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Enquanto cientistas políticos e analistas insistem em usar termos antiquados como “capitalismo” e “socialismo”, políticos promovem o transferismo.
Enquanto cientistas políticos e analistas insistem em usar termos antiquados como “capitalismo” e “socialismo”, políticos promovem o transferismo.| Foto: Pixabay

Os Estados Unidos nunca tiveram uma tradição socialista relevante nem um partido socialista sério. O socialismo nos Estados Unidos é, na melhor das hipóteses, um movimento marginal – e sempre foi assim. Isso torna a aceitação repentina do socialismo ainda mais surpreendente. Mas com um defensor declarado do socialismo, Bernie Sanders, concorrendo à Presidência pela segunda vez e outra, Alexandra Ocasio-Cortez, ganhando mais importância do que teria ocupando seu cargo de deputada, o socialismo norte-americano tem mais importância hoje do que jamais teve em nossa história.

O socialismo é uma reação ao capitalismo

Para complicar ainda mais as coisas, o socialismo existe apenas como uma reação ao capitalismo, e é assim desde que Marx escreveu o primeiro artigo sobre o assunto. E, como se isso não bastasse, o próprio uso das palavras “capitalismo” e “socialismo” chegou a um ponto tal que eles perderam a clareza de sentido.

Esses termos um dia já tiveram uma definição bem clara. O socialismo é o controle estatal dos meios de produção. O objetivo é usar esses meios para o bem público. Por outro lado, o capitalismo é simplesmente a propriedade privada dos meios de produção.  O objetivo é que os meios sejam usados para promover os interesses daqueles que os detêm, o que por suas vezes criará as condições para uma prosperidade que possa ser desfrutada por todos.

Em pesquisas, os norte-americanos expressam uma visão relativamente clara de ambos. E embora os eleitores americanos que defendem um sistema totalmente socialista estejam longe de formar uma maioria, uma pesquisa recente do instituto Gallup indica que mais do que 40% dos norte-americanos acham que “uma forma qualquer de socialismo” é algo bom. Mas qual é essa “forma qualquer de socialismo”? Uma sociedade é socialista ou não. Não há meio-termo. Até mesmo nossos políticos explicitamente socialistas raramente defendem algo tão drástico quanto o controle governamental dos meios de produção.

Parece que o que os norte-americanos realmente têm em mente quando pensam em socialismo não é um sistema econômico, e sim resultados econômicos específicos. E eles parecem se ater sobretudo à questão do que as pessoas deveriam ter. A resposta a que eles costumam chegar? Mais do que as pessoas conseguem num sistema baseado na busca pelo lucro. O capitalismo, acreditam, é imoral porque é um sistema no qual alguns não têm nada enquanto outros têm mais do que são capazes de usufruir em várias encarnações seguidas.

Transferismo é um termo mais preciso

Esses quatro de cada dez norte-americanos e os políticos que falam por eles não estão defendendo o socialismo, e sim algo que deveria ser chamado de “transferismo”. O transferismo é um sistema no qual um grupo de pessoas obriga um segundo grupo a pagar por coisas que elas acreditam que elas mesmas ou um terceiro grupo deveriam ter. O transferismo não tem a ver com o controle dos meios de produção. Tem a ver com a redistribuição forçada da produção.

As transferências de renda se referem ao dinheiro que o governo federal dá diretamente a pessoas, estados ou governos locais. Não são compras. Para se configurar uma transferência, o dinheiro deve ser dado sem que se peça nada em troca. Os créditos de imposto de renda e os vários programas assistencialistas são transferências de renda. Assim como os benefícios da previdência social. Ainda que os trabalhadores tendam a considerar os benefícios da previdência social como uma devolução de seus impostos, juridicamente os impostos previdenciários são simplesmente parte da arrecadação do governo. Os trabalhadores não têm direito aos benefícios da seguridade social. Quem diz isso? A Suprema Corte, no caso Flemming v. Nestor (1960). Na verdade, os benefícios são simplesmente transferências de renda – doações – do governo para os aposentados.

As transferências federais para pessoas físicas aumentaram de 11% em 1953 para 53% hoje em dia. Assim como faz com indivíduos, o governo federal também realiza transferências para os governos estaduais e municipais. As transferências federais para pessoas e governos estaduais e municipais aumentaram de 17% dos gastos públicos em 1953 para 69% hoje. Atualmente, quase 70% do que o governo federal faz envolve simplesmente tirar dinheiro de um grupo e dar a outro. Menos de um terço do dinheiro gasto por Washington é usado para a governança.

Ao menos no que diz respeito ao governo federal, nossa administração adotou completamente o federalismo. E os dois partidos são os responsáveis. Dos quatro presidentes que promoveram as maiores transferências de renda, dois eram democratas (Obama e Clinton) e dois republicanos (G.W. Bush e Trump). As transferências de renda aumentaram com o tempo. As diferenças partidárias são uma questão retórica e de percepção pública, não um reflexo da realidade.

