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Audiência pública para discutir a questão da maioridade penal no Brasil realizada pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) em 2016
Brasília – Audiência pública para discutir a questão da maioridade penal no Brasil realizada pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) em 2016| Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Para 84% dos brasileiros, a maioridade penal deveria ser reduzida de 18 para 16 anos (dê sua opinião), segundo levantamento apresentado em janeiro de 2019 pelo Datafolha. Aproveitando o apelo popular, 194 deputados e nove senadores lançarão esta semana a Frente Parlamentar Mista da Redução da Maioridade Penal, composta por integrantes de 17 partidos: PSL, PL, PP, MDB, Patriota, PDT, PSD, PRB, Podemos, PSC, PSB, DEM, PROS, PSDB, Avante, Cidadania e Solidariedade.

Atualmente, até completar 18 anos, o jovem que comete algum tipo de crime ou contravenção no Brasil não é penalizado da mesma forma que um adulto. A Constituição e o Código Penal afirmam que os menores de 18 anos são “penalmente inimputáveis” e estão sujeitos às normas de legislação especial. O objetivo da Frente Parlamentar, portanto, será o de discutir as propostas já em trâmite no Congresso Nacional e buscar formas para que elas sejam votadas. Em 2015 a Câmara dos Deputados aprovou a PEC 171/1993, que diminui a imputabilidade penal para 16 anos, mas a medida precisa ainda ser votada pelo Senado.

A Frente Parlamentar será presidida pelo vice-líder do governo na Câmara, Carlos Jordy. Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, o deputado afirmou que "a redução da maioridade penal é uma questão de responsabilidade e justiça” — mas também há indícios de que ela teria efeito considerável na diminuição da quantidade de ilícitos praticados por menores.

É o que mostra estudo inédito realizado pelo doutor e especialista em Economia do Crime pela Universidade Federal do Rio Grande, Cristiano Oliveira.

Trabalhos empíricos na área ainda estão longe de exibirem resultados robustos, pela dificuldade metodológica e por ainda serem incipientes. Porém eles têm o mérito de buscar bases técnicas em um debate cuja discussão possui contornos bastante ideológicos.

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Crime racional

O trabalho intitulado “Evidências empíricas dos efeitos dissuasórios da maioridade penal no Brasil” indicou que uma punição mais severa é capaz de reduzir em quase 20% a reincidência de crimes cometidos por menores. Os homicídios poderiam ser reduzidos em até 63%. O trabalho utilizou informações de prisões realizadas pelas polícias civil e militar do Rio de Janeiro nos anos de 2016 e 2017 para estimar as possíveis consequências acaso menores fossem submetidos ao Código Penal.

O artigo usa como base o modelo de crime e punição do professor da Universidade de Chicago e Prêmio Nobel de Economia de 1992, Gary Becker. Segundo os trabalhos do norte-americano, potenciais criminosos respondem de forma racional e consistente a incentivos. Isto é, agentes racionais buscam maximizar suas ações, considerando os possíveis benefícios, bem como as probabilidades de serem pegos e a severidade da punição.

Dessa forma, quanto maior a probabilidade de punição e mais severa for a pena em relação aos benefícios dos crimes, maior a capacidade de dissuasão para que indivíduos não migrem para atividades criminosas.

Metodologia

No período analisado, foram realizadas 59.126 prisões no Rio de Janeiro nas quais se tinha informações sobre o tipo e a data da ocorrência do crime, além de informações a respeito do suspeito, tais como idade, sexo, raça e origem.

Os crimes foram classificados em 55 tipos diferentes. A maioria, diferentes tipos de furtos e roubos. Com base nas características dos suspeitos, foi possível identificá-los e construir um banco de dados com o histórico dos indivíduos. Assim, foi possível saber, entre outras coisas, se o criminoso era reincidente, que tipo de crimes cometeu e o tempo transcorrido entre cada reincidência. Deste modo, foram identificados 36.782 indivíduos, dos quais 19,31% apresentaram mais de um registro em datas diferentes, ou seja, reincidiram no período de 18 meses.

Diferenças de punição para os mesmos crimes

Os menores de 18 anos que cometem crimes são regidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Ele prevê sete tipos distintos de advertências e punições, com duração de até três anos. A punição mais severa é a internação. Neste caso, crimes são tratados como “atos infracionais”. Aos 18 anos, portanto, todos os brasileiros são considerados réus primários. Os maiores de 18 anos, por sua vez, são regidos pelo Código Penal, que prevê três regimes de punição (aberto, semiaberto e fechado), com duração de até 30 anos.

Dessa forma, um menor julgado pelo crime de tráfico de drogas pode ter uma punição de até três anos, mas a internação não é obrigatória no primeiro ato infracional, conforme entendimento do STJ. Assim, apenas 17% dos menores infratores são internados, e por períodos que raramente ultrapassam os 3 meses. Já menores que praticam homicídio qualificado podem ficar internados por até três anos, mas a média de internação é de apenas nove meses, segundo o estudo.

