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Brigadeiro
Brigadeiro: mania nacional| Foto: Imagem de <a href="https://pixabay.com/pt/users/LariKoze-473068/?utm_source=link-attribution&amp;utm_medium=referral&amp;utm_campaign=image&amp;utm_content=842639">Larissa Kozemekin</a> por <a href="https://pixabay.com/pt/?utm_source=link-attribution&amp;utm_medium=referral&amp;utm_campaign=image&amp;utm_content=842639">Pixabay</a>

Feito com leite condensado, achocolatado em pó, manteiga e alguns minutos, o brigadeiro é um doce que poderia existir em qualquer país do mundo. Mas é coisa de brasileiro, autêntica mania nacional. Que os experts em gastronomia expliquem por que o mundo não faz brigadeiro. O máximo que está ao meu alcance é contar que o nome do doce advém de um candidato à presidência, o Brigadeiro Eduardo Gomes.

Theodore Dalrymple é quase como o brigadeiro. Está lá, na Inglaterra, escrevendo as suas coisinhas tão pertinentes e agradáveis de ler, e só nós, cá no Brasil, saímos traduzindo e lendo tudo. Não tem Dalrymple em francês, nem Dalrymple em espanhol, nem Dalrymple alemão. Mas os seus livros são rotineiramente traduzidos e editados pela É Realizações, e suas colunas saem aqui neste jornal. Por que será que nós, justo nós, gostamos tanto dele?

Brasileiro adora crônica

Um apontamento do próprio Dalrymple ajuda a identificar um motivo. Em 'Nossa Cultura', comenta: “[Stefan] Zweig era um mestre da crônica (o que ajuda a explicar a sua falta de sucesso no universo de língua inglesa: os editores desse idioma consideram esse formato literário economicamente inviável, apesar de sua atestada lucratividade em outros países, nos quais Zweig vendeu milhões de cópias). Ele era capaz de capturar imensas mudanças históricas em um pequeno compasso, com uma linguagem simples, não obstante evocativa.” Um desses países de alta vendagem era o Brasil, chamado por Zweig de país do futuro, local que ele escolheu para viver e morrer.

Dalrymple é, ele próprio, um cronista, um colega de ofício de Zweig. Tipicamente, um jornal brasileiro tem uma porção de colunas (alguém já disse que nossos jornais são um templo grego por isso), e escritores ocupam esse espaço para tratar do que lhes der na telha. Cronistas foram Machado de Assis, João Ubaldo Ribeiro, Carlos Drummond de Andrade, José Guilherme Merquior, Euclydes da Cunha, etc etc etc. É difícil encontrar um escritor brasileiro que não seja, também, um cronista. No Brasil, bem ao contrário da Inglaterra, é prática editorial rotineira coligir as melhores crônicas de jornal para fazer um livro, que terá compradores certos entre o vasto leitorado cativo.

Dalrymple é um típico escritor brasileiro, só que inglês.

“Eu também vou reclamar!”

Um esporte nacional é a crônica; outro, a reclamação. Adoramos reclamar, e nossos alvos preferenciais são bandidos e autoridades – categorias amiúde pouco discerníveis entre si. Quem fizer um programa televisivo dedicado a xingar bandido, mostrar crimes escabrosos, e depois xingar as autoridades por não terem resolvido o problema, não fica sem audiência.

Assim, temos em nosso país uma profusão de programas populares de rádio e TV voltados a xingar autoridades e bandidos, bandidos e autoridades, com suas versões nacional, regional e local, que xingam prefeitos e governadores, secretários e ministros, políticos de situação e de oposição, e os que não são nem de oposição, nem de situação, muito pelo contrário. Uma catarse quotidiana de escracho!

Antigamente, quando não havia crimes escabrosos para preencher horas de programas televisivos, nem muitas caras de bandidos pra mostrar, o protagonista dessa catarse era o radialista, que vivia esbravejando contra as autoridades que deixam a rua esburacada, que não recolhem o lixo, que não concluem a obra. Depois vieram os apresentadores de TV que mostram crimes escabrosos e lares desfeitos, para vociferar contra a bandidagem e as autoridades que não a deixam presa. (Esses radialistas e apresentadores de TV costumam se candidatar a cargos políticos, e vencem. Mas nenhum gênio das ciências sociais enxerga uma continuidade entre isto e a eleição de Jair Bolsonaro.)

Dalrymple trata dessas coisas todas que nós vemos em programas de TV: lares desfeitos pela droga, mães adolescentes apanhando no enésimo namorado, assassinos cruéis que entram e saem da cadeia, gente trabalhadora acuada pela violência, policiais impotentes ou inoperantes, judiciário complacente… Os problemas todos que julgamos de terceiro mundo, mas que vicejam lá na Inglaterra. Por causa de quem? Das autoridades. Então vamos reclamar das autoridades! No caso de Dalrymple, as autoridades apontadas são a intelectualidade progressista e dos políticos paternalistas.

Sem o estilo sensacionalista, ele aborda os mesmos problemas que tanto interessam os brasileiros, argumenta sobre as causas, e faz isso no adorado estilo da crônica.

Intelectuais progressistas são uniformes como Big Macs

A diferença entre um progressista britânico, um brasileiro e um mexicano é a mesma que há entre um Big Mac britânico, um brasileiro e um mexicano: nenhuma. Por isso, a crítica de Dalrymple contra as autoridades intelectuais de lá vale cá.

Há um problema apontado por Dalrymple, porém, que não figura nos programas de rádio e TV. É o das crianças que saem ignorantes e semianalfabetas da escola. Quando lemos que no Reino Unido as crianças ficam tão intelectualmente pobres quanto nas favelas brasileiras, isso quer dizer que a explicação não pode ser só a que o senso comum dá (pobreza, falta de recursos, má alimentação).

De minha parte, noto que as autoridades no horário eleitoral tratam das escolas como um lugar onde os pais despacham as crianças e elas comem. Dê comida, e a escola cumpriu sua missão. Nossas expectativas estão muito erradas. Achamos que a educação só vai melhorar quando as autoridades eleitas resolverem o problema, mas nos esquecemos do fato de que autoridade intelectual também é autoridade.

Nada melhor do que seguir lendo Dalrymple, portanto.

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