveitamento de eletrônicos e que ainda por cima gera uma série de resíduos tóxicos, como chumbo, mercúrio e cádmio.

Reutilizar esses produtos evita que eles sejam lançados nos lixões, mas requer uma série de cuidados que, se não tomados adequadamente, podem também trazer prejuízos para a natureza. Foi para evitar esse desgaste ambiental que a China restringiu bruscamente a importação de materiais dos países desenvolvidos. A mudança de estratégia, aliás, transformou o país num dos principais importadores globais do plástico já lavado e aquecido, pronto para ser utilizado pelas indústrias.

Depois de tantos anos estabelecendo normas seguras que, na prática, eram seguidas apenas para uma fração do material a ser reciclado, o mundo se viu diante de um desafio: encontrar formas eficientes e mais baratas de reutilizar seus próprios materiais. “Não fomos bem sucedidos na reciclagem. Depois de 40 anos de tentativas, não fomos capazes de fazer esse processo funcionar. Precisamos de uma mudança sistêmica”, declarou Ellen MacArthur, criadora da fundação que leva seu nome. Ainda não existem respostas concretas para o problema.

O país patina

O Brasil nunca chegou a exportar lixo para a China – em determinada época, nos anos 1980, o país chegou a importar material, que era lançado nos lixões. Hoje o Brasil gera 80 milhões de toneladas de lixo por ano e boa parte das cidades ainda não implementou programas de reciclagem em larga escala. Nem mesmo a Política Nacional de Resíduos Sólidos, aprovada em 2010, foi inteiramente implementada, e por isso o Senado expandiu o prazo de adaptação que deveria expirar em 2015. Além disso, a taxação incide tanto sobre o produto novo quanto sobre o reciclado, o que reduz a competitividade.

A dificuldade de implementar a indústria da reciclagem de forma economicamente viável é enorme, portanto, ainda que não falte consciência ambiental. A preocupação dos brasileiros com a reciclagem vem aumentando: segundo uma pesquisa do Ibope, encomendada pela Confederação Nacional da Indústria, 55% dos brasileiros declaram separar, em casa, lixo para reciclagem. Em 2013, eram 47%. No mesmo período, a taxa de separação do óleo de cozinha aumentou de 21% para 34%.

O país é bem sucedido na reciclagem de alumínio, que alcança 97,9% do total descartado, seguido pelo papel, com 63,4%. Em outros materiais, o percentual é consideravelmente menor – segundo o Fundo Mundial para a Natureza, o país recicla apenas 1,2% de seu plástico, por exemplo, mesmo sendo o quarto maior produtor de lixo deste tipo do mundo, atrás apenas de Estados Unidos, China e Índia.

Nas cidades brasileiras, a conta fecha? Não em Curitiba, capital pioneira em ações de reciclagem. Procurada, a secretaria de Meio Ambiente informou: "No âmbito do município, não há viés de sustentabilidade econômica em si. Mas de sustentabilidade ambiental e de geração de  renda para as famílias que trabalham com reciclagem".

Prova de que o Brasil também não encontrou uma forma financeiramente viável de reaproveitar boa parte do material que descarta.

Conteúdo editado por:Paulo Polzonoff Jr.
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