• Carregando...
israel sudão trump
Os democratas querem que você acredite que Donald Trump poderia dar um golpe de Estado.| Foto: ALEX EDELMAN / AFP

Há muita especulação na imprensa sobre a possibilidade desta eleição acabar em lágrimas, com um resultado controverso levando o outro lado a tomar o poder — como dizer isso? — em parte constitucionalmente. Como a maioria das pessoas que faz este tipo de comentário está na grande imprensa, o vilão na maioria das histórias é inevitavelmente o presidente Trump. Prevê-se que ele se recusará a deixar a Casa Branca apesar da derrota e que o Serviço Secreto ou os militares terão de tirá-lo à força. Isso supostamente ocorreria no Dia da Posse, interrompendo a cerimônia, já que Trump tem o direito constitucional de permanecer na Casa Branca até este dia. Para onde ele seria levado é uma pergunta interessante, uma vez que se fala em prisão e julgamento da família Trump. Tudo seria muito emocionante.

Para início de conversa, devo dizer que não acredito em nada disso. Se Trump for derrotado, ele entregará o cargo no Dia da Posse e provavelmente tirará férias antes de decidir se luta ou não para continuar liderando o Partido Republicano ao longo do mandato Biden-Harris. Isso porque os Estados Unidos são uma república constitucional cujos representantes, autoridades e magistrados se recusariam a seguir ordens de um usurpador ilegítimo e o expulsariam imediatamente de onde ele estivesse. O próprio presidente sabe bem disso e tem consciência do seu papel e da sua dignidade, e não deixaria de sair de cena constitucionalmente e em alto estilo. Essa é minha opinião desde que essas especulações tiveram início, e fui levado a descobrir que ela é compartilhada por um ex-funcionário do alto escalão, Michael Anton, quando o entrevistei sobre seu novo livro.

Você pode ouvir o próprio Anton explicar por que o mundo está falando que Trump vai montar uma barricada na Casa Branca aqui. E não é porque o presidente tenha ameaçado se apegar desesperadamente ao poder no caso de uma derrota. Ele repetiu várias vezes — num descuido, a meu ver, já que a imprensa está determinada a não compreendê-lo — que ele não sairia se o resultado fosse duvidoso. E por que ele deveria sair? Nenhum presidente diria algo de diferente. Mas a transição de dois meses e meio entre a eleição e a posse dá a todos tempo o bastante para esclarecer essa dúvida.

Por que, então, estamos todos temendo um ataque de Trump à Constituição? A resposta é que os democratas e seus ajudantes na imprensa se esquecem da condicional da “dúvida” e insistem em repetir “golpe, golpe, um verdadeiro golpe”. O objetivo deles é bem transparente. É gerar a uma expectativa de que Trump pode cometer um ilícito constitucional de modo que, se houver dúvida prolongada quanto aos resultados, eles possam organizar todos os ilícitos possíveis para frustar o “golpe” que todos “sabem” que Trump está planejando.

Na verdade, essa estratégia está mal-disfarçada no Projeto de Transição da Integridade (TIP, no original), assim equivocadamente batizado e no qual mais de 100 acadêmicos, políticos e ex-autoridades governamentais discutem quatro cenários diferentes em relação às eleições — e as estratégias para garantir que o resultado seja o desejável, isto é, a vitória de Biden. O site Influence Watch descreve o grupo com sobriedade, chamando-o de “teoricamente bipartidário, mas na prática um grupo progressista-esquerdista e de tendência democrata formado por políticos e personalidades a imprensa que se reuniram no verão de 2020 para simular a eleição presidencial (...) temendo que a administração Trump possa querer manipular os resultados”.

Um sinal do quão bipartidária é a experiência está no fato de que a equipe de Trump foi interpretada nos cenários por Bill Kristol, Michael Steele e o ex-secretário de Estado do Kentucky Trey Grayson, todos ardorosos opositores de Trump. E o restante são soldados no exército de mentirinha da imprensa e da esquerda. Então é óbvio que nos quatro cenários se supõe que Trump perca no voto popular e ganhe apenas uma das quatro eleições no colégio eleitoral.

