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Thanos, o vilão de Vingadores: Guerra Infinita | Divulgação
Thanos, o vilão de Vingadores: Guerra Infinita| Foto: Divulgação

[PODE CONTER SPOILERS]

Thanos, o Titã Louco das HQs da Marvel e, agora, do cinema, quer exterminar metade de toda a vida do universo. Na série de quadrinhos original de Jim Starling, Thanos está apaixonado pela [encarnação da] Morte e quer impressioná-la com sua proeza. Mas os criadores de “Vingadores: Guerra Infinita” lhe deram uma motivação diferente – e que é assustadoramente familiar no mundo real.

Depois de seu próprio planeta ser destruído por guerras civis e fome generalizada, a versão cinematográfica de Thanos se convence de que a destruição foi causada por uma falta de controle demográfico. Para que isso possa ser resolvido, ele raciocina, será preciso eliminar metade da população do universo. Apenas assim é que as forças do poder conseguirão assegurar prosperidade, saúde e segurança – para os sobreviventes, pelo menos.

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O cientista louco que quer deslanchar destruição em massa “pelo bem maior” é um tema que sempre esteve presente na ficção científica. Mas, fato alarmante, a ideia não nasceu das histórias em quadrinhos. Na realidade, nas últimas décadas dois cientistas americanos na vida real, Paul e Anne Ehrlich, escreveram um livro que defendeu as mesmas ideias e virou best-seller. Seus argumentos foram totalmente desacreditados no Ocidente, mas já mostraram ter grande influência sobre regimes repressores pelo mundo afora. 

O livro de 1968 dos Erhlich, “The Population Bomb”, começa dizendo: “A batalha para alimentar toda a humanidade acabou”. Seus autores então preveem que em uma década centenas de milhões de pessoas no mundo terão morrido de fome e propõem uma série de soluções que não soariam descabidas vindas de Thanos. “Elevar a produção de alimentos vai apenas adiar a execução, a não ser que seja acompanhado por esforços resolutos e bem-sucedidos de controlar o crescimento demográfico”, eles argumentam. “O controle demográfico é a regulação consciente do número de seres humanos para atender às necessidades não apenas das famílias individuais, mas da sociedade como um todo.” 

Para que ninguém se iluda, imaginando que os Ehrlich estivessem advogando reformas voluntárias, eles deixam claro já na primeira página que “se os métodos voluntários falharem, o controle terá que ser compulsório”. Eles reforçam essa misantropia com um aviso: “Não podemos mais nos dar ao luxo de tratar apenas os sintomas do câncer do crescimento demográfico – é preciso extirpar o câncer em si. O controle demográfico é a única resposta.” 

Na realidade, a fala de Thanos “quando eu tiver terminado, metade da humanidade ainda vai existir. Perfeitamente balanceada, como todas as coisas devem ser”, soa menos misantrópica que a proposta dos cientistas. 

O racismo implícito de Erhlich e seu desdém pela humanidade ficam claros pelo relato que ele próprio faz sobre o que o inspirou. Ele afirma no livro que ganhou uma compreensão “emocional” da população quando foi a Délhi. As ruas da cidade “pareciam fervilhar com pessoas” – uma frase que, vinda de um escritor de guias de turismo, soaria positiva. Em uma espécie de repetição psicótica, ele prossegue em tom de repulsa: “Pessoas, pessoas, pessoas, pessoas”.

Até 1984, essas previsões apocalípticas (nas palavras de Erhlich, “a falência absoluta da capacidade do planeta de sustentar a humanidade”) já haviam influenciado grandes organizações e afetado a política pública americana. Em uma conferência em 1974, os Estados Unidos propuseram a definição de metas populacionais. A proposta foi recebida com a oposição do Vaticano, da URSS, da China comunista e de países latino-americanos católicos, uma coalizão inesperada. 

A China, como hoje sabemos, reverteria essa posição alguns anos mais tarde e adotaria sua política do filho único, o mais famoso exemplo de uma resposta de Estado à histeria demográfica. A política deu início a inúmeros relatos sobre abortos forçados, infanticídio (geralmente de meninas) etc. (Quando a China passou para a política de dois filhos por casal, Ehrlich gritou no Twitter: “INSANIDADE ABSOLUTA – A GANGUE DO CRESCIMENTO PARA SEMPRE”. Um ano depois, ele propôs a adoção de uma política de filho único mundial.) 

A medida chinesa está longe de ter sido o único regime de controle demográfico repressor. Um artigo recente da “Smithsonian Magazine” sobre a influência do trabalho de Erhlich recorda alguns outros exemplos. 

Em um sistema que representava um convite a abusos, os salários dos profissionais de saúde no Egito, Tunísia, Paquistão, Coreia do Sul e Taiwan eram determinados pelo número de DIUs que eles implantavam em mulheres. Nas Filipinas, pílulas anticoncepcionais eram literalmente jogadas de helicópteros sobre povoados remotos. No México, Bolívia, Peru, Indonésia e Bangladesh, milhões de pessoas foram esterilizadas, muitas vezes de maneira coerciva, às vezes ilegalmente e frequentemente em condições pouco seguras. 

Nas décadas de 1970 e 1980 a Índia, governada pela primeira-ministra Indira Gandhi e seu filho Sanjay, adotou políticas que, em muitos estados, exigiam que homens e mulheres se submetessem à esterilização se quisessem ter acesso a água, eletricidade, cadernetas de rações alimentares, assistência médica e reajustes salariais. Professores podiam expulsar alunos das escolas se os pais dos alunos não fossem esterilizados. Mais de 8 milhões de homens e mulheres foram esterilizados apenas em 1975. (“Finalmente”, observou o diretor do Banco Mundial, Robert McNamara, “a Índia está tomando medidas eficazes para combater seu problema demográfico.”) 

A população mundial dobrou desde a publicação de “The Population Bomb”, e a da Índia quase triplicou, mas nenhuma das previsões histéricas dos Ehrlich se concretizou. Na realidade, a tendência vem sendo a oposta: os índices de mortalidade feminina caíram para menos da metade, as situações de fome generalizada são mais raras e a produção de alimentos aumentou dramaticamente.

Os três lugares mais densamente povoados do mundo são Mônaco, Macau e Singapura, nenhum dos quais é exatamente um cenário pós-apocalíptico. A realidade é que, como observou o economista Julian Simon, “seja qual for o índice de crescimento demográfico, a oferta alimentar cresce em índice ainda maior”. A criatividade humana é um recurso que não recebe a apreciação merecida. Desde os anos 1960 o comércio livre global cresceu drasticamente, permitindo que alimentos e bens percorram o mundo e gerem um caminho para as pessoas mais pobres terem um mercado para vender seus produtos. 

Em seus melhores momentos, a ficção científica permite que leitores e espectadores enfrentem ideias do mundo real de uma maneira que não guarda relação com o contexto do mundo real. Imagino que, como os protagonistas do filme, a maioria dos espectadores rejeitaria o plano de Thanos, apresentado sem enfeites e sem eufemismos científicos e baseado no argumento central de que as pessoas precisam ser eliminadas pelo bem da humanidade. O mesmo modo de apresentar a questão deveria ser usado sempre que a cruzada antidemográfica volta a erguer sua voz na vida real.

©2018 National Review. Publicado com permissão. Original em inglês

Tradução de Clara Allain

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