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Estamos numa época sombria no que se refere ao aspecto moral da humanidade. É verdade que hoje não temos um enfrentamento militar do porte da Segunda Guerra Mundial, ou uma doença generalizada como a famigerada Peste Negra. Mas não é exagero algum afirmar que passamos por uma guerra contra a moral ocidental alicerçada na Filosofia Grega, Direito Romano e Fé Cristã; guerra essa que está sendo travada nesse instante, sob nossos olhos, em nossas mentes entorpecidas pelas propagandas ideológicas e engenharias culturais que muitos tentam emplacar a todo custo na cultura do Ocidente.

Talvez sejamos a primeira era na história humana em que assassinatos de fetos ainda no ventre materno, por exemplo, sejam vistos como uma atitude de benevolência, um caso de saúde pública ou misericórdia humanista. É bem verdade que heresias medievais, como os cátaros, matavam grávidas a fim de evitar “a desgraça” que era uma alma presa ao corpo corruptivo. Mas, com certeza, o nosso caso é o primeiro da história humana onde as pessoas, deliberadamente, montam teses, arrogam estudos, fazem propaganda e passeatas a fim de que seja “legal” o assassinato de bebês humanos.

Entretanto, o caso da inversão moral (ou de valores) não norteia somente o debate sobre o aborto ― ainda que esse seja o exemplo que mais utilizarei no decorrer do ensaio por ser absurdo inconteste. Há outras sandices dignas de nota como, por exemplo, quando a filósofa feminista Márcia Tiburi diz ser “a favor do assalto” como resposta à imersão no capitalismo em que todos nós estamos inseridos. Diz a feminista que há uma “lógica no assalto”, ou seja, que há algo que o justifica e o dá razão de ser. Entretanto, vamos olhar essas afirmações a partir de um panorama mais abrangente. 

Diariamente vemos como nossos policiais são tratados pelos intelectuais, pela opinião pública e militantes de ideologias à esquerda; diariamente somos assolados por notícias sobre a crueldade da bandidagem organizada, sobre estupros, latrocínios, assaltos realizados com armamentos de guerra, e outros tipos de crimes hediondos. No país que ensina crianças a coabitarem ainda no ensino fundamental, e onde se alastra a teoria que policiais são vermes fascistas, é o mesmo país dos 62 mil assassinatos por ano, país de Márcia Tiburi, a filósofa que é a favor do assalto. 

Essas contradições e estranhezas são constatadas por todos que possuem o mínimo senso de lógica e uma capacidade cognitiva maior que a de um papagaio. Não é preciso ser doutor para perceber a beleza pôr do sol, e nem catedrático para se enojar com atos vis. 

Os casos citados acima são meramente ilustrativos ― ainda que verdadeiros ― sobre aquilo que chamaremos no ensaio de “inversão de valores”. Uma sociedade que perdeu o norte do que é moral e ético, geralmente elege seu ego como sendo o novo marco do que é certo e errado; e assim sendo, não há porque se assustar com uma filósofa que se diz a favor do assalto, afinal, quem já leu Saul Alinsky e sua obra Rules for Radicals, ou Marighella com O Manual Do Guerrilheiro Urbano, bem sabe que Tiburi é uma mera estagiária da insanidade. 

A inversão de valores não é uma tese acadêmica ― ainda que haja pessoas sérias na academia que investigam a temática ―, ou uma teoria constituída em laboratórios e diretórios partidários. É uma constatação geral, uma percepção comunal que anda gerando um asco natural em pessoas comuns, letradas ou não. E por essa constatação não vir da intelligentsia ― classe que aqui no Brasil, em sua maioria, está comprometida com a agenda ideológica socialista ― que ela merece nossa atenção, respeito e investigação. 

Se não há mais uma haste simbólica, um farol natural que nos mostra que matar fetos no útero materno é errado, e que ensinar crianças a transarem é uma perversão sem igual, então o que nos resta é a libertinagem como guia de uma sociedade caótica. O problema de não possuir um senso comum sobre os princípios régios de moralidade social, uma “natureza comum anterior à razão” (HIMMELFARB, 2011, p. 104) como afirma Gertrude Himmelfarb, é que tudo passa a ser permitido, até mesmo o grotesco, o bestial, o brutal, o asqueroso. Como dizia Kiríllov, no romance Os Demônios, de Fiódor Dostoiévski: “Se Deus não existe, sou Deus” (DOSTOIÉVSKI, 2008, p. 572); se não existe nenhum princípio norteador da moral, então tudo é permitido. 