Mas o que acontece nesse cenário? Aprendemos nos textos preparatórios para a possibilidade de uma transição que os apoiadores de Trump provavelmente usarão a violência e intimidação para ganhar a batalha pós-eleitoral (ainda que a maior parte da violência pré-eleitoral tenha sido cometida por alguns apoiadores de Biden e justificada ou minimizada por outros).

E ainda que a “equipe Trump” empregue táticas inescrupulosas como “recorrer à base comprometida e organizada para que ela tome as ruas em favor de Trump usando boatos sobre o perigo representado por manifestantes pró-Biden (isto é, falando da violência dos Antifas, etc.)”, a equipe de Biden usa iniciativas cavalheirescas como “organizar um ‘Dia Nacional de Restauração da Democracia’ e um “Dia Nacional de União”, ambos bipartidários e com líderes religiosos”.

(Quando li essas propostas, tive vergonha de ter pensado mal dessa gente tão nobre).

Até eu ver como eles imaginavam o cenário no qual Trump vence no colégio eleitoral. Isso envolve várias práticas, mas esse parágrafo dá uma ideia geral:

“A Campanha Biden encoraja os estados do Oeste, sobretudo a Califórnia, mas também o Oregon e Washington, que juntos são chamados de ‘Cascadia’ a declararem independência da União a não ser que os republicanos no Congresso concordem em criar reformas estruturais capaz de corrigir o sistema democrático e garantir o governo da maioria. Aconselhada pelo Presidente Obama, a Campanha Biden propõe 1) Dar o status de estado a Washington D.C. e Puerto Rico; 2) Dividir a Califórnia em cinco estados para uma representação melhor no Senado; 3) Exigir que os ministros da Suprema Corte se aposentem aos 70 anos; e 4) Eliminar o colégio eleitoral para garantir que o candidato vencedor seja aquele que venceu no voto popular.

A partir daí tudo vira um caos — ou melhor, não vira, porque alguém acaba impondo um vencedor ao país. O documento não nos diz quem ou como, mas há sinais em todo o projeto de que talvez os militares percebam que é seu dever pôr fim ao perigoso “desgoverno” do Autoritário Alaranjado, dando poder a alguém capaz de recuperar a paz.

Isso tudo é só um sonho infundado da esquerda progressista raivosa? Praticamente isso, mas, claro, é também uma tentativa (como já sugeri) de criar uma atmosfera de expectativa na qual qualquer ação defensiva de Trump para garantir que a eleição não lhe seja roubada se torna uma tentativa de golpe ou de gerar violência. Antes mesmo do dia da eleição, todas as análises perguntam se ele se recusará a aceitar os resultados, ainda que as únicas provas contra ele sejam um punhado de falar sobre não abrir mão do cargo se o resultado for duvidoso. Certamente é importante notar que Trum e seus coconspiradores não se deram a trabalhar de fazer a mesma experiência para o caso de a eleição lhe ser roubada. Como se tornou normal nos últimos anos, a esquerda acusa Trump de planejar justamente as táticas que ela própria emprega. Como disse Anton no podcast, o TIP é uma enorme experiência de projeção freudiana.

O projeto se torna mais sinistro ao questionar, num apêndice, como uma administração Biden e sua base de apoio lidariam com os que restassem do movimento trumpista depois de sua vitória. Há um bocado de especulação quanto ao que investigar — e por que crimes indiciar — o círculo social de Trump. Mas há um quê de ansiedade nisso e nenhum consenso sobre a mesa. Atacar os poderosos do outro lado talvez estabeleça um precedente assustador. Mas e quanto aos eleitores de Trump e o movimento trumpista mais amplo? Bom, aí a coisa muda de figura:

“Num aspecto mais amplo, é necessário que aja uma estratégia clara, explícita e específica de enfrentar os supremacistas brancos e as redes extremista que permitiu a ascensão de Trump ao poder e que, por sua vez, receberam apoio da administração Trump. Essa base não vai se desmobilizar automaticamente se e quando Trump deixar o cargo, e ela é inimiga do tipo de democracia pluralista com a qual os fundadores sonhavam”.

“Inimiga do tipo de democracia pluralista” e “não vai se desmobilizar automaticamente”. Será que o impulsivo Trump já tuitou algo tão assustador quanto essas palavras intencionalmente vagas?

John O’Sullivan é editor-geral da National Review.

© 2020 National Review. Publicado com permissão. Original em inglês
0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]