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The Batman (2022), com Robert Pattinson: um retrato da crise de fé
The Batman (2022), com Robert Pattinson: um retrato da crise de fé| Foto: Divulgação

O novo filme The Batman nos mergulha bem no meio de uma crise de fé. Esqueça o playboy confiante e carismático de Christian Bale. O Batman de Robert Pattinson não dorme há uma semana. Ele faz diários, fica de mau humor e é obcecado com detalhes. Um gótico em Gotham – um conceito que não deveria funcionar, mas funciona. Os tons escuros correspondem às questões subjacentes que estão sendo exploradas. Ele grava tudo o que vê durante a noite, reproduzindo e repetindo suas interações, atormentado por dúvidas: ele faz parte da corrupção ao seu redor? Está fazendo a diferença? É possível melhorar a situação de Gotham? Todas as dúvidas que espelham a crise de fé na qual nos encontramos agora. Se as instituições não são confiáveis, não há qualquer mediação entre nós e nossos vizinhos. Podemos confiar nas narrativas reproduzidas pelos meios de comunicação de massa? Quem está mesmo pensando no que é melhor para nós?

Nosso pessimismo generalizado para resolver essas questões ficou em destaque na minha visão do novo blockbuster. A multidão na tela combinava com a multidão ao meu redor. Dois grupos começaram a lutar diretamente logo que o filme começou, na vida real. Um era muito barulhento. O outro fazia ameaças. Quando um membro do primeiro derrubou uma bebida, o segundo ameaçou sacar uma arma (o que eu acho que foi um blefe), mas o outro não ficou para descobrir. Saíram do cinema, sob vaias. O resto de nós voltou para o filme, pronto para uma briga, dentro ou fora da tela.

As questões centrais do filme transcendem qualquer narrativa política específica. Debates sobre segurança, justiça, eleições, negócios, todos se resumem a se podemos confiar naqueles em posições de autoridade sobre nós e nos órgãos por meio dos quais eles governam. Dúvidas corrosivas estão presentes em todo debate político e social. E o filme não poupa ninguém, literalmente, ao lidar com essa crise. A corrupção infecta todas as áreas de Gotham, fazendo com que Batman questione todas as lealdades. Em quem ele pode confiar? Como e onde ele pode encontrar justiça?

A justiça é tão difícil de conseguir em Gotham quanto em nosso pequeno mundo. O filme começa com uma visão muito específica da justiça. Batman é eficaz porque ele se vinga contra os malfeitores. Seu bordão, “Eu sou a vingança”, tem a intenção de induzir nos criminosos o próprio medo que eles provocam nos habitantes da cidade. Batman quer que esses criminosos “o vejam em todas as sombras”. Ele estabelece a ordem social, uma espécie de confiança, infligindo dor, real e imaginária. Embora ele não mate diretamente as pessoas, ele chega perto o suficiente. O nível de delito que ele enfrenta parece justificar uma certa imprudência diante das classes criminosas. Ele é lançado de volta ao antigo princípio do olho por olho e dente por dente. Essa concepção de justiça exige uma punição que corresponda ao crime – “o que ele fez, será feito a ele”.

Reflita sobre um mundo onde esse princípio seja amplamente aplicado em todos os relacionamentos. Se cada ação fosse retribuída com exatidão, teríamos uma cacofonia de sofrimento. A multidão pressiona, esperando a justiça perfeita. Mas justiça para quem e sob os termos de quem? O Charada adota a visão de que não há justiça verdadeira – há apenas poder e aqueles que o exercem. Ele busca vingança contra as pessoas e sistemas que o prejudicaram. Nossa crise de fé começa quando adotamos essa atitude. A justiça como mera retribuição é uma visão profundamente pessimista do mundo.