Nessa esteira de reflexão, segundo Eric Voegelin, a sociedade só conheceu as carnificinas do século XX, os aterradores morticínios feitos através das ideologias, pois o sentindo de transcendente da sociedade foi derrubado pela filosofia moderna. Não havia mais uma “cidade de Deus” em contrapartida à “cidade dos Homens”, como afirmava Santo Agostinho, só existe agora a cidade dos Homens, como os iluministas pregavam e os materialistas ainda endossam. E se só existe esse plano terreno, então façamos o céu na terra, como Joaquim de Fiore propôs com a sua “era do espírito” (Cf. VOEGELIN, 2012, p. 145) ― adiantando aquilo que Hegel faria ao denominar o Estado como espírito absoluto. Não há Deus, mas há a ideologia, não há mais religião que valha a pena seguir, a não ser a religião civil proposta por Rousseau. "Os 200 milhões de mortos nas guerras, revoluções e guerras civis de nosso século são o preço horripilante que a humanidade pagou no altar da nova religião civil" (PENNA, 2017, p. 48). 

E com isso o homem moderno perdeu o parâmetro da existência de algo que o sobreponha e lhe dê balizas no qual construir suas atitudes e escolhas; para muitos, a única máxima que vale é: “é proibido proibir”. Já imaginaram quantas atrocidades poderiam ser justificadas a partir desse lema? Será que seria justo condenar Hitler se nossas sociedades e juízos fossem geridos a partir desse aforismo? 

Contudo, como combater tudo isso? Como afastar ou contrapor essas inversões morais que assolam a modernidade? Essa parece ser uma pergunta que poucos ousam responder em um momento de crise. Talvez porque ela demanda uma responsabilidade ímpar e um comprometimento com a coerência e a prática das retas virtudes. 

Alguns ― no processo de contraposição dos erros das inversões morais ― se voltam ao radicalismo oposto buscando uma espécie segurança forçada, acabam se fechando numa atitude tão diminuta e sufocante quanto os imoralismos que tentam atacar; se tornam moralistas ― no sentido degradante do termo ― e rígidos “cagadores de regras”, se elevam como arautos da moralidade, condenando como inquisidores modernos todos os tipos de faltas privadas e heresias públicas. Esses são os que sofrem do complexo de Herodes. 

Outros, por sua vez, começam a pregar um individualismo torpe e amorfo, dizendo que “cada um deve cuidar de seu bedelho”, fogem do assunto para não ter que confrontá-lo. Entretanto deixar para lá não resolve nada, fingir que um problema não existe não faz surgir uma solução. Esses que lavam as mãos e se acovardam frente aos erros que a humanidade por vezes cultua sofrem do complexo de Pilatos. 

Ai de nós se Churchill tivesse resolvido lavar as mãos em vez de condenar os erros e contrapor as infâmias do nazismo e do comunismo; dizendo ao Ocidente que o nazismo era um problema da Alemanha e dos países anexados, assim como o comunismo era um problema russo e dos países invadidos por eles. Como seria o Ocidente se ao invés de apontar os inimigos da sociedade livre e não abrir mão dos princípios régios de uma comunidade democrática, Winston Churchill tivesse cedido às pregações politicamente corretas da contemporaneidade e tentado uma diplomacia de senhoras com Hitler e Stálin?

Como seria o Ocidente caso Churchill tivesse tentado uma espécie ecumenismo entre as democracias e as tiranias, como parece sugerir a ONU ao mundo? Para a modernidade, condenar o erro e mostrar onde estão os inimigos da sociedade livre é um ato de intolerância. Ai de nós se Reagan não tivesse sido intransigente com o totalitarismo soviético, se João Paulo II não afirmasse abertamente que o comunismo era um câncer a ser combatido; ai de nós se ambos tivessem agido com tolerância para com os erros e blasfêmias contra a liberdade do Ocidente. Ai de nós... 

Não creio em sociedades perfeitas, não sou minimamente utópico em achar que chegaremos ao “fim da história” num igualitarismo tribal, abraçando árvores e cantando canções de Caetano Veloso. Muito menos acredito num libertarianismo onde cada um gerencia sua vida conforme suas supremas vontades, onde cada vida e particularidades são totalmente independentes das de seus vizinhos e conterrâneos; confiando, assim, tão somente na benevolência ou na troca mercantil como a mão invisível da sociedade. Mais totalitária e utópica que uma sociedade afogada em regras e determinismo político-ideológicos, somente uma sociedade sem regras alguma, onde a minha vontade é direito e a do vizinho uma usurpação. 