Ao contrário do que se pensa, os políticos falam em termos bastante claros sobre os benefícios que pretendem financiar transferindo renda de um grupo para outro, e eles andam tendo sucesso com isso. A maioria dos norte-americanos é incapaz de imaginar um pais sem Previdência, um sistema coletivo de saúde e créditos de imposto de renda. E os políticos parecem ter sempre novas ideias quanto ao que talvez consigam alcançar com mais transferências de renda ainda. As novas ideias geralmente são bem definidas, ao menos no que diz respeito ao lado beneficiado. Perdão das dívidas estudantis, renda básica universal, saúde para todos e outros projetos redistributivos representam um benefício óbvio para um grupo igualmente óbvio.

A falta de clareza se dá quando os políticos têm de explicar quem pagará por tudo isso. A resposta deles é inevitavelmente alguma variação de “os ricos” é que finalmente pagarão “a parte que lhes cabe”. Nada disso nunca é definido, o que explica o atual déficit norte-americano de US$23 trilhões. As transferências de renda são uma armadilha política porque os políticos precisam dizer quem se beneficia, e quanto, e ao mesmo tempo precisam esconder quem realmente pagará por eles.

Malandrismo x Capitalismo

E, assim como o transferismo não é socialismo, o sistema contra o qual os transferistas lutam tampouco é o capitalismo. Quando eles pensam em “capitalismo”, os transferistas imaginam uma classe endinheirada que engana os consumidores, polui o meio ambiente e mantém um poder monopolizado, tudo porque a classe endinheirada age em conluio com o governo. Mas o capitalismo é simplesmente a propriedade privada dos meios de produção. O que as pessoas descrevem é algo que deveria se chamar “malandrismo”, algo que pode se manifestar tanto no socialismo quanto no capitalismo. O malandrismo não é um subproduto de um sistema econômico; é um subproduto da política.

Para exemplos, basta olharmos o que acontece na Coreia do Norte, Cuba e Venezuela. Os socialistas dizem que esses países não são exemplos do “socialismo real” – e não são mesmo. Houve um tempo em que esses países foram de fato socialistas, assim como houve um tempo em que os Estados Unidos foram um país capitalista. Mas o malandrismo tomou conta dos sistemas econômicos desses países, assim como aconteceu no maior experimento socialista da Humanidade: a União Soviética. A vida era simplesmente diferente para os membros do Partido. Este é o perigo real que todos os países enfrentam, independentemente de seus princípios econômicos e estruturas políticas.

E é aí que os perigos do transferismo se tornam claros, porque o transferismo é tão-somente outra forma de malandrismo. Na situação dos Estados Unidos de hoje, os malandros não são a elite endinheirada que compra políticos poderosos em proveito próprio (apesar de isso ainda acontecer). São os eleitores que recompensam os políticos que lhes prometem cada vez mais benefícios, ano após ano.

A questão óbvia que nunca é feita, geralmente por causa da confusão cada vez maior quanto às palavras “socialismo” e “capitalismo”, é quanto transferismo queremos para nossa sociedade. O atalho intelectual aberto pelo socialismo e capitalismo se revela como algo impossível de ser aplicado nas circunstâncias atuais, mas nossa insistência em categorizarmos as coisas praticamente garante que não cheguemos a nenhum lugar com o discurso usado hoje em dia.

Quanto transferismo queremos?

Precisamos responder à questão fundamental: quanto transferismo queremos?

A fim de responder a isso, precisamos aceitar que toda e qualquer transferência de renda é um confisco da riqueza das pessoas que a geraram. Esse confisco diminuirá a geração de riqueza no longo prazo ao reduzir um incentivo importante para que se assuma os riscos necessários para a geração de renda. Depois, temos de reconhecer que o transferismo é viciante. Não importa quanta transferência de renda promovemos; as pessoas sempre quererão mais. O déficit de US$23 trilhões dos Estados Unidos, o maior que o mundo já viu, se deu por causa do apetite voraz dos eleitores norte-americanos por transferências de renda combinadas com os inventivos políticos óbvios para criá-las.

A solução que os políticos encontraram é repassar os custos das transferências de renda para os contribuintes que ainda nem nasceram, emprestando o dinheiro e, assim, legando à próxima geração o problema de pagar pela dívida ou suportar o pagamento interminável de juros. É um castelo de cartas, sim, mas, da perspectiva dessas pessoas, será um castelo de cartas para outra pessoa continuar montando.

No final das contas, poluímos nosso discurso político com duas palavras que não têm mais sentido: socialismo e capitalismo. Ao longo do processo, não usamos o termo correto para o princípio por trás da política norte-americana: transferismo. Os únicos vencedores disso são os políticos que conseguem reunir votos mantendo o eleitorado num estado quase constante de atrito. E eles continuarão vencendo se as pessoas insistirem em pensar em termos que deixaram de ter um sentido real há muitos anos.

Dr. Antony Davies é membro da FEE, professor de economia na Duquesne University e coapresentador do podcast Words & Numbers.

James R. Harrigan é diretor do Centro de Filosofia da Liberdade na Universidade do Arizona e membro da Foundation for Economic Education. Ele também coapresenta o podcast Words & Numbers.

© 2019 Foundation for Economic Education. Publicado com permissão. Original em inglês
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