Os mesmos crimes, quando julgados pelo Código Penal, são punidos com muito mais severidade. O crime de tráfico, por exemplo, tem pena de cinco a 15 anos de reclusão, além de pagamento de 500 a 1.500 dias-multa. Em média, pessoas condenadas por tráfico são sentenciadas a dois anos de reclusão. Já o homicídio qualificado pode render de 12 a 30 anos de prisão, mas os criminosos ficam no regime fechado por 4,8 anos, em média.

De acordo com o estudo, há um crescimento de prisões por tráfico e homicídio entre menores de até 17 anos, quando se observa um pico. Ou seja, os indivíduos de 17 anos são os que mais cometem crimes de tráfico de drogas e homicídios no período e local analisados pelo estudo. Depois do 18º aniversário, há uma queda nos crimes.

Ouvido pela Gazeta do Povo, Cristiano defende que deveria haver um modelo com medidas socioeducativas mínimas e máximas para menores: “Atualmente, independentemente do crime, o juiz tem o poder discricionário de decidir entre [penas de] zero a três anos. Então, pode ser que um furto tenha uma punição mais pesada que um homicídio”, explica. O novo modelo seria possível com uma reforma do ECA.

“Para crimes mais graves, deveria haver punições semelhantes entre menores e maiores. Hoje menores são utilizados por traficantes de drogas possivelmente porque a sua punição é desproporcionalmente menor do que a de um adulto”.

O pesquisador, contudo, não defende a simples redução da maioridade penal. “É preciso ter cuidado para não gerarmos uma punição desproporcional aos crimes. Não considero uma boa ideia julgar menores como adultos e colocá-los em prisões com adultos, porque isso pode diminuir a chance de recuperação”, afirma.

500 homicídios a menos no Rio de Janeiro por ano

Diante desses números, o estudo sugere que um aumento de punição para uma pena mínima de dois anos de prisão por tráfico de drogas (lembrando que hoje a pena máxima é de 3 meses de internação) é capaz de reduzir este tipo de crime de 6,16% a 6,88%.

Já para o crime de homicídio, um aumento de punição para pelo menos quatro anos e dez meses em regime fechado seria capaz de reduzir este tipo de crime de 63,28% a 64,15%.

As prisões de menores por homicídios dolosos representam cerca de 14% das 5.033 ocorrências deste tipo registradas no Rio de Janeiro em 2016. Assim, uma redução de 70% implicaria em uma redução aproximada de 10% no total dos homicídios cometidos, isto é, cerca de 500 homicídios poderiam ser evitados por ano.

Limitações do estudo

Embora o estudo seja metodologicamente mais robusto do que outros anteriormente realizados, o próprio pesquisador admite limitações. Inicialmente, porque não se pode ignorar que haja diferenças psicológicas que tornam jovens (menores de idade) mais propensos ao crime. Portanto, não se pode concluir que somente um aumento na severidade das punições seja capaz de dissuadir jovens a migrarem para atividades ilícitas, sobretudo crimes com retornos financeiros altos, como é o caso do tráfico de drogas.

Além disso, utilizando a mesma metodologia, mas com base de dados diferentes em outros períodos ou outros estados, pode-se chegar a conclusões distintas. Portanto, é recomendável que mais estudos sejam realizados antes que se tenha conclusões definitivas a respeito dos impactos do aumento da severidade da punição de menores de idade ou simplesmente a respeito dos impactos da redução da maioridade penal sobre crimes violentos.

Ainda há outras questões importantes neste debate, como a falta de estrutura dos locais de cumprimento da pena ou de internação, a progressão de regime, os atenuantes, a reincidência e a duração das penas.

Maioria defende redução

No levantamento citado pelo Datafolha, 33% defendem que a redução da maioridade deve valer somente para determinados crimes, enquanto 67% acreditam que ela deve ser aplicada a todos os tipos de crimes. Em média, os entrevistados pelo instituto, a idade mínima para que uma pessoa pudesse responder por seus crimes deveria ser de 15 anos.

Para 45%, a faixa etária deveria ser de 16 a 17 anos e, para 28%, de 13 a 15 anos. 9% acreditam que a idade mínima ideal é de 12 anos. Por outro lado, 15% defendem que uma pessoa, para ser presa, deva ter pelo menos entre 18 e 21 anos.

No mundo

A maioridade penal é de 10 anos no Reino Unido, 14 anos na Alemanha, 15 anos na Suécia e Noruega, e 17 anos na Polônia.

Há países em que a maioridade é de apenas 7 anos, como na Tailândia, Índia, Paquistão, Nigéria e Sudão.

Na maior parte da América Latina ela é de 18 anos, tendo como exceção o Chile, onde a maioridade penal é de 14 anos.

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