Três são os caminhos possíveis para devolver minimamente ao mundo moderno uma certa sanidade e pragmatismo: 

Conhece a ti mesmo 

Eric Voegelin chamava de anamnesis o ato de mergulhar na própria consciência e relembrar os acontecimentos e ideias que formam hoje nossos arsenais interpretativos da realidade. Sem essa verdadeira imersão, fica praticamente impossível de rastrear as correntes de ideias e fatos que preconizam e organizam nossas percepções do mundo e das ideias que influenciam nossas vidas em sociedade. Sem essa anamnesis, nos tornamos eternamente guiados por correntes de ideias que não conhecemos além do que elas nos permitem conhecer, sem esse autoconhecimento nunca iremos quebrar os cadeados e nos tornar verdadeiramente livres. O aforismo grego: “conhece a ti mesmo”, escrito no Templo de Apolo em Delfos, se mostra um dos conselhos mais sábios de todos os tempos. 

Este processo de autoconhecimento, entretanto, faz com que enxerguemos um paradigma: ao tentar compreender as bases de nossa razão e antecipar em nós as realidades e ideias que nos gestam numa interpretação do mundo, percebemos que a própria realidade já nos oferece um esboço fantasmagórico da verdade que nela existe. Em suma, descobrimos que não há um princípio em mim mesmo, como quis o cogito cartesiano.

Edmund Burke chamou essa realidade que nos antecede e atua em nós antes mesmo da nossa razão de “Sabedoria sem reflexão” (BURKE, 2014, p. 55); ou seja, uma estrutura que já estava aqui antes de chegarmos, uma verdade que antecede meu querer egoísta e minhas prepotências. Muitos entendem essa estrutura como um determinismo aprisionador, mas na realidade ela não se trata de um molde ditatorial. Essa estrutura nos mostra que há certos princípios inatos na natureza e que, se contrariados, gerarão efeitos colaterais negativos, sejam de ordem social ou individual, ativa ou psicológica, mas cabe ao homem ― em sua liberdade ― escolher seguir ou não esses indícios. A liberdade parece ser, então, uma das primeiras leis naturais; o arbítrio é um princípio que figura no livro de Gênesis assim como nas eleições modernas, e quando isso nos é tirado sequer podemos falar de moral ou de ética. 

O primeiro passo para contrapor a inversão de valores é, pois, conhecer as ideias e fatos que formam nossas consciências interpretativas da realidade. 

Há princípios que transcendem o meu ego 

Seguindo a reflexão acima, os indivíduos modernos pararam de reconhecer que há algo que transcende os seus gostos e achismos, isso acontece justamente porque eles não conhecem as ideias e fatos que formam suas mentalidades sociais e políticas. Defendem pautas, e militam por “verdades” que sequer conhecem além das cascas. Suas réguas morais passam a ser seus fetiches, o mundo deve girar em torno da moda propagada pela mídia pop ― que eles convenientemente abraçam ― e pela satisfação imediata de seus prazeres. Não há mais honra, abnegação e brio, há apenas o certo-agora, o que vale a pena nesse momento. Uma sociedade viciada em cumprir suas metas diminutas que por vezes não transcendem o mero momento do gozo. A segunda forma de contrapor a inversão moral, é perceber que há uma realidade que me precede, me transpassa e continua depois de minha morte. 

Se não há princípios régios então tudo é permitido; e aqui cabe algumas considerações sobre a famigerada “liberdade”. A liberdade não se faz no vácuo amoral, não existe real liberdade onde se é livre até mesmo para privar terceiros de serem livres. Já dizia em outra oportunidade: 

“A liberdade de expressão está sempre inserida num contexto espacial onde jaz uma moral reinante. Ou seja: a liberdade requer responsabilidade; ela não é uma lâmpada mágica nas mãos de um débil mental, onde, ao soar da expressão: ‘liberdade de expressão’, tudo se torna permitido e lícito, não havendo mais restrições e nem regras a serem respeitadas”. 

 A liberdade de matar um inocente não é justificável pela retórica do livre-arbítrio ou pela pregação do princípio de liberdade individual. Não é porque eu quero ser um ornitorrinco que a estrutura universal da lógica biológica irá retroceder ao meu desejo e num estalar de dedos eu passarei a ser um transespécie ― a mesma coisa com a sexualidade veiculada aos gêneros: masculino e feminino. 

