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Segundo Joseph Pearce, “A Última Batalha” dá vislumbres de glória que até o grande Dante lutaria para superar.
Segundo Joseph Pearce, “A Última Batalha” dá vislumbres de glória que até o grande Dante lutaria para superar.| Foto: vhpfoto/Bigstock

Na semana passada, nós fizemos um passeio pelo inferno e pelo purgatório com C.S. Lewis, cortesia do seu livro O grande abismo. Nesta semana, Lewis vai-nos levar ao Céu, graças a seu livro A última batalha, o último livro das Crônicas de Nárnia.

A última batalha é o mais sombrio e o mais “adulto” de todos os livros da popular série de Nárnia. Desde as primeiras páginas, as coisas estão ruins; e continuam a piorar. É uma leitura dolorosa, quase insuportável, especialmente se alguém está lendo essa história para uma criança. Tudo está carregado de escuridão. O próprio ar que se respira das páginas está cheio de presságios de desgraça. O ritmo acelera até que os presságios da desgraça nos levam à porta da própria desgraça. Nos damos conta que, dentro de um estábulo, o deus demoníaco Tash está exigindo sacrifício. Um a um, pessoas e animais falantes são empurrados pela porta do estábulo para encontrar o próprio diabo e um destino pior que a morte.

“É realmente uma porta cruel”, diz Tirian, último rei de Nárnia. “É mais parecida com uma boca”.

“Oh, não podemos fazer nada para impedir isso?”, diz Jill com a voz trêmula.

“Não, meu leal amigo”, diz Jewel, sempre fiel e sempre esperançoso. "Pode ser para nós a porta do país de Aslam e vamos jantar em sua mesa esta noite”.

Para a alma fiel, cruzar o limiar da morte é o passo necessário para o Reino dos Céus. Não há outro meio. Devemos cruzar esse limiar, por mais amedrontador que seja; devemos atravessá-lo, mesmo que tenhamos medo do diabo. Devemos cruzá-lo, mesmo que tenhamos medo que nos leve às próprias portas do inferno, como de fato poderia. Entretanto, se amamos verdadeiramente com o poder d’Aquele que ama verdadeiramente, não temos nada a temer, pois sabemos que as portas do inferno não prevalecerão.

Quando as almas boas e fiéis são empurradas pela porta do estábulo, no próprio limiar da morte, elas se encontram em um lugar estranho e maravilhoso. “Tirian pensou – ou teria pensado se tivesse tempo de pensar – que eles estavam dentro de um pequeno estábulo de palha, com cerca de 3,6 metros de comprimento e 1,8 metro de largura. Na realidade, eles estavam na grama, o céu azul profundo estava lá em cima, e o ar que soprava suavemente em seus rostos era o de um dia no início do verão”. Encontrando um bosque repleto de lindas frutas, são tentados a colher e comer. Certamente essa fruta não foi feita para eles? Mas é sim. “Está tudo bem”, diz Peter. “Tenho a sensação de que chegamos ao país onde tudo é permitido”. Tudo é permitido porque o mal está ausente. Absolutamente ausente. Se tudo o que estava errado foi vencido, nada é errado!

Olhando em volta, eles descobrem a porta do estábulo parada sozinha no meio daquela bela paisagem. Não há estábulo, somente a porta. Mas, olhando por uma fenda na porta, eles vêem as mesmas pessoas más à luz do fogo. A vida, como as pessoas más conheciam, ainda continuava, como antes. Mas era uma vida muito diferente da vida que aqueles que cruzaram o limiar estão vivendo. É a diferença entre uma vida sombria vivida nas sombras e uma vida real vivida à luz da própria vida.

“O estábulo visto de dentro e o estábulo visto de fora são dois lugares diferentes”, diz Tirian.

“Sim”, disse Lord Digory, “seu interior é maior do que seu exterior”.

“Sim”, concordou a Rainha Lucy. “Em nosso mundo também, um estábulo já teve algo dentro dele que era maior do que o mundo inteiro”.

A vida, a verdadeira vida, a plenitude da vida, é maior do que qualquer mundo no qual a morte domina. Deus, que é vida, vida verdadeira, a plenitude da vida, é maior do que qualquer mundo que Ele criou. O Menino Jesus era inconcebivelmente maior do que a manjedoura na qual repousava.

Lewis, com seu brilho singular e costumeiro, nos diz, através da voz de Aslam, que o Pai Tempo, ao longo dos séculos de história, estava apenas sonhando. O que nós chamamos de tempo era apenas o tempo de um sonho. A vida que conhecemos antes da morte é um sonho em uma terra de sombras. Não é completamente real porque não é completamente acordado. “Enquanto ele sonhava, seu nome era Tempo”, diz Aslam. “Agora que está acordado, ele terá um novo”. O céu finalmente está totalmente desperto!

