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Apesar da retórica do governo socialista, a verdade é que o sucesso econômico de Portugal é fruto da austeridade - com uma pitada de sorte.
Apesar da retórica do governo socialista, a verdade é que o sucesso econômico de Portugal é fruto da austeridade – com uma pitada de sorte.| Foto: Pixabay

O sucesso de Portugal é propagandeado como fruto de políticas socialistas, mas na verdade o país segue um receituário econômico bastante ortodoxo: reduziu os gastos públicos, atraiu investimentos estrangeiros, socorreu os bancos e este ano deverá registrar o primeiro superávit orçamentário em mais de 40 anos.

Pela primeira vez neste século, Portugal alcançou o restante da Europa. O crescimento econômico em 2018 atingiu 2,7%, o maior nível nos últimos dezessete anos e acima da média da zona euro (2,5%). Além disso, ao final de 2018 o Partido Socialista revelou, em seu orçamento para o ano eleitoral de 2019, que prometia entregar o déficit mais baixo (0,2%) desde a Revolução dos Cravos de 1974.

O crescimento econômico projetado deverá continuar até 2022, com uma promessa de aumento de renda para as famílias. Em 2020, o governo espera registrar o primeiro superávit na história desde o início da democracia. Ele viria um ano antes do planejado e seria o primeiro registrado por um país do sul da Europa desde 1995, quando começaram os registros.

Regras impostas por credores

A situação atual é uma mudança drástica em relação ao cenário sombrio de poucos anos atrás. Sob regras impostas pelos credores (o Fundo Monetário Internacional, o Banco Central Europeu e a Comissão Europeia), o desemprego e a pobreza dispararam, o mercado de trabalho foi precarizado, houve um aumento de 35% nos impostos, os bancos estavam em crise e faltava financiamento para os serviços sociais. A crise levou centenas de milhares de pessoas a deixarem Portugal.

Desde que chegou ao poder, em 2015, o primeiro-ministro António Costa tem gerenciado um crescimento econômico ininterrupto após a longa recessão induzida pela crise da dívida da zona do euro. No período, o desemprego caiu para 6,4%, com mais 270 mil postos de trabalho criados nos últimos dois anos. Apenas dois anos antes, em 2013, a taxa de desemprego era de 16,2%. Em abril daquele ano, atingiu o recorde de 17,8%.

“Depois de uma década de crise e recuperação, podemos dizer que Portugal fez grandes progressos”, afirma Christine Lagarde, diretora executiva do Fundo Monetário Internacional. Recentemente, a própria Lagarde agradeceu pelo reembolso antecipado de um resgate de 78 bilhões de euros do FMI/UE feito em 2011.

Os empréstimos chegaram ao valor mais baixo desde a restauração da democracia portuguesa em 1974. Costa conseguiu isso ao mesmo tempo em que cumpriu as rígidas regras fiscais da UE, que proíbem déficits orçamentários de mais de 3% do PIB.

Políticas de austeridade

Apesar de atribuído ao atual governo do Partido Socialista, o sucesso de Portugal é resultado de políticas de austeridade que começaram em 2010 como uma tentativa do primeiro-ministro socialista José Sócrates de reconquistar a confiança que havia perdido após a crise econômica mundial de 2007.

No pós-crise, os esforços do governo socialista para estimular a economia fizeram o déficit subir e o rating de dívida soberana de Portugal foi rebaixado pelas agências de investimento. Em resposta, em novembro de 2010 os socialistas aprovaram uma série de medidas de austeridade que reduziu os salários do setor público e aumentou taxas de vendas e de valor agregado.

O país continuou em crise e, em maio de 2011, o governo interino de Sócrates, a União Europeia e o Fundo Monetário Internacional chegaram a um acordo para um resgate de cerca de 78 bilhões de euros. O acordo vinha acompanhado de exigências de austeridade que foram ampliadas pelo novo primeiro-ministro, o social-democrata Pedro Passos Coelho. Em contrapartida, o anúncio de uma rodada adicional de aumento de impostos e demissões no setor público desencadearam uma onda de protestos em outubro de 2012.

A insatisfação da população com as políticas repercutiu nas urnas em 2013, com a eleição da coalizão de centro-direita que foi derrubada duas semanas mais tarde pelo Partido Socialista, que agora ocupa o cargo de primeiro-ministro com António Costa.

Neste contexto, é compreensível que o partido rejeite a retórica da austeridade, mas o único cenário em que não existem medidas de austeridade é no discurso do Partido Socialista.

Apesar de não admitir que adota políticas de austeridade, o governo adotou uma retórica de limitação da pobreza que ocultou qualquer discurso de resistência às políticas de austeridade impostas pela União Europeia.

“Nossa alternativa política funcionou e continuará a funcionar em Portugal, mas nossa ambição é de que ela seja projetada em nível europeu”, disse Pedro Marques, ex-ministro de planejamento e infraestrutura.