Além da cerca do meu umbigo, há um mundo que me antecede e que muito provavelmente continuará após minha morte; e assim como antes de eu nascer já era imoral estuprar e abortar, assim será depois de mim. Há, sim, o certo e o errado, e não é porque nossas mentes tornaram-se turvas após décadas de pregações relativistas que certas coisas tornaram eletivas. A democracia é um princípio político primordial; entretanto não se decide o sexo de uma criança numa urna eletrônica ou num momento de êxtase pseudofilosófico. 

É um direito a priori de qualquer ser humano ter a integridade de sua sobrevivência garantida pela sociedade e pelos indivíduos que o gestaram; é princípio sacrossanto o direito de autodefesa de cada indivíduo contra aquele que atenta contra a sua vida e a vida dos seus; é direito intocável a privacidade individual assim como a liberdade de culto e pensamento.

Tais fatos não pedem licença para voto em plenário, e nem demandam escusas por contrariarem as opiniões de alguns, pois “o ‘consenso de toda humanidade’ não é de forma alguma uma condição necessária para a existência do direito natural” (STRAUSS, 2014, p. 11). A liberdade não é desculpa para a transgressão da lógica e nem para o culto ao erro; hoje quando alguém afirma uma obviedade de que a água do mar é molhada, em algum canto escuso da sociedade aparecem “pensadores” que, arrogando para si uma eloquência quase que virginal, dizem com peitos estufados: “não concordo”. 

Nesse sentido, é necessário reconhecer uma certa transcendência da relação do indivíduo-sociedade, assim como o da sociedade-Lei Natural. A transcendência, aqui, não se relaciona tão diretamente com a existência ou não de um Deus, como afirma Leo Strauss (Cf. STRAUSS, p. 18), mas há de salientar que para homens que gestaram ou evoluíram a compreensão de Lei Natural, como Aristóteles (em seu conceito de Motor Imóvel), Santo Agostinho, São Tomás de Aquino, Edmund Burke, Gilbert Keith Chesterton e outros, Deus era uma condição intransigentemente ligado à ideia de Lei Natural. Mas a nós, por hora, basta saber que esses princípios morais estão além das elucubrações ideológicas e são anteriores à razão em si. Ou seja, transcendem a mera casca dos achismos e das engenharias culturais dos intelectuais. 

Assim como um físico não pode mudar as leis do universo, apenas compreendê-las e equacioná-las; o filósofo não pode mudar certos princípios que antecedem à razão, apenas interpretá-las e desenvolver seu conhecimento a partir delas. “As regras da moral, portanto, não são conclusões de nossa razão” (HUME, 2000, p. 497).

O pragmatismo da caridade; o exemplo que arrasta

Afirma Gertrude Himmelfarb, afirma em seu livro Os caminhos para a modernidade: os iluminismos britânico, Francês e Americano que a grande diferença do iluminismo francês e americano para o iluminismo britânico foi que na escola iluminista inglesa figurou “a sociologia da virtude” (HIMMELFARB, 2011, p. 34). Ou seja, uma conflagração social no sentido de perceber os princípios morais da humanidade e reafirmá-los em atitudes individuais ou grupais de caridade na sociedade. E é importante frisar que tais atitudes de caridade eram feitas quase todas de maneira espontânea, sem endossos monetários por parte do governo ou influências de órgãos estatais; eram principalmente impulsionados por motivos éticos e religiosos. 

Para os três principais iluministas britânicos: David Hume, Adam Smith e Edmund Burke, a moralidade social era uma realidade cortante que perpassava todos os seres humanos ― eles a reconhecendo ou não ― e que, ao descobrirem tal realidade, eram naturalmente impulsionados ao acerto. Nessa argumentação é possível reconhecer a caridade não apenas como um princípio religioso ― ainda que sua maior combustão tenha se dado através desse meio ―, mas como uma realidade moral da sociedade inglesa como um todo. Para os ingleses, do século XIX e XX, viver de acordo com a moralidade social era mais que um mero princípio vitoriano ou uma regra aristocrática, era um múnus comunitário, uma necessidade de boa vivência e de conduta honrada, não importando qual camada social em que os indivíduos figuravam. 

