Quando o Brasil fazia parte de Portugal, Lisboa extraiu centenas de navios carregados de nosso ouro – e também prata e diamantes. Entre as décadas de 1690 e 1750, em especial, o fluxo de metal e pedras preciosas foi intenso. Os portugueses usaram boa parte disso para pagar dívidas na Europa toda, mas ainda hoje continuam tendo uma das maiores reservas de ouro do planeta. Estão em 13º lugar do ranking global, com 382 toneladas. Quer dizer que o Brasil poderia então ser muito mais rico, se a metrópole não tivesse extorquido a colônia? Até poderia. Mas os casos de corrupção tiram muito mais dinheiro do país do que a antiga exploração portuguesa.
Vamos aos números. É difícil estimar quanto ouro exatamente foi retirado do país nos séculos 17 e 18, mas o historiador Pandiá Calógeras (1870-1934) chegou à melhor estimativa disponível. A conta está descrita no livro 1808, do jornalista Laurentino Gomes: “No total, estima-se que entre mil e 3 mil toneladas de ouro foram transportadas do Brasil para a capital do Império. O historiador carioca Pandiá Calógeras calculou em 135 milhões de libras esterlinas o valor desse metal enviado para Portugal entre 1700 e 1801. Em moeda atual, seria o equivalente a 7,5 bilhões de libras esterlinas ou 30 bilhões de reais”.
Atualizando-se R$ 30 bilhões em 2007, data da publicação do livro, para valores de 2017, chega-se ao total de R$ 48 bilhões. Esse foi o total aproximado de riquezas brasileiras que foram parar em Portugal.
E o Petrolão, desviou quanto? Também é difícil saber.
Contas diferentes
Em abril de 2015, a Petrobras declarou que a corrupção levou R$ 6 bilhões. Mas o Ministério Público Federal estima que foram R$ 20 bilhões – fez essa conta com base nos 3% de subornos que, segundo os envolvidos ouvidos pela Operação Lava Jato, eram cobrados em todos os contratos da empresa.
Já um laudo da Polícia Federal, de 2015, estipulou que o prejuízo que a Petrobras sofreu com a corrupção está na casa dos R$ 42,8 bilhões. A PF estima que os 3% declarados nos depoimentos estão longe da realidade, e que as taxas de propina chegariam a até 20%.
Por sua vez, a CPI da Câmara dos Deputados e o Conselho de Controle de Atividades Financeiras chegaram ao valor de R$ 52 bilhões. Mas cálculos mais recentes falam em mais dinheiro ainda: R$ 88,6 bilhões.
Trata-se do total que, de acordo com o jornal Folha de S.Paulo, a própria empresa identificou em balanço, em janeiro de 2015, mas depois retirou. Seria este o valor lançado como investimento da empresa, mas gasto, de fato, com propinas e superfaturamento de obras – como a refinaria Abreu de Lima e do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro.
Desse total, até 2016, foram recuperados R$ 661 milhões. Nesse caso, considerando a estimativa mais pessimista, sumiram então R$ 87,93 bilhões de recursos públicos que acabaram nos bolsos de políticos e empresários.
Instituição assaltada
E tudo isso sem mencionar a perda de valor da empresa depois do escândalo. Se a Petrobras valia R$ 380 bilhões em 2010 (o equivalente a R$ 608 bilhões atuais), chegou a 2015 valendo R$ 101,3 bilhões. Depois se recuperou e alcançou os R$ 209,4 bilhões em 2016. Ainda assim, é uma perda bruta de R$ 170,6 bilhões.
“Não sabemos o tamanho exato do rombo”, diz o cientista político Cláudio Gurgel, professor de Política e Administração Pública da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
“As cifras no Brasil são sempre objeto de disputa, de desinformação e manipulação. O caso mais antigo é o rombo da previdência pública, que vai de um déficit em torno de R$ 200 bilhões de reais, segundo o governo, até a afirmação de que não há déficit, mas sim superávits, segundo o Sindicato dos auditores fiscais”.
“No caso da Petrobras, há perdas que vão além do rombo, seja ele qual for”, ele continua. “A Petrobras tem um traço simbólico de administração pública desenvolvimentista, republicana, nacionalista. É uma instituição. Esse grupo que a assaltou não tinha qualquer compromisso com todo esse legado de um tempo de esperanças dos brasileiros”.
Sangria contínua
A cobrança de impostos pesados sobre as riquezas extraídas de Minas Gerais deu início a rebeliões, a mais famosa delas sendo a Inconfidência Mineira. Já as investigações da Lava Jato levaram para as ruas das maiores cidades brasileiras milhares de cidadãos inconformados. Os escândalos foram denunciados, as investigações avançam. Mas será que, neste momento, o Brasil continua sendo lesado pela falta de ética?
“O Brasil é um país de corruptos. Todo mundo admite o jeitinho, o quebra-galho”, responde Alvaro Martim Guedes, professor de administração pública da UNESP.
“A pessoa que vê um caminhão tombado na estrada e pega uma parte da carga, ou vai no gabinete do vereador pedir favor em vez de ir à prefeitura cobrar transparência na prestação de contas, o aluno que responde à chamada pelo outro na aula, são todos parecidos com o Eduardo Cunha. A diferença está só na escala que o Cunha roubava”.
O professor considera que investigar e punir ajuda a coibir ações de corrupção, mas não a eliminar. “A questão não é apenas punir os responsáveis, é evitar que o desvio aconteça. Para isso, é preciso que a população exerça um controle social, acompanhe a prestação de contas”, ele diz.
“Os contratos da Petrobras, por exemplo. Os aditivos que foram sendo colocados se referiam a serviços e bens mensuráveis. O controle social poderia ter identificado que esses investimentos estavam muito além dos serviços oferecidos”.
Cláudio Gurgel acredita que, mesmo dentro da Petrobras, é possível que os esquemas de corrupção retornem. “Em minha opinião, por algum tempo os corruptos estarão inibidos e levará alguns anos para se reconstituírem os grupos de rapina, que voltarão, se um efetivo controle não for implantado e funcionar constantemente”.
Editorial: condenação de Lula confirma participação em esquema de corrupção na Petrobras. https://t.co/mbpNsjnkps pic.twitter.com/KKix1qoERq
â Gazeta do Povo (@gazetadopovo) July 13, 2017