Mas esta não é a única visão de justiça, e certamente não é onde o filme termina. Em uma reviravolta, Batman é forçado a perceber que a vingança não é uma resposta adequada ao mal. Não se pode combater a violência apenas com violência. Devemos também oferecer misericórdia. Imediatamente se pensa no solilóquio de Pórcia de “O Mercador de Veneza”:

"A graça do perdão não é forçada;
Desce dos céus como uma chuva fina
Sobre o solo: abençoada duplamente
Abençoa a quem dá e a quem recebe;
É mais forte que a força: ela guarnece
O monarca melhor que uma coroa;
O cetro mostra a força temporal,
Atributo de orgulho e majestade,
Onde assenta o temor devido aos reis;
Mas o perdão supera essa imponência:
É um atributo que pertence a Deus,
E o terreno poder se faz divino
Quando, à piedade, curva-se a justiça". (Tradução de Bárbara Heliodora)

O cetro simboliza o poder da lei de inspirar medo nos possíveis criminosos. Mas a misericórdia está acima da justiça, revelando um atributo de Deus, que poderia ter exigido vingança perfeita sobre todos os malfeitores, mas elegeu um caminho diferente. A sua misericórdia revela-nos um caminho a seguir, que nos impediria de aplicar toda a força da justiça de tal forma que se tornasse indistinguível da vingança. A misericórdia não é uma virtude isolada em nossas vidas individuais e espirituais. O Estado revela melhor a misericórdia quando a incorpora à lei.

Para aqueles que diriam que esse tema religioso é um exagero, basta prestar atenção a um dos temas musicais recorrentes do filme, “Ave Maria”. Por que esse tema? A música está ligada às aparições do Charada no filme e, mais especificamente, à hipocrisia que ele vê ao seu redor. Alguns acharam a escolha ofensiva – inclusive Brad Birzer (The Imaginative Conservative). Mas, na realidade, para a maioria, a hipocrisia agora define nossas instituições, especialmente a igreja. Em um flashback, órfãos cantam “Ave Maria” no funeral de Thomas Wayne. Enquanto a elite rica que assiste ao funeral diz que se preocupa com o “órfão e a viúva”, na verdade eles estão muito distantes da dor real dos órfãos. O Charada é um desses órfãos que foi reprovado pelo sistema. A música, originalmente escrita por Schubert, é de fato um pedido de socorro que no filme se torna um pedido tortuoso e desesperado. Novamente, como podemos confiar nas instituições que deveriam criar e sustentar a ordem quando são tão claramente corruptas? Esta é a crise de fé que Batman deve aceitar, quando se pega concordando com o Charada. Mesmo a própria família de Wayne não está imune à corrupção profunda em Gotham. Uma crítica ao filme é que ele não detalha totalmente esses temas religiosos. Mas eles estão presentes, no entanto, para os levemos em conta e reflitamos a respeito.

De volta ao cinema onde me sentei cercado por meus companheiros de turba. Como podemos avançar diante da desconfiança que temos em praticamente tudo e todos? As duas concepções de justiça apresentadas em The Batman apontam dois caminhos. A primeira é pura vingança, na qual não encontramos fim para o ciclo do mal e da retribuição. Talvez esta seja a armadilha atual em que nos encontramos agora. Queremos que nossas instituições façam algo. Queremos sentir que estamos de volta ao controle, mesmo que esse “controle” piore as coisas a longo prazo. Mas uma segunda alternativa, a misericórdia, fornece um caminho a seguir para uma sociedade que afunda sob o peso da corrupção. Essa misericórdia é possível dentro das famílias, igrejas e comunidades próximas. Esses relacionamentos podem reparar os laços rompidos por negligência consistente e até abuso. Nem todos na história do Batman, ou na nossa, são corruptos. De fato, o conceito de misericórdia requer a existência de bondade no mundo. Para manter alguma esperança para o futuro, não precisamos “passar pano” para nosso estado atual, mas nos apegar a verdades antigas. O Batman espelha nossa crise de fé, mas cai em desespero.

©2022 Acton Institute. Publicado com permissão. Original em inglês.
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