O incentivo à virtude não é a grandeza acadêmica, isto é, o carreirismo ou a elevada intelectualidade, pois a moral antecede a razão; não era também o status social, pois a aristocracia era quase toda hereditária e não eletiva através das virtudes individuais ou familiares; assim como também não era o dinheiro a motivação à virtude, tendo em vista que ninguém pode comprar a consciência ou corrigir uma imoralidade com fortunas.

O convite à virtude é, como David Hume afirma, o bem público, o bem da humanidade, a simpatia para com a união dos indivíduos em torno de um bem comum e, como consequência dessa, a sensação de dever cumprido e a pertença a um grupo de pessoas honradas (Cf, HUME, 2000, p. 510). Alguns chamam isso de “senso moral”, ou de “senso de honra”; não matar, não roubar, não abusar, não se trata apenas de um mero mandamento religioso, mas de um princípio de honra social, um baluarte da humanidade. 

Sendo assim, a caridade e o exemplo se tornam imprescindíveis, e ambos são de origem individual. A caridade, quando forçada, não é virtuosa, assim como o exemplo dado a fim de conseguir status sociais não é verdadeiramente um mérito. Da mesma maneira que atos heroicos nos inspiram a repeti-los em nome da sensação de dever cumprido e pelo bem comunitário, assim também é o bom exemplo copiado e propagado. E eis a última dica de combate às inversões morais: a prática dos reais valores, o cultivo das virtudes individuais e sociais. A caridade extramuros é uma condição inalienável para o combate real das ideologias e das seduções imediatistas. 

Pessoas como Heley de Abreu Silva Batista, professora mineira que recentemente morreu ao tentar salvar seus alunos de um incendiário louco, e o oficial de polícia americano Ryan Holets, de Albuquerque (EUA), que adotou uma criança que muito provavelmente seria dispensada por sua mãe viciada em heroína, são indivíduos dignos de terem seus atos louvados e seus exemplos copiados. Essas pessoas, assim como muitas outras que se doam inteiramente no serviço de caridade, os agentes públicos que se empenham em manter uma conduta moral ilibada, famílias que formam cidadãos de caráter e transmitem bons ensinamentos às suas proles, ensinamentos esses que sustentaram a sociedade numa dignidade pulsante, esses são os verdadeiros cruzados contra a inversão de valores, salvaguardas dos princípios que construíram o Ocidente numa base saudável. 

Conclusão

A sociedade brasileira passou anos e mais anos alimentada num desconstrucionismo da moral ocidental fundada nos ecos daquilo que a historiadora Gertrude Himmelfarb chamou de “ideologia da razão” (HIMMELFARB, 2011, p. 3), a ideia do iluminismo francês de que a realidade, cultura e princípios morais poderiam ser construídos ― como uma casa de LEGO ― a partir de um “marco zero” (a revolução) em vez de perceber a estrutura da própria realidade dada e a partir dela gerir uma sociedade pragmática baseada na razão e na evolução técnica. 

Baseado também no princípio gramscista de remodelamento da moral, a fim de preconizar uma revolução comunista a partir da cultura, fomos embebecidos num rum oleoso e fétido; e nessa embriaguez política passamos a acreditar que não havia mais uma verdade real, existia apenas as verdades ditas pelos gurus ideológicos.

Passa-se a acreditar que tudo que há não passa de um construto social ― uma superestrutura ― a fim de oprimir e subjugar os pobres ― ou “minorias”, como dizem na atualidade. E assim sendo, se rebelar contra essa nefasta casta de moralistas era uma obrigação cultural. Entretanto, não demorou muito para que os indivíduos comuns começassem a recolher os frutos dessa devassidão filosófica. 

Hoje muitos mal conseguem julgar os fatos óbvios da realidade, não percebem as contradições de suas crenças. Olham para suas genitálias e dizem a si mesmos o contrário do que seus olhos mostram. Uma verdadeira desconexão cognitiva. Há um filtro colocado em suas vistas que os fazem negar o óbvio ao mesmo tempo que aderem aos dogmas proclamados pela intelligentsia; histericamente gritam absurdos como se fossem fatos e negam os fatos como se fossem absurdos. Aquilo que é plenamente direito individual inalienável: uma opção por uma via intelectual, sexual e política diversa, passa a ser, nas mãos dos militantes, uma imposição cultural aos demais que não coadunam com seus movimentos. Hoje é preciso pedir desculpas pelo simples fato de ser hétero, conservador ou por querer formar uma família. 

