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As bases da ligação entre o nazismo e o comunismo estão na atuação dos irmãos Gregor e Otto Strasser.
As bases da ligação entre o nazismo e o comunismo estão na atuação dos irmãos Gregor e Otto Strasser.| Foto: Reprodução

A eterna discussão se o nazismo era de direita ou de esquerda tem transformado as redes sociais em terra arrasada nos últimos anos, meses, e, principalmente, nas últimas semanas. Mas pouco se sabe ou se comenta sobre aquela que talvez seja a mais concreta união entre conceitos inegavelmente esquerdistas e alguns dos principais aspectos da doutrina sanguinária professada por Hitler, Goebbels e outros líderes nazistas: o strasserismo.

Na década de 1920, dois irmãos alemães, Gregor e Otto Strasser, buscavam uma solução política que pudesse ser uma alternativa ao comunismo e ao liberalismo da época. Gregor era um veterano da Primeira Guerra que participou da tentativa de derrubada do governo de Weimar, formou seu próprio grupo paramilitar — que depois acabou se fundido com o Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães, mais conhecido como Partido Nazista — e foi colega de Hitler durante o Putsch da Cervejaria. Otto percorreu o caminho inverso, tendo sido um membro do Partido Social-Democrata e opositor da derrubada de Weimar que acabou seduzido pelo canto das sereias não-tão-belas do nazismo.

Ala esquerdista

Descontente com as medidas reformistas dos sociais-democratas, que incluíam a repressão violenta a protestos de trabalhadores, Otto acabou se juntando ao irmão no aconchego do Partido Nazista. Lá, eles se encarregaram de liderar a ala “esquerdista” da agremiação política. Apesar de suas diferenças ideológicas evidentes, tanto Adolf Hitler quanto os Strasser partilhavam de um ponto em comum: a vontade de combater a pobreza que assolava a Alemanha da época e conquistar o apoio da classe operária, “rompendo os grilhões do capital financeiro” – mais especificamente, o “capital financeiro judaico”.

Com o tempo, as habilidades administrativas de Gregor ajudaram a transformar o Partido Nazista de uma pequena facção política num partido nacional com grande apelo popular, e ele se tornou o representante do próprio Hitler – mesmo não tendo os dons da oratória do futuro Führer – depois que ele foi banido de fazer discursos públicos pelas autoridades alemãs.

Nos discursos de Gregor Strasser, era possível ver uma nítida vertente socialista em meio à verborragia típica nazista: “Nós, nacionais-socialistas, queremos uma revolução econômica que envolva a nacionalização da economia (...) queremos colocar no lugar do sistema econômico capitalista exploratório um socialismo real, que não seja mantido por uma visão judaico-materialista desprovida de alma, mas sim pelo antigo, confiante, sacrificatório e altruísta sentimento alemão de comunidade. (...) Queremos a revolução social que trará a revolução nacional”.

Anticapitalismo insistente

Depois da derrota nas eleições nacionais de 1928, Gregor e Goebbels foram incumbidos de revisar o programa do partido. A ênfase dada ao conteúdo esquerdista, que incluía elementos escancaradamente socialistas, como greves, nacionalização de bancos e indústrias e até mesmo o estabelecimento de alianças com a União Soviética, acabou por enfurecer a ala conservadora do partido e o próprio Hitler, que conseguiu trazer Goebbels para o “lado (ainda mais) negro do Partido Nazista” e isolar ideologicamente os dois irmãos.

A Gregor coube apenas o papel da reforma administrativa do partido, o que ele conseguiu fazer com sucesso, transformando-o numa poderosa organização centralizada com uma máquina de propaganda a seu favor. Com a Grande Depressão agravando ainda mais a situação econômica do país, os irmãos voltaram a insistir, no jornal de sucesso que publicavam então em Berlim, numa necessidade de reformas de viés claramente esquerdista, entre elas um exacerbado anticapitalismo, reformas sociais e uma crescente oposição ao Ocidente. Goebbels, a essa altura já totalmente fiel ao seu novo “mestre”, fez com que Hitler banisse o diário. A notícia foi um golpe do qual os irmãos jamais se recuperaram. Eles se afastaram e Otto acabou sendo expulso do partido pelo Führer.

Depois da expulsão, Otto formou seu próprio grupo dissidente, a Liga de Combate dos Revolucionários Nacionais-Socialistas, conhecida popularmente como Frente Negra. O grupo pregava que Hitler tinha traído a causa anticapitalista original do nazismo. Já Gregor continuou firme no Partido, liderando a sua ala mais radical.

Com Hitler já no poder, a Sturmabteilung (SA), ala paramilitar de qual Gregor fazia parte, liderada por Ernst Röhm, convocou uma segunda revolução, para finalizar o que tinha sido começado e remover totalmente as elites alemãs do poder. Os nazistas mais conservadores se opuseram a essa medida e Gregor caiu de vez em desfavor. Sua oposição à nomeação de Hitler como vice-chanceler da Alemanha foi a gota d’água.

Em janeiro de 1933, o Partido Nazista começou a eliminar qualquer forma de oposição, na chamada Noite das Facas Longas, quando toda a liderança da SA foi eliminada juntamente com a ala esquerdista do partido. Gregor foi preso e assassinado dentro de sua cela. Otto fugiu do país e continuou sua militância do exterior, sendo declarado “inimigo público número um” por Goebbels, com uma recompensa de 500 mil marcos por sua cabeça.

Strasserismo e neonazismo

Com o tempo, o strasserismo foi encampado por diversos grupos neonazistas e se tornou uma versão populista e anticapitalista do nacional-socialismo. Nessa vertente, os trabalhadores seriam organizados por “guildas” e receberiam do Estado o direito de gerir suas indústrias. Os aspectos nacionalistas, xenófobos, antissemitas, antiglobalização e antieuropeus do “credo” nazista não só foram mantidos como exacerbados.

No fim da década de 1960, o Partido Nacional Democrata alemão enxergou nas ideias strasseristas uma maneira de defender algumas de suas ideias e, com isso, ao mesmo tempo se dissociar, de certa maneira, da sombra de Hitler. Outros partidos logo se aproveitaram do mesmo expediente e muitos movimentos neonazistas começaram a utilizar o símbolo da Frente Negra de Otto Strasser (um martelo cruzado com uma espada) no lugar dos símbolos nazistas banidos naquele país.

No restante da Europa, membros de partidos de extrema-direita também se utilizaram dos ideais strasseristas, criando a denominação coletiva de “Terceira Posição”. Entre os mais famosos estão a National Front britânica, que acabaria virando o National Party, a Forza Nuova italiana, a Renouveau Français, e a National Alliance americana. Alguns autores se referem hoje em dia a esse movimento como “nacional-bolshevismo” ou “nacional-comunismo”. Talvez essa seja a grande surpresa diante do eterno debate se o nazismo foi de esquerda ou direita: descobrir que existiram nazistas ambidestros.

Conteúdo editado por:Paulo Polzonoff Jr.
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