O despertar da realidade

“Aproximem-se!”, exclama Aslam, com risos em seus olhos. “Subam mais!”

Enquanto seguem na direção em que Aslam havia corrido, eles têm uma estranha sensação de déjà vu. Há algo familiar sobre a paisagem. “Nárnia não morreu”, diz Farsight, a Águia. “Aqui é Nárnia”. E ainda mais, sussurra Lord Digory, é “como uma coisa mais real”. Tomando as ideias de Platão e infundindo-as com uma compreensão cristã da Criação de Deus, ele explica por que tudo o que Deus cria e vê como bom não pode morrer e não morre. Quando eles viviam no tempo do sonho não era a verdadeira Nárnia. “Aquilo teve um começo e um fim. Era apenas uma sombra ou uma cópia da Nárnia verdadeira que sempre esteve e sempre estará aqui: assim como nosso próprio mundo, a Inglaterra e tudo, é apenas uma sombra ou cópia de algo no mundo real de Aslam… E, claro, é diferente: tão diferente quanto uma coisa real é de uma sombra ou como a vida desperta é de um sonho”.

“Finalmente cheguei em casa!”, disse Jewel. “Este é o meu verdadeiro país. Eu pertenço a este lugar. Esta é a terra que tenho procurado toda a minha vida, embora nunca a tivesse conhecido até agora. A razão pela qual amávamos a velha Nárnia é que às vezes parecia um pouco assim… Suba mais, venha mais para dentro!”

Seguindo Jewel, eles mergulham nas glórias deste Mundo Sempre Novo. “Correram cada vez mais rápido, mas ninguém ficou com calor, cansado ou sem fôlego”. Sem fadiga. Sem desconforto. Sem falta de ar. Movimento sem inércia. Sem tédio, que é apenas a inércia psicológica daqueles que não estão totalmente acordados e maravilhados. Apenas e sempre o maravilhamento.

"Não é maravilhoso?" disse Lucy. “Você notou que não dá para sentir medo, mesmo que queira? Tente." O medo é impossível porque não há absolutamente nada a temer.

E sempre há mais de tudo o que é bom. A bondade ilimitada vista com o maravilhamento sem fim. Quanto mais subimos e avançamos, maior tudo fica. O interior é maior do que o exterior. “O mundo dentro do mundo”, diz Lucy. “Nárnia dentro de Nárnia”.

“Sim”, diz o Sr. Tumnus, “como uma cebola, exceto que à medida que você continua a entrar e a entrar, cada círculo é maior que o anterior”.

Em certo ponto, até mesmo as maravilhosas habilidades de C.S. Lewis como escritor não podem ir mais longe. Uma alma presa à terra, mesmo com os olhos fixos no céu, só pode ter vislumbres da bondade que aguarda o servo bom e fiel.

Tal como aconteceu com o vislumbre da visão beatífica de Dante no Canto final da Divina Comédia, todos nós, em última análise, ficamos sem palavras na presença da inefável Beatitude. Não temos palavras para descrever a Palavra.E, no entanto, Lewis nos dá nas linhas finais de A Última Batalha vislumbres de glória que até o grande Dante lutaria para superar. Sendo assim, farei em deferência ao brilhantismo de Lewis o que T.S. Eliot fez em deferência a Dante. Vou meramente apontar para ele e permanecer em silêncio. Não há mais nada a fazer a não ser ouvir e se maravilhar:

“O sonho acabou”, diz Aslam. "Esta é a manhã."

E enquanto falava, já não parecia um leão para eles; mas as coisas que começaram a acontecer depois disso foram tão grandes e belas que não consigo escrevê-las. E para nós este é o fim de todas as histórias, e podemos dizer com toda a certeza que todos viveram felizes para sempre. Mas para eles foi apenas o começo da história real. Toda a sua vida neste mundo e todas as suas aventuras em Nárnia tinham sido apenas a capa e a página de rosto: agora, finalmente, eles estavam começando o Primeiro Capítulo da Grande História que ninguém na terra leu: que continua para sempre: em que cada capítulo é melhor do que o anterior.

Joseph Pearce é colaborador sênior do The Imaginative Conservative. Nascido na Inglaterra, Pearce é diretor de publicação de livros do Instituto Augustine e autor de várias obras, incluindo “The Quest for Shakespeare”, “Tolkien: Man and Myth”, “Literary Converts”, “Wisdom and Innocence: A Life of G.K. Chesterton”.

© 2020 Imaginative Conservative. Publicado com permissão. Original em inglês.
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