Adoram bandidos e defendem corruptos a fim de guardar a inteireza dos seus dogmas partidários; preferem a burla ao acerto. A esquerda nacional diz lutar pela democracia, ao mesmo tempo que endossa a tirania de Maduro; soltam pombas brancas em Copacabana enquanto fazem cosplay de Che Guevara; a direita ergue um altar para seus candidatos, ao mesmo tempo que chamam os opositores de fanáticos; dizem que o regime militar matou pouco, mas se assustam quando uma tirania à esquerda também mata em nome de suas crenças políticas. 

A saída mais próxima dessa caverna moderna, caverna essa que faria Platão desmaiar de espanto, é através de uma reta cultura que priorize e dê elementos certos para que os indivíduos consigam nutrir uma intelectualidade independente, que reconheçam em si próprios as linhas ideológicas e influências que o tensionam para certas vias; que possam livremente escolher o caminho que querem defender, propagar e militar ― se assim preferirem.

Posteriormente, entender que ele não é o centro gravitacional do universo, e que ninguém tem que se submeter aos seus achismos ou egos, que sua opção sexual ou filosófica não é um dogma, muito menos uma necessidade universal. E, por fim, entender que a atuação no campo social e moral transcende a mera acepção das regras da Lei Natural, que é necessário agir na sociedade de maneira efetiva e pragmática; compreender que a cultura se faz também na ação, e não na mera reflexão. Entender que a caridade enobrece o homem e o exemplo conduz a sociedade para fora de si mesma. 

Se o relativismo trouxe a confusão, a caridade traz a certeza; se é dúbio o entendimento sobre o que é bom, certo e justo, alimentar um mendigo não deixa nenhuma suspeita sobre o que é certo. A modernidade verborrageia discursos sobre direitos, amor livre, liberdade e tolerância, conceitos abstratos usados como aríete para suas ideologias que nada carregam dos princípios que são vaziamente por eles gritados; o homem moderno diz amar a humanidade, mas sem demora vira o rosto ao mendigo. Precisamos acreditar que essa guerra cultural tem como ser vencida, que a defesa dos princípios que construíram a sociedade ocidental é uma luta necessária, que bons combates enobrecem o homem, que a verdade sempre sobrepõe os construtos vis da mentira. 

Não poderia terminar o texto sem antes dar voz ao guerreiro moderno que mais lutou contra as inversões de valores, Gilbert Keith Chesterton: 

“Ora, pareceu-me injusto que a humanidade se ocupasse perpetuamente em chamar de más todas aquelas coisas que foram boas o suficiente para tornar outras coisas melhores, em eternamente chutar a escada pela qual subiu. Pareceu-me que o progresso deveria ser algo além de um contínuo parricídio; portanto, investiguei os montes de entulho da humanidade e encontrei tesouros em todos. Descobri que a humanidade está ocupada, não incidentalmente, mas eterna e sistematicamente, em jogar ouro na sarjeta e diamantes no mar. [...] portanto imaginei que a maior ocupação de um homem, não importa o quão humilde seja, é a defesa. Compreendi que um defensor é especialmente necessário quando o mundo é desprezado por seus habitantes ― que um advogado de defesa não estaria deslocado naquele terrível dia em que o sol escureceu sobre o Calvário e o Homem foi rejeitado pelos homens” (CHESTERTON, 2015, p. 18). 

 

Referências

  • BURKE, Edmund. Reflexões sobre a revolução na França. São Paulo: Edipro, 2014. 
  • CHESTERTON, G. K. O defensor / Tipos variados, Campinas – SP: Ecclesiae, 2015 
  • DOSTOIÉVSKI, Fiodór. Demónios, Barcarena: Editorial Presença, 20008 
  • HIMMELFARB, Gertrude. Os caminhos para a modernidade: os iluminismos britânico, Francês e Americano, São Paulo: É realizações, 2011. 
  • HUME, David. Tratado da natureza humana, 2ª Ed, São Paulo: Editora UNESP, 2000 
  • PENNA, J. O. de Meira. A ideologia do século XX: Ensaios sobre o nacional-socialismo, o marxismo, o terceiro-mundismo e a ideologia brasileira, 2ª Ed, São Paulo: Vide Editorial, 2017. 
  • STRAUSS, Leo. Direito Natural e História, São Paulo: WMF Martins Fontes, 2014. 
  • VOEGELIN, Eric. História das ideias políticas: Idade Média até São Tomás de Aquino, São Paulo: É realizações, 2012.
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