Portugal já dá sinais de estar recuperando espaço na Europa. O o sucesso em controlar as contas públicas do ministro das Finanças, Mario Centeno, ganhou reconhecimento internacional e garantiu sua nomeação, ano passado, como presidente do Eurogrupo, grupo que reúne os ministros das Finanças da zona do euro.

“É claro que fizemos as coisas de maneira diferente, mas seguimos as regras e hoje nossas finanças públicas estão em muito melhor forma do que há três anos. Em 2017, saímos do déficit excessivo e no ano passado tivemos o menor déficit desde que a democracia foi restabelecida. Recentemente, a Comissão Europeia tirou Portugal da lista de países com graves desequilíbrios macroeconômicos”, disse o primeiro-ministro de Portugal, António Costa.

Segundo Costa, foi essa abordagem econômica que fez os portugueses recuperarem a confiança nas instituições democráticas e na União Européia. “Desejamos construir o nosso futuro na UE com todos aqueles que querem a mesma coisa”, afirmou.

Cenário favorável 

Por outro lado, o cenário internacional ajudou Portugal. O crescimento da economia mundial e queda no preço do petróleo, além do crescimento espetacular do turismo, em boa parte estimulado pela sensação de insegurança que afasta os turistas de outros destinos no Mediterrâneo, onde há terrorismo e instabilidade, como no Marrocos e Tunísia.

As exportações também desempenharam papel fundamental. O crescimento nos mercados europeus levou as exportações portuguesas a um recorde de 89,2 bilhões de euros no ano passado.

Já o turismo está passando por um aumento recorde. A receita de turistas estrangeiros dobrou desde 2012, somando mais de 16 bilhões de euros no ano passado. Como resultado, a participação do setor de turismo no PIB subiu para mais de 8%.

“Temos um plano de ação para a sustentabilidade dedicado exclusivamente ao desenvolvimento de produtos turísticos nas regiões menos conhecidas. Essa estratégia tem valido a pena. As regiões com maiores taxas de crescimento são os Açores, o centro, o norte e o Alentejo, que tipicamente têm níveis mais baixos de turismo”, diz a secretária de Estado do Turismo, Ana Mendes Godinho.

Os estrangeiros também estão chegando para ficar. Portugal lançou um sistema de “visto de ouro” para atrair investidores e incentivos fiscais para residentes não habituais. Como resultado, os estrangeiros compraram 35 mil propriedades no ano passado, o que corresponde a 20% das vendas totais, alimentando um boom imobiliário no país.

O setor de tecnologia também está atraindo investimentos, incentivado pela mudança do Web Summit, em 2016, de Dublin para Lisboa. O encontro anual do setor de tecnologia atrai 70 mil pessoas para região do rio Tejo.

“Temos dois países: o país tradicional português, que é baseado na indústria, turismo, serviços e assim por diante. E temos essas novas empresas de alta tecnologia que são globais por natureza, lideradas por jovens ambiciosos de mentalidade global”, disse Stephan Morais, gerente geral da empresa de capital de risco Indico Capital Partners.

Morais atribui o cenário positivo ao primeiro-ministro e ao governo anterior de centro-direita, que estabeleceram um orçamento responsável que restaurou a credibilidade internacional. Por outro lado, segundo ele, são necessárias mudanças estruturais mais profundas para proteger o país contra tempos mais turbulentos. “O ambiente de negócios melhorou porque há basicamente mais atividade econômica, mas ainda temos um longo caminho a percorrer”, avalia.

"O homem mais sortudo do mundo"

Para Francisco Louçã, professor de economia e cofundador do Bloco de Esquerda em 1999, Costa é “o homem mais sortudo do mundo” porque ele assumiu o poder justamente quando a recuperação econômica global se acelerou, impulsionando as exportações portuguesas e reduzindo os preços do petróleo.

Segundo ele, a popularidade do governo é resultado de um alívio após uma recessão intensa e do resgate brutal de 2011. “O alívio não é uma política”, adverte.

Louçã aponta ainda que a sobrevivência do pacto depende do desenvolvimento de uma estratégia de longo prazo que vá além do alívio imediato da austeridade. Isso incluiria a reforma dos contratos de trabalho, o que aumentaria a capacidade industrial.

A adoção de políticas de austeridade pelo Partido Socialista português acontece em um contexto de crescimento da direita na Europa. Itália, França, Alemanha, Suécia, Finlândia, Áustria e Espanha veem um aumento de partidos e coalizões do espectro conservador

Diferentemente dos vizinhos europeus, Portugal não tem um partido de extrema-direita, o que torna difícil reproduzir a sua fórmula de sucesso em outro lugar. “A ausência de um partido de extrema-direita, o fato de que o Partido Socialista estava em oposição e a disposição dos partidos radicais de trabalhar com os moderados não é o caso na maioria dos outros países”, diz Frederico Santi, analista político da Eurasia Group.

“Mais do que um modelo para outros partidos seguirem, vejo Portugal como a exceção que comprova a regra”, conclui.

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